Como muitos devem saber, uma das maiores e mais importantes escolas de quadrinhos do mundo é a Franco-Belga, com suas revistas em formato bem característico: álbuns com papel de alta qualidade, tamanho próximo ao A4 (22x29 cm), e em volumes trazendo entre 40 e 60 páginas.
As mais famosas Bande Dessinée ("tiras desenhadas"), ou "BD"s Franco-Belgas no mundo certamente são Asterix (dos franceses René Goscinny e Albert Uderzo) e Tintim (do belga Hergé). Asterix aliás, para mim é uma das melhores franquias de quadrinhos de todos os tempos.
Meu objetivo neste artigo é apresentar para eleitores brasileiros 6 títulos de quadrinhos Franco-Belgas além de Asteríx e Tintim, e que portanto não são muito conhecidos por aqui. Alerto que esta minha lista segue algumas restrições: primeiro que serão apenas títulos infanto-juvenis... o que significa que quadrinhos "adultos" como Blueberry e XIII não entram; além disto, só vou apresentar títulos que continuam disponíveis nas lojas brasileiras para que você possa comprar e ler. Portanto, outros títulos geniais da dupla autora de Asterix, como Umpa-Pá e Iznogud não entram, já que a última vez que elas foram publicadas no Brasil foram respectivamente nos anos 1987 e 1978 (que VERGONHA, hein editoras nacionais?).
Sem mais delongas, vamos à lista dos títulos em ordem alfabética:
Boule & Bill
Boule & Bill foi publicado no Brasil na década de 80 pela editora Martins Fontes. E décadas depois, durante os anos de 2012 e 2013, a editora Nemo trouxe o título novamente para cá, com 5 edições da fase produzida por Laurent Verron. São estas edições que ainda existem para comprar.
Boule & Bill são tirinhas curtas de humor protagonizadas pelo garoto Boule e de seu cachorrinho Bill, de raça Cocker Spaniel. Como principais coadjuvantes, também fazem parte da revista os pais de Boule, e Caroline, sua tartaruga de estimação. Fazendo uma comparação bem grosseira, é como se fosse uma mistura de Calvin e Haroldo com Peanuts (Charlie Brown e Snoopy), porém sendo menos genial que o primeiro e muito menos depressivo que o segundo, até porque Boule é bastante alegre e travesso.
Após começar na revista semanal de quadrinhos belga Spirou em aventuras com 4 páginas, rapidamente Jean Roba passou a fazer histórias de humor com começo e fim em apenas 1 página, formato que popularizou Boule & Bill e se mantém até hoje.
Com tirinhas engraçadas e fofinhas, o título foca nas aventuras e no cotidiano de Boule e sua família. Uma curiosidade de Boule & Bill é que neles os animais conversam normalmente como se fossem humanos; e embora os humanos não entendam o que os animais "falam", o contrário não é verdadeiro, e os animais entendem tudo o que as pessoas falam.
January Jones
A presença de January Jones na minha lista é uma pequena "trapaça", afinal ela não foi criada por franceses ou belgas, e sim pelos holandeses Martin Lodewijk (roteiro) e Eric Heuvel (arte). Ainda assim sua citação na lista é muito justa, primeiro porque o título é bem conhecido no mercado Franco-Belga, mas principalmente porque se trata da obra mais mais próxima de Tintim que já vi: January Jones é um ótimo exemplo das revistas da escola "Linha Clara", desenvolvida pelo próprio Hergé.
As aventuras de January Jones estão situadas entre as Primeira e Segunda Guerras Mundiais. A protagonista é uma jovem aviadora e espiã, uma mistura das pessoas reais Amelia Earhart e Mata Hari com os fictícios Indiana Jones e Tintim; inclusive, misturar fantasia com fatos e personagens reais é uma das importantes características de January Jones. Voltando a comparar ela com as histórias da maior criação de Hergé, nas HQs de January Jones os confrontos com os alemães (que dependendo da história são anteriores ao partido nazista) estão bem mais presentes, mas ao mesmo tempo a revista é mais bem humorada, repleta de piadinhas. As semelhanças com Tintim são tão grandes que as histórias também possuem o (polêmico) tom colonialista e machista daquele período histórico.
January Jones continua sendo publicada pelos seus criadores: até agora já foram 10 álbuns, com o 11º já programado para ser lançado ainda em 2020 na Europa. Aqui no Brasil o título chegou pela primeira vez em 2016 via AVEC Editora, que até hoje lançou apenas os 2 primeiros volumes da série. Seria muito importante que no mínimo o 3º volume, que se chama O Tesouro do Rei Salomão também saísse por aqui, pois ele continua e encerra a história do volume anterior, O Crânio de Mkwawa.
Outro volume que seria muito interessante que viesse para cá é o 10º, intitulado Flying Down to Rio II, que foi publicado em 2018 e se passa todo no nosso Rio de Janeiro. O nome original deste álbum é o único em inglês (e não holandês), pois se trata de uma homenagem ao clássico filme estadunidense Flying Down to Rio, de 1933. Na história, January é contratada para fazer as imagens aéreas da (fictícia) continuação deste filme. Curiosamente os planos da AVEC eram justamente lançar o volume 3 em 2020 e depois, saltar direto para o número 10, por motivos óbvios. Entretanto os planos foram interrompidos pela pandemia e alta do Euro. Espero que um dia estes planos sejam retomados e aplicados.
É bem fácil encontrar e comprar January Jones pela internet, inclusive pelo próprio site da editora, que para quem não sabe mas se interessa pelo assunto, publica vários outros títulos interessantes de quadrinhos aqui no Brasil.
Lucky Luke
Lucky Luke pode não ser tão conhecido aqui no Brasil, porém em termos de vendas mundiais ele se encontra no Top 3 das revistas Franco-Belgas, ficando atrás de Asterix, mas na frente de Tintim.
Criada em 1946 pelo belga Morris, suas histórias se passam no Velho Oeste americano, onde o cowboy Lucky Luke luta contra todo tipo de crimes e injustiças. Sempre em companhia de seu cavalo Jolly Jumper, ele tem como principais inimigos os atrapalhados e estúpidos Irmãos Dalton. Além de vários coadjuvantes fictícios, Luke também interage com personalidades reais, como por exemplo Jesse James, Billy the Kid e Calamity Jane.
Morris foi outro que começou publicando seu maior sucesso na revista semanal de quadrinhos belga Spirou. No começo de Lucky Luke, Morris trabalhava sozinho fazendo tanto os roteiros quanto os desenhos. Depois de ter publicado o material que se tornaria seus primeiros 8 álbuns, ele deixou os roteiros na mão do genial francês René Goscinny (o roteirista e co-criador de Asterix). Goscinny roteirizou pouco mais de 40 volumes, se tornando o maior e mais importante escritor de Lucky Luke.
Com a morte de Goscinny em 1977, Morris começou a trabalhar com vários outros roteiristas, mas se mantendo firme nos desenhos até seu falecimento, em 2001. A partir daí os desenhos ficaram sob responsabilidade do francês Achdé. Lucky Luke continua sendo publicado até hoje, geralmente com um novo volume por ano, e já bateu a marca de 95 edições.
Os quadrinhos de Lucky Luke são bem engraçados, e principalmente na fase de Goscinny, possui tiradas geniais ironizando o comportamento humano. Curiosidade: até 1983 Luke aparecia o tempo todo fumando um cigarro, até que Morris optou por trocar o objeto por uma palha de capim a partir de então. Seu gesto lhe valeu uma medalha de reconhecimento da OMS (Organização Mundial de Saúde), porém descaracterizou um pouquinho o personagem.
Os álbuns de Lucky Luke foram publicados no Brasil com boa frequência, por diversas editoras, nas décadas de 60 a 80 e alcançando dezenas de números. Porém depois de sua última aparição de um álbum seu nas bancas nacionais, em 1986, Lucky Luke só voltaria em 2014, via editora Zarabatana Books.
O formato escolhido pela Zarabatana foi curioso: revistas mais grossas, compilando 3 álbuns originais em um único volume. E não começaram pelo "volume 1", começaram pelo "volume 4", para que a coleção se iniciasse pela fase de Goscinny. Após a publicação do "volume 5" em 2017, os planos eram publicar finalmente o "volume 1" como 3º lançamento. Porém até agora ele não saiu. De qualquer forma, os vols. 4 e 5, que somados dão 6 divertidos álbuns, continuam disponíveis para compra em livrarias nacionais.
Quick e Flupke
Quick e Flupke traz histórias cotidianas de humor, principalmente de humor físico, onde um dos dois garotos acaba se acidentando de alguma maneira, ou fazendo alguma "pegadinha" em terceiros. São histórias curtas, sempre apresentadas em 2 páginas completas.
A coleção completa de Quick e Flupke foi publicada no Brasil alguns anos atrás sob nome de As Diabruras de Quick e Flupke. São apenas 2 volumes em capa dura e papel de luxo, cerca de 160 páginas cada, e ainda estão disponíveis nas lojas.
Os Smurfs
Quem viveu os anos 80 conhece bem estas criaturinhas azuis, pelo sucesso de seu desenho animado da TV, ou pela sua linha de brinquedos e/ou de jogos de videogames. Porém o que poucos sabem é que Os Smurfs começaram nos quadrinhos décadas antes, criados pelo belga Pierre Culiford, mais conhecido pelo seu nome artístico Peyo.
Os Smurfs foram publicados pela primeira vez em 1958, como coadjuvantes em uma história em quadrinhos de Johan et Pirlouit, título também produzido por Peyo, que se tratava das aventuras de um jovem cavaleiro e seu escudeiro/músico em um ambiente medieval que também contava com feitiçaria. Com o sucesso dos simpáticos seres azuis, eles ganharam seu título próprio em 1963, com o álbum Os Smurfs pretos, que no caso era uma coletânea de 3 histórias publicadas anteriormente na revista semanal de quadrinhos Spirou.
Os Smurfs são minúsculos seres humanoides azuis, que vivem em sua própria comunidade dentro de uma floresta, e têm como principal inimigo o humano e mago Gargamel, que quer capturá-los para transformá-los em ouro. Contando histórias que misturam bastante aventura e humor, uma característica incomum do título é que os Smurfs possuem seu dialeto próprio, que basicamente é o uso da palavra "smurf" em substituição a alguns substantivos ou verbos. Por exemplo: "Nós vamos smurfar ao Rio Smurf hoje".
Peyo lançou 16 álbuns de Os Smurfs, sendo o último deles no ano de seu falecimento, em 1992. Os primeiros álbuns eram todos de quadrinhos publicados originalmente em revistas mensais e compilados posteriormente; porém os últimos já eram publicações inéditas, lançadas diretamente como álbum próprio.
Com a morte de Peyo, seu filho Thierry Culliford assumiu os roteiros de Os Smurfs e continua publicando novas histórias até hoje. Somando os álbuns de Peyo e de seu filho, a franquia atingiu neste ano de 2020 o número de 38 volumes, com a publicação de Les schtroumpfs et le vol des Cigognes.
A primeira vez que Os Smurfs foram publicados no Brasil foi nos anos 1975-76 pela Editora Vecchi, com 7 edições em formatinho, e 3 revistas no formato original de álbum europeu, em 21 x 27,5 cm. Depois em 1983, agora pela Editora Abril, novas publicações: 6 revistas também em formatinho.
E finalmente, há alguns anos atrás, a publicação ganhou uma terceira tentativa via Editora L&PM. Em 2011 eles trouxeram 2 álbuns (tanto no formato original de álbum europeu quanto no formato pocket branco e preto), e em 2013 lançaram mais 2 títulos (agora apenas no formato original). São estes 4 álbuns da L&PM que você ainda consegue comprar em algumas livrarias brasileiras.
Spirou e Fantásio
Spirou e Fantásio têm uma das origens mais curiosas. Spirou foi criado pelo quadrinista francês Rob-Vel, em 1938, para estrelar a revista semanal belga de HQs de mesmo nome. Já Fantásio foi criado pelo quadrinista belga Jijé em 1944, para que o mesmo formasse uma dupla de amigos com Spirou. Sob as mãos de seus criadores, Spirou e Fantásio era apresentado apenas em aventuras curtas, de algumas poucas tiras ou páginas. É então que em 1946 o belga André Franquin assume as publicações dos dois personagens, e rapidamente altera o formato para histórias mais longas, publicáveis em álbuns próprios. Foi sob o comando de Franquin que Spirou e Fantásio se tornou internacionalmente famoso, e ele é considerado o "autor definitivo" da dupla.
Foi dentro da revista Spirou e Fantásio que Franquin também criou Marsupilami, o animalzinho de rabo absurdamente comprido que anos depois ganharia seu título próprio e viraria desenho animado da Disney na década de 1990. Após a publicação de 24 álbuns, André deixou o título em 1969, e a partir de então Spirou e Fantásio passou por vários autores diferentes, e continua sendo publicado até hoje. A última edição, a 55ª, teve o nome de La Colère du Marsupilami e foi lançada em 2016 pela dupla francesa Fabien Vehlmann (roteiros) e Yoann Chivard. Foi o 5º álbum criado por eles.
Spirou começou suas histórias como um camareiro em um importante hotel de sua cidade, enquanto Fantásio é um jornalista. Depois de muitos álbuns Spirou também vira jornalista, trabalhando junto com seu grande amigo. Junto com a dupla temos o esquilo de estimação Spip, e o Marsupilami. Spip conversa normalmente com os humanos das histórias, embora somente nós, leitores, efetivamente entendemos o que ele diz.
De certa forma Spirou e Fantásio se parece um bocado com Tintim, ainda assim em comparação, aqui as aventuras são bem mais cômicas, mais variadas e menos realistas. Spirou e Fantásio teve 3 títulos publicados no Brasil pela Editora Vecchi em 1975-76, sob o bizarro nome de As Aventuras do Xará, e uma publicação pela Editora Manole em 1996.
Mas foi a editora SESI-SP que efetivamente tornou o título disponível para todo brasileiro: de 2016 pra cá a editora paulista já publicou vários álbuns de Spirou: 11 álbuns da série regular, e mais 4 álbuns especiais, da série O Spirou De..., onde outros quadrinistas convidados fazem suas histórias independentes, desconsiderando a série "oficial".
Atualmente dá para comprar facilmente uma edição de Spirou e Fantásio, entretanto como a última publicação da SESI-SP foi em Janeiro de 2019, tenho o receio de que eles tenham abandonado a coleção.
Gostou? Quais destes títulos você já conhecia? Ou não conhecia e agora quer conhecer? Escreva nos comentários! Passe numa livraria e inicie sua experiência nestes diferentes títulos de quadrinhos!