O enredo acima faz parte de um livro que, para muitos, se trata da primeira história de Ficção Científica da Literatura. Antes de revelar o nome desta obra, lanço o desafio: quando e onde vocês acham que ela foi escrita? Vou até dar dicas. Seria no começo do Renascimento Europeu (entre meados do século XIV e o fim do século XVI), quando a Idade Média se encerrava e a Ciência começava realmente a crescer? Ou seria ainda antes... que tal no Século IX do Mundo Árabe, onde a astronomia e matemática se desenvolvera mais rapidamente, e obras literárias incríveis de fantasia como por exemplo As Mil e Uma Noites já eram compiladas?
Nem um, nem outro. A trama em questão é narrada na obra História Verdadeira, escrita em meados do Séc. II d.C. por Luciano de Samósata (Síria), em grego. Sua intenção ao publicar sua História Verdadeira foi ironizar e criticar as fontes históricas contemporâneas e antigas que descreviam acontecimentos fantásticos e míticos como se fossem verídicos.
A épica jornada narrada em História Verdadeira é recheada de absurdos, e além dos eventos que descrevi no primeiro parágrafo deste artigo, temos por exemplo nossos aventureiros sendo engolidos por uma baleia gigante, onde lá dentro eles encontram uma civilização de homens-peixe; se envolvem em uma batalha entre um povo de gigantes; encontram um mar de leite com ilhas de queijo; viajam por vários lugares e acabam encontrando personagens históricos ou mitológicos como Homero, Ulisses, Sócrates, Pitágoras e Heródoto.
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Vivendo dentro de uma baleia... |
Ou seja, para nossos conceitos, há bem mais fantasia que Ficção Científica em História Verdadeira, mas ainda assim ela é considerada a primeira obra deste gênero por contemplar conceitos como viagens interplanetárias, encontro com alienígenas, colonização de planetas, atmosfera artificial, criaturas vivas feitas de tecnologia humana, desejo explícito dos protagonistas por aventura e exploração e etc.
Ah sim, e como sabemos que Luciano de Samósata escreveu História Verdadeira com este objetivo que eu contei pra vocês linhas acima? Porque ele mesmo diz isso nos primeiros parágrafos do livro! Ele cita A Odisséia, de Homero, como uma das mais importantes obras de charlatanismo, e ainda declara que sua história a seguir é toda inventada, tudo mentira: "Mas minha mentira é muito mais honesta do que a deles, pois embora eu não diga a verdade em nada mais, pelo menos serei verdadeiro ao dizer que sou um mentiroso.".
Curiosamente, apesar de tudo, ainda havia alguns leitores do mundo romano que, quando História Verdadeira saiu, acharam que sua história era real. Assim como temos hoje o fenômeno "se recebi no WhatsApp é verdadeiro", antes havia o "se foi publicado em um livro (ou pergaminhos), é verdadeiro". E no séculos XVI e XVII, quando a Europa explorava "terras inexploradas" ao longo do globo, História Verdadeira voltou a chamar a atenção das pessoas. Por exemplo, hoje os estudiosos acreditam que As Viagens de Gulliver, escrita pelo irlandês Jonathan Swift (1667 - 1745), tenha sido bastante influenciada por por esta obra.
Obs.: sendo um bom satírico e piadista, Luciano de Samósata encerrou sua História Verdadeira com um "... O que aconteceu no outro mundo eu contarei a vocês nos livros seguintes.", livros que ele obviamente nunca escreveu nem quis escrever. ;)
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