domingo, 3 de fevereiro de 2013

Crítica - Lincoln (2012)


Título: Lincoln ("Lincoln", EUA, 2012)
Diretor: Steven Spielberg
Atores principais:  Daniel Day-Lewis, Sally Field, David Strathairn e Tommy Lee Jones
Nota: 8,0

“Daniel Day-Lewis rouba a cena em um filme muito bom, que poderia ser ainda melhor se Spielberg não fosse tão piegas”

Spielberg me surpreendeu ao limitar bastante no tempo sua cinebiografia de Abraham Lincoln. Afinal, os 150 minutos do filme nos mostram apenas uma passagem da vida do ex-presidente estadunidense: sua luta  em plena guerra civil pela aprovação no congresso da 13a emenda, que aboliria oficialmente a escravatura em escala federal.

A maneira com que Lincoln foi filmado transforma o filme praticamente em um documento histórico. Sóbrio, não há narradores, não há cenas em primeira pessoa, as cenas se sucedem sempre de maneira linear. Somado à isto, a bela fotografia nos mostra os personagens sempre a média distância, o tempo todo, sem closes. É como se voltássemos no tempo e alguém tivesse filmado tudo o que aconteceu mantendo uma distância quase fixa de 5 metros de todos os atores envolvidos na trama. Figurino e maquiagem também são muito bons, e reforçam a sensação de realmente termos voltado a 1864.

Lincoln é um filme de muitos (e inteligentes) diálogos. Se você gosta de política e história, este é um filme para você. Os debates são tão bons que apesar da grande quantidade não cansam, nem se percebe o tempo passar. O personagem de Lincoln também contribui para esta sensação. Somente ele é suficiente para nos prender a atenção por toda a história. O Lincoln de Spielberg é uma pessoa carismática, bondosa, de voz baixa e macia. Também um imprevisível e excêntrico contador de "causos". Muito diferente dos políticos atuais, é honesto e governa com mansidão. Ele é tão diferente (até fisicamente, pelo corte de barba e por ser bastante alto e magro), que nos cativa instantaneamente.

Claro que os maiores méritos disto são do ator Day-Lewis, no qual falarei mas adiante. Basta dizer por enquanto que Lincoln é um filme recheado de excelentes atuações. Por exemplo, o quarteto que citei acima como "atores principais" está irrepreensível.

Não tenho condições de julgar Lincoln pela sua veracidade histórica. Se os fatos foram exatamente conforme são apresentados, eu não sei. Mesmo assim, é fácil perceber que Spielberg mitifica demais seu homenageado.

O ex-presidente aparentemente possui apenas dois defeitos: tem problemas de relacionamento na família  com a esposa e filho; e, apesar de ser totalmente contra a escravatura, ele não é tão simpático aos negros. Esta imagem é condizente com o que a História acredita hoje. Fora isto, Lincoln parece ser perfeito, alguém acima dos mortais (citado explicitamente no filme, mais de uma vez). O político ideal. Um gênio. Um sábio. Além de muito poderoso e respeitado - o que é incessantemente reforçado pelas câmeras, que costumeiramente o filmam de baixo para cima, aumentando a impressão de "poder" e também sua altura física.

Mas o maior exagero é que Lincoln é apresentado como sendo "a" única pessoa realmente interessada na abolição. Todos os outros ao seu redor, parecem apenas preocupados em fazer política. O único outro personagem que se importa com a abolição é o congressista Thaddeus Stevens (Tommy Lee Jones), mas mesmo este é apresentado como uma pessoa descontrolada, que precisa ser supervisionada pelos homens de Lincoln o tempo todo.

Erros históricos, entretanto, não iriam me fazer abaixar muito a avaliação de um filme. Mas erros técnicos sim. E desta vez Steven Spielberg errou feio na parte sonora, mais especificamente no enorme exagero das trilhas incidentais.

Toda vez que temos algum discurso importante (seja ele heroico, comovente, ou de "luta pela liberdade"), eis que sobe aquela musiquinha de "fique emocionado", jogando por água abaixo todo aquele clima de "sobriedade histórica" que elogiei no começo. E como são muitas (muitas mesmo) as cenas com "diálogos emocionantes", não ficamos nem 5 minutos sem ouvir a maldita musiquinha que alerta os espectadores burros que agora eles precisam ficar comovidos.

E não é um insulto apenas aos espectadores. É também um insulto aos próprios atores do filme. Eles atuam tão bem, que não precisariam de trilha sonora nenhuma para emocionar o público. E isto é provado no próprio filme! Por exemplo, em uma das poucas cenas sem a trilha sonora piegas, onde temos apenas o silêncio, Lincoln (Daniel Day-Lewis) e sua esposa (Sally Field) brigam por deixar ou não o filho servir o exército. E só com o olhar o ator britânico já nos emociona. Não precisaria de mais nada.

E para encerrar a tradição de não saber terminar um filme de maneira decente há décadas, Spielberg também erra na cena final. Ele podia ser fiel a sua própria proposta de apenas se limitar a 13a emenda, de apenas "documentar" via filmagens. Mas não. Seu lado melodramático faz que o filme salte no tempo e se despeça com Lincoln em seu leito de morte, para depois ter sua imagem saindo de um muro de chamas em uma montagem vergonhosa.

Se Spielberg não tivesse errado tanto, o filme levaria uma nota 9,0. Pelos erros, eu acho justo rebaixá-lo para nota 7,0. Mesmo assim, não vou ser tão ranzinza, e em homenagem a seus atores e seus acertos, cravarei a nota média de 8,0.

As indicações ao Oscar 2013
Lincoln é o líder em indicações ao Oscar deste ano: são 12. Dentre elas, a de melhor trilha sonora e melhor direção. É um absurdo estas duas indicações. Principalmente em relação ao sr. Spielberg. Acho que não fico tão inconformado com uma indicação a diretor desde 2002 com Martin Scorsese por Gangues de Nova York.

Também temos indicações para Melhor ator (Daniel Day-Lewis), Melhor ator coadjuvante (Tommy Lee Jones) e Melhor atriz coadjuvante (Sally Field). Como disse anteriormente, são todas grandes atuações.

No caso dos dois últimos, são atuações ótimas que entretanto se equivalem a outras ótimas atuações que temos todos os anos. O talvez favorito ao prêmio Tommy Lee Jones, por exemplo, apesar de irretocável me impressionou menos que Christoph Waltz em Django Livre.

Agora, para Daniel Day-Lewis o assunto é diferente. Não é "só" uma ótima atuação. Ele é outra pessoa. Sua voz, seus trejeitos, tudo mudou para que ele incorporasse Lincoln. Uma atuação realmente impressionante. Por exemplo, enquanto acompanhamos o ex-presidente envelhecer bastante ao longo do filme, vemos este cansaço interpretado com brilhantismo por Daniel através de um olhar convincentemente cada vez mais cansado, ou ainda, com uma corcunda e uma dificuldade de andar cada vez mais acentuadas.

Eu ainda não vi nem de longe uma atuação melhor que esta neste ano. Mas ainda preciso assistir as atuações de seus concorrentes Joaquin Phoenix e Hugh Jackman para cravar que Daniel Day-Lewis é o grande merecedor da vez.

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