Não são apenas os super-heróis de quadrinhos que estão constantemente sendo reinventados nos cinemas. Outro gênero muito comum de filmes são as adaptações dos "contos de fadas" (que não necessariamente possuem fadas - são geralmente contos infantis fantásticos do folclore europeu).
E um personagem bem frequente nestas adaptações é o intrépido João. Nos últimos três anos, você pôde encontrá-lo em João e Maria: Caçadores de Bruxas (2013), Jack, o Caçador de Gigantes (2013) e Caminhos da Floresta (2014).
Correto? Não, há algo errado: a frase acima está incorreta pois que os "Joões" dos filmes citados são personagens distintos. Toda esta confusão se deve a uma má tradução dos nomes destes protagonistas aqui no Brasil.
Vamos então aprender a distinguir os "Joões" e suas respectivas histórias?
João e o Pé de Feijão é uma história do folclore inglês, e certamente, a mais famosa dentre todas as histórias do "João". Publicada pela primeira vez em 1807, seu nome no original é Jack and the Beanstalk. Nela, um menino pobre vai ao mercado e troca a única renda da família, uma vaca, por feijões mágicos. Feijões estes que, ao plantados, geram um pé de feijão gigante que o leva a um reino acima das nuvens, onde ele encontra um gigante mau e sua esposa. É o gigante que fala “Fa-fi-fo-fum!”, e de quem João rouba uma harpa de ouro e a famosa gansa que bota ovos de ouro (exato: não é uma galinha).
João o Matador de Gigantes (Jack the Giant Killer) é outra fábula inglesa, ainda mais antiga, e publicada pela primeira vez em 1711. Nela os gigantes coexistem com os humanos na terra mesmo, e a história acontece durante o reino do Rei Arthur. Sozinho, o jovem fazendeiro João (que é bem mais velho que o João do Pé de Feijão) consegue matar o gigante que comia o gado dos fazendeiros da região. Após a façanha, ele recebe o título de “Matador de Gigantes” e acaba fazendo disto seu meio de vida. Ele acaba vivendo várias aventuras e matando vários gigantes, sendo que para cada gigante morto João toma posse (ou é presenteado) de algum item mágico. São estes itens que tornam sua missão cada vez mais fácil e menos absurda. João acaba conhecendo o filho do Rei Arthur, vira Cavaleiro da Távola Redonda, e finalmente, termina sua história casando com a filha de um Duque, que fora resgatada por ele das mãos de um... adivinhem?... gigante.
Note que a tradução nos dois contos acima do nome do herói para João não está errada, afinal Jack é considerado uma variação de John (João em inglês). E o significado do nome John / João é “Deus é Gracioso”. Porém Jack também é considerado uma tradução do hebreu Jacob: o nosso Jacó. E o significado do nome Jacó é: “vencedor, cheio de energia, astuto”. Muito mais correto e próximo do aventureiro (e nem sempre honesto) Jack das fábulas, não? Portanto, aqui no Brasil o correto seria que todo Jack fosse traduzido como Jacó.
João e Maria é outra história "de Joões" que é bem famosa. Agora, deixamos o folclore inglês e partimos para o folclore alemão. O conto de João e Maria (Hänsel und Gretel, no original) foi registrado pelos Irmãos Grimm em 1812. Na história, dos irmãos são abandonados na floresta pelos pais, que não tem condições de sustentá-los. Perdidos, eles são atraídos por uma casa feita inteiramente de doces, cuja habitante é uma bruxa, que os aprisiona. Ao final, os irmãos conseguem matar a bruxa e voltar para casa dos pais, agora com provisões suficientes para viver pro resto da vida.
Curiosamente, apesar do nome bem diferente - Hänsel - a tradução para nosso idioma também não está errada, já que Hänsel é uma variante de Johannes, que por sua vez é o equivalente ao John inglês e ao João português.
Existem vários outros Jack's da literatura inglesa, e muitos deles sequer são humanos. Alguns nem tiveram o nome traduzido para o português, mas mesmo assim você já deve ter ouvido falar deles. Eis mais dois exemplos:
- Stingy Jack / Jack-o'-lantern: aqui Jack é um bêbado vagabundo e mal caráter que fez um pacto com o diabo para não ir ao inferno. Ao morrer, por ser mau, não foi aceito no céu. Mas também, pelo pacto, não foi ao inferno. Desta maneira, ele é um morto-vivo preso em nosso mundo. A Jack-o'-lantern (aquela lanterna típica do Halloween feita com uma casca de abóbora no formato de uma cabeça humana) é baseada em sua história.
- Jack Frost: é a geada sob forma humana. Aparece em diversos poemas e contos da língua inglesa desde o século XIX.
Note que todos os Joões / Jacós / Jacks (e o Hänsel) acima são completamente diferentes uns dos outros. Entretanto, o escritor
de quadrinhos Bill Willingham teve a divertida idéia de fazer para seu ótimo
título, Fables (ou Fábulas, publicado atualmente no Brasil pela Panini), que todas estas
aventuras dos Jacks foram mesmo vividas por uma única e mesma pessoa: o desonesto Jack Horner. Mas isto
é outra história.
Fechando então com os 3 filmes do início deste texto: o João de João e Maria: Caçadores de Bruxas é o Hänsel de Hänsel und Gretel; já o Jack de Jack, o Caçador de Gigantes é uma mistura dos dois Jacks: Jack and the Beanstalk e Jack the Giant Killer - note que neste filme ele já é adulto. E finalmente, em Caminhos da Floresta, o João é uma versão mais fiel do menininho João que temos em Jack and the Beanstalk.
Que este texto tenha dissipado todas as dúvidas "joonísticas" de uma vez por todas. :)
PS: ah, e João, em russo, é Ivan. E este fato não contribuiu em nada na minha motivação para escrever este texto. :)
4 comentários:
Ivan também é cultura!
Sobre os filmes, pena que nenhum seja bom... O mais razoável talvez seja o João e Maria, que abraça o trash e o gore, se levando menos a sério.
De fato, Moreti. Ambos são ruins. Mas bem que a fictícia "Trilogia do João", descrita nos quadrinhos de Fábulas poderia ser feita de verdade; desbancaria os Senhor dos Anéis rsrs. Abraços!
Opa! Sempre! Obrigado pelos comentários! :)
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