Diretor: Darren Aronofsky
Atores principais: Russell Crowe, Jennifer Connelly, Ray Winstone, Anthony Hopkins, Emma Watson, Logan Lerman
Irregular, o melhor de Noé é a sua mensagem
Talvez não fosse esta a intenção do diretor Darren Aronofsky, mas seu novo trabalho, Noé, está causando polêmica no mundo religioso. De fiéis das várias religiões que seguem a Bíblia, até a um comunicado oficial da Igreja Católica, dizendo em pequena nota que o filme foi uma "grande oportunidade mal aproveitada".
Esta repercussão tem se tornado maior que o filme, e por isto, não tenho como fazer minha crítica sem compará-lo com o Antigo Testamento, e sem contar aqui trechos da trama. Todos conhecem a história de Noé, portanto nada que eu revele aqui será um grande spoiler. Também não revelarei grandes surpresas, nem contarei o final do filme. De qualquer forma, estarei contando mais sobre a história apresentada do que costumo fazer em minhas críticas. Se isto for um problema para você, leia meu texto somente após assistir Noé.
A premissa básica todos conhecem: desiludido com o mal disseminado entre os homens, Deus resolve varrê-los da Terra através de um dilúvio. Mas ainda há entre os homens alguém bom: Noé (Russell Crowe). E portanto, a ele é dada a missão de construir uma arca para sobreviver a tragédia. Arca que irá abrigar sua família e um casal de cada animal do planeta.
A história de Noé é contada de maneira muito sucinta na Bíblia. São três capítulos pequenos e bastante repetitivos. Por isto, é claro que para contar um filme com pouco mais de 2h de duração, muita coisa teria que ser inventada. Porém, além dos "aumentos", o roteiro de Noé altera vários fatos do Livro Sagrado.
São estas alterações que incomodam bastante os fiéis. Vamos a algumas delas:
A primeira é a presença dos Anjos Caídos, que não existem na Bíblia canônica mas que existem no apócrifo Livro de Enoque. Porém mesmo lá a história é diferente: os anjos deveriam ser criaturas más e não pertencem originalmente a história de Noé. Se por um lado entendo que esta alteração foi uma agradável "modernização" da história, de outro, reconheço que ela dá razão há quem reclama que o filme lembra O Senhor dos Anéis em alguns momentos, inclusive em termos de ação e batalhas.
Outra diferença é que na Bíblia o núcleo familiar de Noé é composto por ele, sua esposa, seus três filhos, e a esposa de cada um dos seus três filhos. São quatro casais adultos. Já no filme, temos Noé, sua esposa (Jennifer Connelly), três filhos adolescentes e a namorada do filho mais velho (Emma Watson). Isto faz que o segundo filho deseje uma mulher para levar consigo na Arca, mas Noé não permite, gerando um conflito entre os dois. Não gostei. Achei isto um dramalhão barato e desnecessário.
Uma outra reclamação dos religiosos é que em determinado momento tanto Deus quanto Noé as vezes aparentam ser maus. O filme foi corajoso ao mostrar o sofrimento das pessoas que iriam morrer. E ao reforçar que dentre estas pessoas haviam inocentes (as crianças). Oras, isto é exatamente o que conta a Bíblia. Aqui a reclamação não faz sentido. O Deus do Antigo Testamento as vezes se mostra impiedoso e é exatamente isto que vemos nas telas. Simples assim.
Mas se deixarmos de lado a comparação da história do filme com a história na Bíblia, e se deixarmos de lado a fragilidade da trama (apenas o desenvolvimento do personagem de Noé é interessante, o desenvolvimento de todos os demais personagens é fraco), restará de Noé suas discussões e mensagens, é aí que o filme ganha sua força.
O conflito interno de Noé é interessantíssimo. Seguir o que Deus lhes pede mesmo que isto signifique matar e ser odiado pela família. Conseguimos sentir na boa atuação de Russell Crowe o pesado fardo que seu personagem carrega. Será que devemos seguir literalmente o que está descrito na Bíblia ou interpretar os fatos de acordo com nosso coração? O filme responde.
Noé apresenta fortíssima mensagem ambientalista. Ele nos mostra por diversas vezes que a humanidade se perdeu ao se afastar da natureza. A salvação não é possível fora dela. Noé chega até a extrapolar, sugerindo que deveríamos ser todos vegetarianos.
Mais ainda, muito mais grave do que ter desobedecido a Deus e "comer a fruta do bem-e-mau", o pior pecado humano é o "irmão contra irmão". Matar alguém é um ato abominável, e isto também nos é martelado constantemente ao longo da história.
Em suma, a mensagem é: natureza e fraternidade. E o melhor do filme é nos fazer sentir esta necessidade. Você se sente envergonhado por ser humano e o filme nos traz isto sem ser piegas.
Esta é a razão de Noé, e não a discussão sobre o filme ser anti-Bíblia e anti-Deus. Tanto que o objetivo não é atacar a religião que a criação do universo e do homem é contada de uma maneira a conciliar Bíblia e Teoria da Evolução: para Noé, ambas estão certas!
Analisando tecnicamente, o filme é bom, mas em nenhum momento brilhante. E também aparentam ser reutilizações do diretor: a trilha sonora é boa porém parecida com a que já vimos em A Fonte da Vida. O recurso visual para mostrar os sonhos de Noé lembram Réquiem Para um Sonho.
Curiosidade: a parte frontal da Arca foi construida de verdade, com madeira e tudo mais (dá para distinguir a parte real da parte gerada por computador na primeira tomada aérea da embarcação: a parte real é a parte mais enegrecida). Entretanto, não vi muito valor neste esforço da produção, já que em nenhuma cena a Arca ganha destaque. Dava para ser tudo digital. De qualquer forma, certamente isto facilitou bem o trabalho dos atores.
Com altos e baixos, Noé tem como outro mérito prender a atenção do espectador. Ele exagerou nas "liberdades de roteiro" e com isto teve sua mensagem diminuída pelas polêmicas. Porém graças a qualidade desta mensagem (relevante e essencial para os dias de hoje), e também somando ao bom conjunto técnico do filme, temos como resultado final uma boa nota: 7,0.
Nenhum comentário:
Postar um comentário