sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Vida Longa e Próspera!


Cinema e TV já nos proporcionaram centenas de franquias divertidas e interessantes. Star Wars, Seinfeld, Friends, Senhor dos Anéis, Alien, Batman, Superman, Game of Thrones... Mas hoje não tenho nenhuma dúvida de quais são, disparadamente, minhas franquias favoritas: Indiana Jones e Jornada nas Estrelas.

A primeira, explora o passado da humanidade: um arqueólogo descobrindo segredos das incríveis civilizações antigas; já a segunda olha para o futuro: no século 23 o homem investiga o "mistério final": o espaço. Realização que só foi possível através da humanidade finalmente amadurecer: fome e guerras foram erradicadas, e nossa espécie enfim desfruta a paz e se dedica principalmente ao conhecimento.

Para que toda esta introdução? Para comentar que uma das franquias que tanto amo sofre hoje um golpe duríssimo: há poucas horas atrás faleceu o ator Leonard Nimoy, o eterno Spock. Com 83 anos, Leonard faleceu em sua casa, em Los Angeles, em consequência de uma grave doença pulmonar. Ao anunciar para o mundo sua doença cerca de um ano atrás, ele disse: "Parei de fumar 30 anos atrás. Não cedo o suficiente.".

É verdade que Jornada nas Estrelas foi construída sob o trio Kirk (William Shatner), McCoy (DeForest Kelley) e Spock (Leonard Nimoy). Mas foi o último deles que virou o verdadeiro ícone da franquia. Seu rosto sério, sobrancelhas levantadas e orelhas pontudas são reconhecidas instantaneamente por qualquer pessoa do planeta. Não a toa, Leonard Nimoy / Spock foi o único a sobreviver ao episódio piloto da série, de 1965: inicialmente rejeitado pelo estúdio, quando o seriado enfim estreou em 1966 todo o elenco foi trocado, menos ele. Nimoy também esteve presente em dois episódios da TV e em um filme da Nova Geração. Finalmente, ele também foi o único da série clássica a também estar presentes nos filmes do reboot da franquia, iniciado em 2009.

Considero o personagem de Spock em dos mais interessantes e inspiradores da história da ficção. Tendo nascido de pai Vulcano e mãe Terráquea, Spock sofreu preconceito durante toda sua vida. Quando criança, era rejeitado pelas crianças vulcanas por ser um "mestiço"; quando adulto, estudou e trabalhou entre humanos, e como na época a convivência da humanidade com alienígenas ainda não era comum, era visto preconceituosamente como um inimigo/espião por algumas pessoas. Mas ele aguentou firmemente, e não revidou.

Sendo o mais inteligente e o mais forte fisicamente dentre todos os integrantes da nave Enterprise, Spock e Kirk dividiam o posto de "herói da vez", salvando sua tripulação incontáveis vezes. Sua herança humana era motivo de um grande conflito interno, que o atormentou até o dia de sua morte...

... na verdade, sua primeira morte, Pois ele "ressuscitou" meses depois, e ao voltar a vida, atingiu a paz interna que precisava. Spock voltou mais sábio, mais pacifista, uma pessoa que alcançou a plenitude. Totalmente consciente de quem era, e sem nenhuma vergonha disto. Que desfecho emocionante e invejável para um personagem! Atingir a paz, buscar o conhecimento. Deveria ser as metas de cada um de nós!

Como ficção e realidade muitas vezes caminham juntas, a vida de Leonard Nimoy tomou rumos parecidos. Ele não se torturava por ser metade humano e metade vulcano. Mas se torturava por ser reconhecido exclusivamente como Spock. Em 1975 ele publicou sua biografia I Am Not Spock ("Eu não sou Spock"), onde em nenhum momento ele rejeitou o personagem que o estigmatizou, mas mesmo assim, era um claro apelo ao público para distinguir o ator de seu papel. Quando fez o primeiro filme de Star Trek: Jornada nas Estrelas: O Filme (1979), Leonard estava decidido que esta seria a última vez que interpretaria o orelhas-pontudas.

Nimoy não precisou morrer e ressuscitar para atingir a paz, mas com o passar dos anos, também se tornou uma pessoa mais completa, mais sábia. Por exemplo, em 1995 lançou sua segunda biografia, I Am Spock ("Eu sou Spock"), onde reconhecia publicamente que fizera as pazes com seu personagem, e que era bastante grato ao mesmo.

Após o fim do seriado de Jornada nas Estrelas na TV, Leonard passou pelo teatro, foi diretor (acreditem, foi ele quem dirigiu a comédia Três Solteirões e Um Bebê), mas o mais importante foi que ele progressivamente se distanciava cada vez mais das telas, passando a se dedicar em outras formas de Arte. Nimoy escreveu poesias, e principalmente, dedicou-se a fotografia, com destaque ao seu trabalho experimental sobre a passagem do tempo. Suas aparições das últimas décadas sempre pareceram acompanhar a maturidade atingida pelo seu personagem. Sereno, calmo, apaixonado pela arte e pela ciência.

Sabedor do estágio final de sua doença, seu último texto em sua conta do twitter é emocionante: "A life is like a garden. Perfect moments can be had, but not preserved, except in memory." ("A vida é como um jardim. Podemos ter momentos perfeitos, mas não preservá-los, exceto nas memórias" - em tradução livre).

Fique tranquilo, Leonard Nimoy. Enquanto seus fãs estiverem vivos, seus momentos nunca serão esquecidos. Muito obrigado. E seja aonde você estiver agora... Vida Longa e Próspera!

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Crítica - O Destino de Júpiter (2015)

TítuloO Destino de Júpiter ("Jupiter Ascending", EUA / Reino Unido, 2015)
Diretores: Andy Wachowski e Lana Wachowski
Atores principais: Mila Kunis, Channing Tatum, Sean Bean, Eddie Redmayne, Douglas Booth, Tuppence Middleton
Trailerhttps://www.youtube.com/watch?v=KY96kILEt7s
Nota: 4,0



A megalomania dos irmãos Wachowski

Era o longínquo ano de 1999. E ao assistir Matrix nos cinemas fiquei bastante impressionado. Um filmaço que mudou os cinemas, não apenas pelas cenas de ação em câmera super-lenta (que passou a ser imitada por muitos, posteriormente), mas principalmente por ter resgatado do limbo os temas de ficção científica e o visual Cyberpunk.

Minha admiração por esta obra dos Wachowski era tamanha que, mesmo apesar dos fracos Matrix 2 e Matrix 3 (2003), e do horroroso Speed Racer (2008) eu ainda torcia muito para eles voltarem a fazer algo decente. Em 2012 veio A Viagem, que recebi com felicidade e alívio, pois mesmo não se comparando ao primeiro Matrix, enfim era um filme muito bom. Será que os Wachowski teriam retornado ao "bom caminho"?

Quando seu trabalho seguinte, O Destino de Júpiter, foi anunciado, eu sabia que teria minha resposta. E continuava torcendo firmemente por eles. Então vieram as más notícias: primeiro, o vídeo teaser, que me fez torcer o nariz. Não vi história nenhuma ali, apenas efeitos especiais sem sentido. Mas o pior ainda estava por vir: a entrevista que eles deram para o site Omelete poucos dias antes do filme estrear no Brasil (o link original está aqui).

Os Wachowski saem atirando para todo lado, mas, em resumo, fizeram duas críticas: 1) o cinema atual não faz mais nada original, simplesmente adapta livros, fazendo com que a magia da incerteza se acabe: "Eu li esse livro, eu sei o que acontece" - diz Lana. 2) os filmes de super-herói, segundo eles, são infantis, sem roteiro, apenas servem para fazer dinheiro. Mais ainda, são "sempre a mesma coisa", os personagens não tem profundidade... é sempre o "bem versus mal".

Certo. Quanto à primeira crítica, eu concordo... é mesmo triste este cenário atual dos cinemas. Mas ao mesmo tempo, ressalto que o ato de fazer só adaptações, por si só, não impede que filmes bons sejam feitos.

Já sobre a segunda afirmação dos Wachowski... bem, meus caros... Eu acabo de assistir O Destino de Júpiter. É um filme onde o extraterrestre-lobisomem voador Caine Wise (Channing Tatum) tenta salvar a indefesa terráquea Júpiter Jones (Mila Kunis) do vilão malvado Balem Abrasax (Eddie Redmayne) que quer exterminar a humanidade. Eu gostaria de saber no que isto se difere de filmes de super-herói!

O roteiro é fraquíssimo, a história é longa, chata, repleta de clichês e diálogos constrangedores. E é o tal "bem versus mal" mais puro e mais mal feito que existe.

O Destino de Júpiter é basicamente composto de cenas de ação, repletas de efeitos especiais. Todas estas cenas, sem nenhuma exceção, possuem tantos efeitos computadorizados, tantas explosões, tanta velocidade, tanta coisa se mexendo ao mesmo tempo, que como resultado final... você não entende o que está acontecendo.

O "mocinho" está brigando com um "monstro", a câmera pula para todo quanto é lado, e o "monstro" cai desacordado no chão. Você tem a ILUSÃO de que viu o que aconteceu. Mas não viu. Como o "vilão" foi nocauteado? Foi chute, soco, tiro, queda de pressão? Ninguém sabe. Esta "agressão visual" não é uma novidade, entretanto. Ela também está presente em obras igualmente "geniais" como Armageddon, Transformers 2 e Transformers 3.

Há apenas uma coisa boa em O Destino de Júpiter: seu visual. A fotografia é muito boa, mas em especial, as cenas no espaço são belíssimas, bastante impressionantes.

Já a mitologia criada pelos Wachowski neste filme... é razoavelmente interessante. Tem idéias legais, mas ao mesmo tempo possui algumas falhas de lógica. Além disto, de original, não tem muita coisa... é uma mistura de Cinderela com Matrix com Star Wars.

Até em seu ritmo o filme falha. Sim, no fundo ele é ultra acelerado do começo ao fim, porém, seguindo a megalomania dos diretores, toda batalha do filme é "épica", com direito a ópera como trilha sonora. O resultado, o filme tem uns 50 clímax, que na prática, se anulam tornando-se nenhum.

Os Wachowski gastaram para fazer O Destino de Júpiter cerca de 180 milhões de dólares (sem contar as várias dezenas de milhões gastos em propaganda) e até agora, no momento que escrevo este texto, sua arrecadação mundial não chegou na marca dos 120 milhões. Um grande fracasso. Talvez a única solução restante para os irmãos seja trabalhar com orçamentos modestos, para que - quem sabe? - eles possam voltar a focar no roteiro. Porque enquanto estiverem fazendo estes filmes de grande orçamento vão continuar a se travestir de gênios porém dirigindo como um Michael Bay. Nota: 4,0


PS 1: eu comentei em meu post anterior que o crítico Rubens Ewald Filho disse que a atuação de Eddie Redmayne neste filme é "uma das piores atuações da história do Cinema". Bem, agora posso dizer que não concordo. Redmayne atua bem alias, porém deixo a ressalva que sua opção por falar "sussurrando" ficou cansativo e artificial.

PS 2: há apenas uma coisa REALMENTE original neste filme dos Wachowski: fizeram filme em que  o personagem de Sean Bean não morre. Incrível!

PS 3: minha última alfinetada nos Wachowski: com que moral alguém que fez Matrix 2 e 3 vem a público reclamar que hoje o cinema só se preocupa com dinheiro?

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Oscar 2015 - Iñárritu e seu Birdman são os grandes vencedores


Iñárritu e seu Birdman são os grandes vencedores

E mais um Oscar se encerra. Após extensas 3h40min de transmissão, a 87ª edição da glamourosa premiação da Academia teve Birdman como grande vencedor da noite, abocanhando os prêmios de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Original e Melhor Fotografia.

Se nos dois anos anteriores a Academia optou por escolher seu melhor filme considerando motivos políticos (12 Anos de Escravidão em 2014 e Argo em 2013), desta vez ela repete 2012 (O Artista) ao premiar quem homenageou a própria indústria do Cinema.

Empatados no número de indicações (nove), O Grande Hotel Budapeste e Birdman também mantiveram o empate no número de Oscars obtidos: quatro cada um. Entretanto, o filme de Wes Anderson só levou os chamados prêmios técnicos, menos badalados.

Das minhas previsões para as 8 principais categorias, acertei 6. Não acertei tudo principalmente porque minha teoria de que a Academia iria "dividir" os prêmios entre Alejandro Iñárritu, Wes Anderson e Richard Linklater não se concretizou. Enquanto Iñárritu ficou com 3 Oscars só para ele, Anderson e Linklater saíram de mãos abanando.

Fechando este bloco de comentários "gerais", ainda destaco os Oscars vencidos por Whiplash - foram três, mais do que eu esperava - e com isto o filme de Damien Chazelle foi o terceiro maior vencedor desta edição. Nenhum outro filme levou mais de um Oscar para casa além do três citados anteriormente.


As pequenas surpresas

A cerimônia não teve grandes surpresas nem grandes injustiças. Aliás, as grandes injustiças aconteceram ANTES da cerimônia, como por exemplo as esnobadas aos filmes Selma, Garota Exemplar, O Abutre, etc.

Uma das principais surpresas foi que o fraquíssimo (mas grande favorito) Como Treinar Seu Dragão 2 não venceu (para minha felicidade). Quem levou foi Operação Big Hero, que se não é nenhuma maravilha, é ao menos bem divertido e bem melhor que a desprezível continuação caça-níqueis dos dragões da DreamWorks, Ah: eu não assisti, mas os críticos citam O Conto da Princesa Kaguya como  aquele que era disparado o melhor dos cinco finalistas.

E como comentei anteriormente, Whiplash levou mais prêmios do que eu esperava; em contrapartida, eu esperava que os bastante estadunidenses Foxcatcher e Sniper Americano tivessem melhor sorte.


Sobre a transmissão e outras considerações

Acompanhei a cerimônia através do canal TNT e gostei do que vi. Domingas Person e Rubens Ewald Filho fizeram uma apresentação discreta mas ao mesmo tempo interessante. Sobre o casal de tradutores, como é tradição a tradutora mandou muito bem; e também mantendo a tradição, o tradutor foi mal; mesmo assim, melhor que no ano anterior. Voltarei a falar sobre o famoso crítico acima ainda neste post.

Estreante no Oscar como apresentador, Neil Patrick Harris decepcionou, mas não foi uma tragédia. Gostei de sua participação inicial (um número musical razoável porém com excepcionais efeitos especiais) e seu número de "mágica" final, onde ele mostrou ao público suas previsões sobre os vencedores. E só. A maioria de suas piadas foram sem graça e elas não conquistaram nem o público local. Uma das poucas piadas engraçadas foi: "Benedict Cumberbatch é como o John Travolta pronuncia Ben Affleck". Em defesa de Neil, pelo menos ele enrolou bem menos que sua antecessora, Ellen DeGeneres.

Pelo roteiro "oficial" a cerimônia foi a burocracia de sempre, sem trazer emoções. Restou aos convidados mudar isto. Após a apresentação musical da canção de Selma, centenas de pessoas choraram, comovidas. Outro indício que Selma merecia mais indicações. Também houve espaço para protestos. Em seu discurso de agradecimento pelo Oscar de Atriz Coadjuvante, Patricia Arquette clamou pela igualdade salarial entre homens e mulheres, no que foi aplaudida de pé por Meryl Streep. Já o rapper Common em seu discurso de agradecimento pelo Oscar de Melhor Canção (Glory, de Selma), protestou dizendo que o racismo continua hoje forte como nunca: "existem hoje mais homens negros presos do que escravos na época da escravidão".

E por falar em Meryl Streep, ela foi a responsável por uma das cenas que mais me desagradou. Ao ir no microfone anunciar os artistas falecidos de 2014, ao invés da atriz simplesmente ler seu texto, ela "atuou" no discurso, fazendo caras e bocas emocionadas. Não me comoveu. Achei uma atitude egoísta e inadequada.


O Oscar de Melhor Ator

O jovem britânico Eddie Redmayne (A Teoria de Tudo) foi merecidamente o vencedor do Oscar de Melhor Ator, derrotando seu principal concorrente Michael Keaton (Birdman). Para mim a performance de Eddie foi irretocável, enquanto a de Keaton, irregular. Mesmo sendo justa a escolha, fiquei com um pouco de dó de Keaton... afinal, a equipe de Birdman levou todos os principais prêmios... menos ele. Isto sem contar que com seus 63 anos, há boas chances de que esta indicação tenha sido sua primeira e última.

Uma coisa é ter pena do americano, e ser imparcial na medida do possível. Outra coisa, é a reação que teve Rubens Ewald Filho no episódio. O famoso crítico nacional sempre tenta ser politicamente correto no Oscar, elogiando a todos. Porém, de maneira cômica, seu controle sempre falha uma vez por transmissão, e seu "alvo" da vez foi Eddie Redmayne, que "teve a coragem" de roubar o prêmio de seu queridinho Michael Keaton. Ele acusou Redmayne de ser "uma figura estranha" (como se isto interferisse na qualidade de sua atuação). Mais ainda, considerou a atuação do britânico como "fraca, ruim", e em que momento nenhum o fez lembrar de Stephen Hawking. Mais ainda: ele emendou dizendo que em O Destino de Júpiter o ator tem uma das piores atuações da história do Cinema.

Com todo respeito ao sr. Ewald, ao qual o fato de uma atuação ser boa ou ruim ser algo consideravelmente subjetiva, acusar Redmayne de não se parecer com Stephen Hawking beira a loucura. Ah: isto não é uma crítica ao comportamento de Rubens Ewald Filho. Crítico competente, simpático, e uma verdadeira enciclopédia do Cinema, estes "chiliques" já fazem parte de sua persona pública e certamente são um tempero a mais nas transmissões do Oscar.


Como a votação do Oscar funciona?

Em meu post anterior sobre o Oscar, eu relatei que mesmo sendo o favorito, Birdman tinha grandes chances de não levar o prêmio maior. Agora, como prometido, vou explicar o porquê. É que eu entendia que Birdman tinha uma parcela considerável de rejeição, o que não é nada bom para quem quer levar o Oscar de Melhor Filme. Vamos entender então como a votação funciona, e porque Birdman poderia ter perdido?

Em linhas gerais, o processo funciona assim. Na "primeira fase", todos os votantes votam apenas nas categorias que lhe dizem respeito. Por exemplo: a pessoa é um diretor, então ela só vota no Oscar de Direção. Outro exemplo: a pessoa é uma ator, então só vota nas categorias de atuação. E assim sucessivamente.

Há algumas exceções para a regra acima. Melhor Filme Estrangeiro, Documentário, Curtas-Metragens e Animação possuem algumas regras mais específicas. Porém, o mais importante dentre as exceções: para a categoria de Melhor Filme, TODOS votam.

Finalizada a primeira fase, então são revelados todos os finalistas (ou melhor - os "indicados") de todas as categorias e uma nova etapa de votação é aberta. Em geral, os votantes tem entre 2 a 3 semanas para registrar seus votos. Agora, TODOS podem votar em TODAS as categorias.

Finalmente, o processo da votação para o Oscar de Melhor Filme é diferente. Para ele, todos os votantes listam todos os filmes indicados em sua ordem de preferência. Exemplo: neste Oscar de 2015 eram 8 candidatos. Então, cada membro da Academia escreve a sua lista dizendo quem é seu preferido, quem é seu segundo lugar, e assim sucessivamente até escrever seu oitavo e último preferido.

E então inicia a apuração. Ela usa um sistema "estranho", o qual reproduzo abaixo copiado de um texto de 2011 de Marco Tomazzoni, o qual o original pode ser visto aqui.


O que podemos concluir do processo acima? Que o sistema é feito para impedir que um filme "divisor de opiniões" ganhe. Por exemplo, se um filme polêmico é o "número 1" de muita gente, mas ao mesmo tempo ele é "o último" na opinião de muitos, é quase impossível que um filme deste ganhe.

E digo mais, na prática, quanto mais concorrida for a disputa, maiores são as chances de que o vencedor final não seja quem teve mais votos como "primeira opção", e sim, quem teve mais votos como "segunda opção". Vejam que no exemplo acima o filme "A", que tinha recebido mais votos como "primeira opção" não foi quem levou. E isto acontece com certa frequência. Porém, claro, se a concorrência não é tão grande, e o "número 1" mais votado tenha uma parcela bem expressiva do total de votos, é ele quem leva.


Conclusões

Sem grandes surpresas e injustiças, o Oscar 2015 mostrou-se bastante burocrático e longo. Muito longo. Passou da hora dele se reinventar.

E vocês? O que acharam da cerimônia? Gostaram? Sim, não, por que? Escrevam nos comentários e até o Oscar 2016!

sábado, 21 de fevereiro de 2015

O final de Two and a Half Men - Um ego vale muito mais que um seriado


Nesta quinta feira foi ao ar nos EUA o último episódio do seriado Two and a Half Men. Um episódio duplo na verdade, correspondendo ao 15º e 16º episódios da derradeira 12ª temporada.

Uma breve história sobre Two and a Half Men

Iniciada em 2003, a série era composta pelos "dois homens" Charlie Harper (Charlie Sheen) e Alan Harper (Jon Cryer) e o "meio homem", ou melhor, o ainda criança Jake (Angus T. Jones). Firmemente baseada no personagem de Sheen, a trama da série baseava-se no fato dele ser um irrepreensível bon vivant. Mulherengo e alcoólatra, sua fonte de dinheiro nunca se esgotava, e por mais que ele aprontasse, no final tudo acabava bem para Charlie Harper. Já o pobre Alan, mesmo sendo muito mais ético e honesto que o irmão, sempre se dava mal não importa o que fizesse.

Apesar do humor barato, Two and a Half Men foi muito bem sucedido em público e crítica. Porém, com o passar dos anos, se o bom resultado financeiro que o show trazia pouco se abalava, nos bastidores a estabilidade era trocada pelo caos.

Em uma triste mistura da vida com a arte, Charlie Sheen também passou a abusar de bebidas, drogas e mulheres na vida real, o que começou a cada vez mais interferir no seu trabalho (atrasos e cancelamentos na gravações passaram a ser frequentes), e finalmente, culminou com Charlie batendo de frente com o todo poderoso produtor da série, Chuck Lorre.

Após surtos e trocas de acusações públicas, Charlie Sheen foi demitido em pleno andamento da 8ª temporada. Ela, que deveria totalizar 24 episódios acabou sendo interrompida após o 16º.

Two and a Half Men quase foi cancelado, mas sobreviveu. Sai Charlie e entra o milionário Walden Schmidt (interpretado por Ashton Kutcher). Segundo a trama, Charlie Harper morreu atropelado por um trem, enquanto passava sua lua de mel com Rose (Melanie Lynskey), que por sua vez, dá uma indireta que aquilo não foi um "acidente", e sim, sua vingança.

Walden de certa forma é uma versão "bom caráter" do protagonista anterior. Assim como Charlie, Walden também tem dinheiro "ilimitado", não trabalha, e passa o tempo todo atrás de bebidas, mulheres e... maconha. Mas a grande diferença é que o personagem de Kutcher vai atrás do sexo feminino buscando um relacionamento duradouro. Ele respeita as mulheres, e em linhas gerais, para qualquer assunto, tenta "fazer o bem". Para antagonizar com Walden, o ex-bonzinho Alan Harper passou a ser um parasita mal caráter cujos episódios de remorso passaram a ser cada vez mais raros.

O resultado é que a qualidade da série caiu bastante. A  audiência também caiu: com Charlie Sheen no elenco, Two and a Half Men foi em boa parte do seu tempo a série de TV mais assistida nos EUA. Sem ele, esta marca jamais voltou a acontecer. Mesmo assim, a tal queda de audiência não foi proporcionalmente tão grande (cerca de 30%), o que manteve o seriado com o status de ser bastante lucrativo.

Anos depois, foi a vez de Angus T. Jones deixar a série. Ao mesmo tempo que os primeiros episódios da 10ª temporada iam ao ar, Angus deu uma polêmica entrevista para um website cristão demonizando o seriado. Agora se dizendo convertido pelo Cristianismo, ele declarou que o seriado era um mal exemplo para as pessoas, e que se arrependia de ter participado daquilo. Mesmo não sendo "demitido" por isto, suas participações durante a temporada corrente ficaram cada vez menores até que ele parou de aparecer em Two and a Half Men em definitivo.

Com a audiência caindo constante e lentamente, Jake foi "substituído" por Jenny (Amber Tamblyn), uma filha desconhecida de Charlie, que por sua vez era a versão feminina do mesmo, com os mesmos vícios e defeitos. Não deu certo. Então, para a 12ª e enfim última temporada, Jenny foi deixada de lado, e Walden Schmidt adotou uma criança, fazendo que finalmente a série voltasse a significar seu título: Two and a Half Men.

O episódio final de Two and a Half Men

Como contarei a partir daqui sobre o que acontece no último episódio, spoiler alert!: recomendo que você só continue a leitura após ter assistido o episódio ou se não importar em saber como ele termina.

O episódio anterior (14º) deixou tudo programado para que o seriado terminasse com um duplo final feliz amoroso. Walden Smith já estava namorando a atendente social Ms. McMartin (Maggie Lawson) e Alan Harper acabara de pedir Lyndsey (Courtney Thorne-Smith) em casamento.

E o que o desfecho fez em relação a isto? NADA. Ignorou completamente a continuidade da série e se preocupou com apenas uma coisa: a volta de Charlie Harper.

Logo no começo do episódio aprendemos que Charlie não morreu, e estava sendo mantido em cativeiro por Rose dentro de um poço, de um jeito bem parecido como vimos no filme O Silêncio dos Inocentes. Ao conseguir escapar após 4 anos preso, Charlie prepara sua volta, e o faz mandando ameaças de morte a Alan e a Walden, o que não faz absolutamente o menor sentido. Esqueça, aliás, obter qualquer sentido lógico na "trama" do episódio. Quando Charlie foge, Rose reúne os familiares do ex-protagonista e lhes conta a verdade... e também conta que agora Charlie quer se "vingar deles"(????!!!!). E não é que o fato dela deixar uma pessoa presa por 4 anos em cativeiro não incomodou ninguém da família? Tudo é tão absurdo que no desfecho desta cena, a mãe de Charlie (Holland Taylor) corre atrás de Rose buscando se proteger do seu filho.

Outra grande surpresa é que o episódio final é bastante metalinguístico. São vários os momentos em que os atores falam com os expectadores, comentam sobre o seriado, zombam da crítica e do público... Atores e personagens se alternam várias vezes ao longo da história. Mas principalmente, o que o episódio faz questão de fazer é cutucar Charlie Sheen. As tais "ameaças" de morte escritas por Charlie tem parte do seus textos copiados de declarações reais que o ator deu em seus surtos psicóticos contra Chuck Lorre. E mais, quando Rose relembra sobre como foi a vida de Charlie nestes últimos 4 anos, as cenas são feitas com desenho animado, e o personagem de Charlie chega a ter seu nariz transformado em um aspirador de pó quando o mesmo passa a cheirar cocaína.

Sim. Eu disse "animação" no parágrafo seguinte. Que foi um recurso utilizado porque o verdadeiro Charlie Sheen NÃO aparece em nenhum momento do episódio. As negociações para que ele voltasse existiram, mas não deram certo. Isto não impediu que Chuck Lorre fosse desonesto a respeito. Afinal, toda a propaganda feita por ele em torno do episódio final era baseado no "mistério" se Charlie voltaria ou não. Oras bolas, todo o EPISÓDIO final foi baseado nisto.

Na cena final, quando vemos o suposto Charlie Sheen, de costas, voltando pra casa, um piano cai sobre ele, matando-o. Então a câmera se abre, mostrando que aquilo é um estúdio, e vemos Chuck Lorre na cadeira de diretor rindo e comemorando, dizendo: "vitória!". Então um piano também cai sobre ele e o seriado termina. Ou melhor, ainda não termina. Em seu tradicional letreiro "Chuck Lorrie Productions" com que ele encerra cada episódio que produz, o texto mais uma vez tira sarro de Charlie Sheen sobre "porque as negociações para trazê-lo não deram certo".

O resultado? Nenhum personagem de Two and a Half Men teve seu desfecho. O que aconteceu com Walden, Alan, Berta, Evelyn, Jake, Louis, Ms. McMartin, Lyndsey? Não sabemos. Porque para Chuck Lorre o seriado não importa. O que mais importa é fazer um episódio para lembrar a Charlie Sheen que ELE venceu, que é ele quem importa.

A única coisa boa do final de Two and a Half Men foram os convidados especiais. As participações de Arnold Schwarzenegger, John Stamos e Christian Slater foram certamente inesperadas e divertidas. Mas isto é muito pouco para o desrespeito final de Chuck Lorre com seu público. O final de Two and a Half Men entra na briga para ser um dos piores e mais desrespeitosos de todos os tempos.

PS: quem ainda não conhece, na foto, ao centro, o sr. ego Chuck Lorre.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Cobertura Oscar 2015 - Os principais filmes + Os palpites para os vencedores

Falta pouco. Neste domingo, dia 22 de fevereiro, teremos a cerimônia de premiação da 87ª edição do Academy Awards, popularmente conhecido como "Oscar".

Confiram abaixo todos os filmes com múltiplas indicações, ordenados por número total das mesmas. E percebam que a grande maioria dos nomes já tiveram sua crítica publicada no Cinema Vírgula!

4: Sr. Turner
3: Caminhos da Floresta e Invencível

Pelos títulos acima, a conclusão é que não há um grande favorito nem um "grande filme" dentre os candidatos. Este cenário implica em que deveremos ter uma das cerimônias mais equilibradas (e talvez surpreendente) dos últimos tempos.


Quem vai levar? Quem merece levar?

E mantendo a tradição do Cinema Virgula, mais uma vez irei tentar adivinhar os vencedores. Em 2012 eu acertei os 7 dos 7 palpites que dei. Em 2013, acertei apenas 3 de 7. Em 2014 acertei 6 de 6, gabaritando novamente. Desta vez irei palpitar nas 8 principais categorias (elas estão apresentadas abaixo na ordem em que aparecem na cerimônia).

Melhor Ator Coadjuvante
- Quem vai levar: J.K. Simmons (Whiplash)
- Em quem eu votaria: Mark Ruffalo (Foxcatcher)
- Comentários: Na teoria, J.K. Simmons é uma das maiores barbadas deste Oscar, já que ele venceu com este mesmo papel todas as principais premiações até aqui. Nada contra sua vitória, mas entendo que a atuação de Mark Ruffalo é bem mais desafiadora, e obrigou o ator a se preparar por quase 6 meses para o papel.

Melhor Atriz Coadjuvante
- Quem vai levar: Patricia Arquette (Boyhood)
- Em quem eu votaria: Patricia Arquette (Boyhood)
- Comentários: Patricia é outra que tem levado muitos prêmios, e sua atuação é realmente boa. Entretanto, voto nela por exclusão: não vi Laura Dern (Livre) nem Meryl Streep (Caminhos da Floresta); e já Keira Knightley (O Jogo da Imitação) e Emma Stone (Birdman), embora ambas mandando bem, entendo ter participação pequena demais para valer um prêmio.

Melhor Roteiro Adaptado
- Quem vai levarO Jogo da Imitação
- Em quem eu votaria: como nenhum me impressionou, não vou opinar
- Comentários: O favorito é O Jogo da ImitaçãoWhiplash e Sniper Americano correm por fora. 

Melhor Roteiro Original
- Quem vai levarBirdman O Grande Hotel Budapeste
- Em quem eu votaria: O Grande Hotel Budapeste
- Comentários: Os diretores/roteiristas Alejandro Iñárritu, Wes Anderson e Richard Linklater duelarão respectivamente com Birdman, O Grande Hotel Budapeste e Boyhood para Melhor Roteiro, Melhor Direção e Melhor Filme. São as três categorias mais disputadas e justamente aquelas em que entendo ser mais possível eu errar. Acredito que a Academia vai "dividir" os prêmios entre eles e aqui, acho que quem leva é BirdmanO Grande Hotel Budapeste vem como o segundo favorito nesta categoria, e como eu admiro há tempos o trabalho de Wes Anderson, é pra ele quem votaria.
Atualizado em 21/02 as 18h20: agora acho que Wes Anderson levará o roteiro, afinal, é a categoria "das 8 principais" onde ele tem mais chance. E aí pesa o conceito do "distribuir" os prêmios entre eles.

Melhor Diretor
- Quem vai levar: Richard Linklater (Boyhood)
- Em quem eu votaria: Wes Anderson (O Grande Hotel Budapeste)
- Comentários: continuando o raciocínio da categoria anterior, assumo que se Iñárritu for premiado pelo roteiro, não será premiado aqui de novo, mesmo sendo o atual favorito. O segundo favorito é Richard Linklater, que é o meu palpite. Mais uma vez, por gostar de Wes Anderson, torço por ele. Mas se ficar mesmo nas mãos de Linklater, também é bastante merecido.
Atualizado em 21/02 as 18h20: como acho agora que Wes Anderson levará o roteiro, sobraria pela lógica que Iñárritu levasse este aqui. Porém, acho que a Academia vai fazer uma média e não deixar o tão querido Linklater voltar para casa de mãos vazias pela terceira vez. Iñárritu foi indicado menos vezes antes que ele, e ainda por cima não é estadunidense...

Melhor Atriz
- Quem vai levar: Julianne Moore (Para Sempre Alice)
- Em quem eu votaria: Rosamund Pike (Garota Exemplar)
- Comentários: Julianne Moore é a grande favorita e embora já tenha sido indicada outras vezes no passado, nunca levou. Mais que merecido se ela levar agora. Mesmo assim, minha torcida será para Rosamund Pike pelo simples fato que sei há tempos que a Julianne é uma grande atriz... e no caso da Rosamund, ela foi pra mim a grande surpresa feminina de 2014.

Melhor Ator
- Quem vai levar: Eddie Redmayne (A Teoria de Tudo)
- Em quem eu votaria: Eddie Redmayne (A Teoria de Tudo)
- Comentários: ficarei bastante surpreso se o vencedor desta categoria não for Eddie Redmayne ou  Michael Keaton. E a performance de Redmayne é muito superior a de Keaton, o que significa que ficarei bastante desapontado se o último vencer. Mesmo assim, pelo seu carisma perante aos votantes, o protagonista de Birdman tem chance real de levar.

Melhor Filme
- Quem vai levar: Birdman
- Em quem eu votaria: Birdman ou O Grande Hotel Budapeste ou Boyhood
- Comentários: Muito disputado, conforme já expliquei antes, mas acho que vai dar Birdman. De minha parte, considero a grande maioria dos oito indicados em um nível bem parecido. Certamente Selma foi o que mais me emocionou; mesmo assim, já que o número de escolhas é grande, prefiro optar pelos filmes que são mais "diferentes", o que nos leva ao trio acima, que é curiosamente o trio favorito. Vencendo qualquer um destes três, ficarei satisfeito.
Atualizado em 21/02 as 18h20: agora que entendi no detalhe como a votação final para esta categoria funciona (aguardem meu post pós-Oscar), reconheço que as chances de Birdman levar caem consideravelmente. Mesmo assim, teimosamente, mantenho meu palpite. Mas na prática, não só Boyhood passa a ser o favorito, como entendo até termos um quarto possível ganhador aqui: O Jogo da Imitação corre por fora.

Não percam!
Repetindo, a cerimônia do Oscar será domingo dia 22. Embora a cerimônia comece as 22hs, o canal TNT irá iniciar suas transmissões já a partir das 20h30, mostrando o famoso "tapete vermelho" com os famosos chegando para a festa. A TV aberta deverá ter transmissão da Globo, que entretanto deverá perder o início da cerimônia e só começar a transmitir após o término do BBB 15.

E vocês? Quem acham que vai ganhar? Para quem vocês estão torcendo? Deixem seus palpites aqui nos comentários e depois veremos quem é mais "pé quente". ;)


Atualizado em 21/02/15 as 18h20: pensando melhor, acabei mudando a opinião sobre "quem será o vencedor" naquelas 3 categorias mais difíceis. Agora acho que quem leva o Roteiro será o O Grande Hotel Budapeste, quem leva o Diretor será o Richard Linklater, e caiu a ficha que Birdman levar o Oscar de Melhor Filme é bem difícil, o verdadeiro favorito é Boyhood. Dito isto, vou alterar 1 dos meus palpites (o de roteiro), mas manter o do Oscar de Melhor Filme por teimosia. ;)

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Crítica - Sniper Americano (2014)

TítuloSniper Americano ("American Sniper", EUA, 2014)
Diretor: Clint Eastwood
Atores principais: Bradley Cooper, Sienna Miller, Kyle Gallner, Luke Grimes, Jake McDorman
Trailerhttps://www.youtube.com/watch?v=2cZJaj93XLg
Nota: 6,0



Um filme de guerra um pouco diferente e com um pouco de propaganda

Um tipo de filmagem mais realista, com a câmera acompanhando os soldados entre as apertadas e empoeiradas ruas do Iraque, ver os estadunidenses caindo às moscas em perigosas missões, mostrando o quanto as guerras recentes destroem a maioria dos indivíduos que participam dela. Isto tudo até pode ser relativamente novo, porém, também foi explorado - e com mais propriedade - em Guerra ao Terror (2008) e A Hora Mais Escura (2012).

O pouco que resta então de novidade em Sniper Americano é mostrar a vida do soldado como profissão: o protagonista vai e volta ao Iraque várias vezes, e nos intervalos de "descanso", vemos ele se comporta em relação a família. É meio estranho até, ver a guerra acontecendo e você indo e voltando pra lá com datas de chegada e saída já pré-determinadas.

A história, também uma biografia, conta a vida de Chris Kyle (Bradley Cooper), tido como "o sniper mais letal da história militar dos EUA" (inclusive, o filme é baseado na auto-biografia do próprio Kyle, que usou este "título" para se promover). Vemos então um breve relance de sua infância, e sua vida pré, pós e durante a recente "guerra ao terror" terminada há poucos anos atrás no Iraque.

O diretor Clint Eastwood consegue ser bem sucedido nas cenas de ação e tornar o filme com a ambientação correta em termos de tensão e suspense. Um único porém é que a história poderia ser um pouco mais curta: são mais de 2h de projeção e após 1h eu já estava um pouco cansado.

Sniper Americano não faz propaganda "pró-EUA" descaradamente, mas certamente o faz. Mais do que defensor do "american way of life", Clint defende fortemente o estilo "texano" de vida: "Deus, pátria e família", segundo seu ponto de vista. Chris Kyle é retratado, mesmo dentro de suas fraquezas, como um herói perfeito.

Infelizmente o roteiro não foca tanto nos dilemas morais de Chris conforme o trailer deixa a entender: em geral, o patriotismo responde a maioria das dúvidas do protagonista. O amor a Pátria, aliás, está bem presente no filme. Não a toa vemos diversas bandeiras dos EUA (e até uma do Texas) ao longo da projeção.

Se Clint não declama abertamente quem que são os "mocinhos" e quem são os "bandidos" (inclusive mostra os iraquianos civis como vítimas), ao mesmo tempo não deixa dúvidas de que ele está defendendo seu país e sua religião. Além disto, Eastwood insiste no maniqueísmo a ponto de criar um inimigo sniper tão bom quanto Kyle para confrontá-lo. Sempre com "cara de mal", geralmente debaixo de sombras e com a trilha sonora sombria apontando que ele é sim, "o malvado", o tal Mustafa e sua história (de ser um ex-atleta Olímpico) são sim verdadeiras. Porém, na vida real, as histórias dele e Chris Kyle jamais se cruzaram; eles nunca se enfrentaram na vida real. Esta é apenas uma das "mentirinhas" contadas para aumentar o heroísmo do protagonista.

Ainda sobre o trabalho do diretor, há duas cenas que são inacreditavelmente ruins: uma em que Bradley Cooper carrega no colo o que é claramente uma boneca ao invés de um bebê; e outra que é justamente o desfecho do duelo entre Kyle e Mustafa. Eu até ri quando assisti aquilo.

Por falar em Bradley Cooper, sua atuação é competente e prova que o rapaz também consegue fazer filmes de drama. Porém, conforme eu já imaginava, sua atuação está muito longe de merecer a indicação para o Oscar de Melhor Ator recebida. Não adianta, ele é o queridinho atual de Hollywood sabe-se lá por que. A atuação de Sienna Miller - atriz que desconhecia - embora curta me agradou mais.

Com uma história interessante, e em linhas gerais um filme tecnicamente bem feito, Sniper Americano deve agradar a quem se interessa pelo tema de guerra. A história de Chris Kyle é mais uma que vale a pena conhecer e depois, nos fazer refletir. Ainda assim, sua longa duração, seus pequenos erros citados acima e sua pequena propaganda jogam contra. Nota: 6,0

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Crítica - Ida (2013)

TítuloIda ("Ida"Dinamarca / França / Polônia / Reino Unido, 2013)
Diretor: Pawel Pawlikowski
Atores principais: Agata Kulesza, Agata Trzebuchowska, Dawid Ogrodnik
Trailerhttps://www.youtube.com/watch?v=Fi7C0_T7z64
Nota: 7,0



Um belo e forte road movie sobre os fantasmas da Segunda Guerra

Bastante elogiado, e premiado em alguns Festivais pela Europa, o filme polonês Ida surpreendeu ao ser indicado, além do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, também ao Oscar de Melhor Fotografia.

Na trama - que acontece aparentemente no início dos anos 60 - conhecemos Ida (Agata Trzebuchowska), uma jovem que passou toda a vida em um orfanato de freiras católicas e está há poucas semanas de fazer seus votos para ser ordenada. Eis que ela recebe uma carta de sua tia Wanda (que nunca havia se apresentado antes para a sobrinha), pedindo para que Ida fosse até sua casa, conhecê-la. Ao chegar na casa de sua única parente, Ida e Wanda saem em busca dos pais da garota - provavelmente mortos na Segunda Guerra - já que eram judeus.

É então que temos um road movie com cenas fortes, comoventes e visualmente marcantes. Filmado em branco e preto, passeando por uma Polônia fria e sucateada, Ida também é bastante silencioso: são poucos diálogos e uma trilha sonora quase inexistente. Só ouvimos música quando, por exemplo, a tia toca música clássica em sua vitrola, ou quando elas ouvem uma banda tocando John Coltrane.

A maneira sóbria com que o filme é contado, não apenas dando destaque aos personagens, mas também ao ambiente em seu redor, é bastante impressionante. Oras de maneira explícita, oras de maneira sutil, vemos os impactos que a caça aos judeus e a chegada do comunismo causaram na vida da dupla protagonista.

Além dos fantasmas da Segunda Guerra, Ida também não deixa de ser uma história de autoconhecimento. Não vou dar mais detalhes da trama para não estragar as surpresas do roteiro, ainda que o trailer o faça (particularmente, eu não assistiria o trailer antes de ver o filme...).

A forte e comovente história transcorre em ritmo lento, pouco dela nos é revelada a cada cena. Entretanto, nos últimos 15 minutos tudo muda, com os fatos acontecendo muito rapidamente. É tão rápido que isto atua contra o filme, "quebrando" um pouco seu clima e tornando-o razoavelmente inverossímil.

Ida tem sim uma bela fotografia, o que justificaria sua indicação ao Oscar. Mesmo assim, como as imagens já costumam mesmo ser mais fortes e bonitas em branco e preto, não deixo de brincar que se utilizar desta técnica não deixa de ser uma forma de trapaça. Ainda sobre o assunto, interessante citar que em boa parte das cenas a câmera está fixa ao chão, deixando as mesmas estáticas. E o filme foi rodado sob o formato 1,33:1 (aquele formato quadradão, usado antigamente ainda na época do cinema preto-e-branco, mesmo recurso utilizado em O Artista (2011)).

Curiosidade: a jovem e bela Agata Trzebuchowska fez em Ida sua primeira e provavelmente última participação em um filme. O diretor Pawel não encontrava a pessoa certa para o papel principal, até que uma de suas amigas viu Agata em um café, tirou uma foto dela e a enviou para ele, que então a chamou para testes. Por gostar dos filmes de Pawlikowski e por ter gostado do roteiro, Agata topou o desafio e até hoje, ainda que de maneira um pouco indecisa, mantém que não seguirá a carreira de atriz.

Mesmo com um final não tão inspirado, a "viagem" através de Ida vale a pena. Tanto seu roteiro quanto seu visual impressionam. Nota: 7,0

Crítica - Selma: Uma Luta Pela Igualdade (2014)

Título: Selma: Uma Luta Pela Igualdade ("Selma", EUA / Reino Unido, 2014)
Diretor: Ava DuVernay
Atores principais: David Oyelowo, Carmen Ejogo, Tom Wilkinson, Tim Roth, Oprah Winfrey, Stephan James
Trailerhttps://www.youtube.com/watch?v=YTeoBztX_KI
Nota: 8,0


O mais emocionante dentre os candidatos a Melhor Filme do Oscar 2015

No momento que escrevo este texto, já assisti 7 dentre os 8 filmes concorrentes ao Oscar de Melhor Filme de 2015 (só falta o Sniper Americano). Mesmo assim, já arrisco a afirmar que se Selma não for o melhor filme dentre eles, é certamente o mais comovente.

Em mais um filme baseados em fatos históricos, Selma conta a história da grande passeata de 1965 liderada por Martin Luther King, um protesto pacífico clamando pela aprovação de uma lei Federal que garantiria de vez que os negros tivessem direito a voto nos EUA. A caminhada, que foi entre as cidades de Selma a Montgomery, teve um motivo especial para se localizar nesta região do Alabama: Selma era uma das cidades mais racistas dos EUA naquela época.

Dirigido por Ava DuVernay, que também co-roteiriza o filme, Selma não perde tempo com introduções e vai direto ao assunto: começa com o já famoso Martin Luther King (David Oyelowo) recebendo seu Nobel da Paz em 1964 e a partir daí praticamente dedica todo seu filme exclusivamente a contar sobre a passeata em Selma: desde seus preparativos, passando pelos seus bastidores (tanto do lado do governo dos EUA quanto do lado da equipe de King), e concluindo na realização do protesto em si.

O filme é belíssimo, e emocionante. Não dá para não sofrer junto com os protagonistas ao testemunhar tanta violência e tanto preconceito... e o mais chocante: em um contexto tão recente, ou seja, há apenas 50 anos atrás.

Tecnicamente, o filme é bom e agrada em todos os aspectos. Não há nenhum grande problema em Selma. Ao mesmo tempo, também não há grandes destaques. As principais qualidades do filme vão para o seu roteiro (com diálogos inspiradíssimos) e para sua trilha sonora, muito bonita.

Mesmo sem nenhum grande destaque individual, Selma é recheado de boas atuações. E o número de personagens que passam pelo filme é bem grande. Felizmente, todos atuam de maneira crível, séria e competente... até a Oprah (que interpreta a ativista Annie Lee Cooper) convence.

Há dois pequenos pontos que não gostei... o primeiro dele se chama "letreiros". Para reforçar o fato de que Martin Luther King era vigiado o tempo todo pelo FBI, o filme é interrompido com certa frequência com letreiros "do FBI gravando os dados em seus arquivos". Intrusivos, estes textos quebram o ritmo da história. Mas há outro "letreiro" que desagrada: aqueles famosos textos explicativos de final de filme, que mostram como cada personagem "terminou sua história real" são exibidos durante o discurso final de King. E é muito difícil prestar atenção ao mesmo tempo no discurso e nas informações dos demais personagens, jogadas na tela.

O outro pequeno ponto que me desagradou foi o excesso de closes em King, focando a todo momento em suas emoções... como ele se comovia e sofria com cada ato racista. Mesmo que isto seja verdadeiro, entendo que houve um certo exagero, deixando algumas cenas piegas.

Selma estreou nos EUA e causou enorme polêmica. O motivo principal: a maneira como que o então presidente Lyndon B. Johnson (Tom Wilkinson) é retratado. No filme, ele não chega a ser um "vilão", mas entra em conflito com King em diversas vezes. Alguns historiadores e antigos assessores do falecido ex-presidente se indignaram com esta visão, afirmando que LBJ tinha ótimo relacionamento com Martin e que ele apoiou desde o início a passeata em Selma. Em sua defesa, a diretora Ava DuVernay disse que os protestos são exagerados, e que como arte, seu filme não precisa ser historicamente perfeito. Polêmicas a parte, tirando Lyndon Johnson, o filme é considerado bastante correto historicamente.

Um fato a lamentar é que, independente do resultado do Oscar no próximo domingo, Selma já foi injustiçado. Com problemas na distribuição do filme para os votantes, a explicação dos especialistas para que Selma tenha tido apenas duas indicações é que efetivamente pouca gente viu o filme a tempo.

E se levarmos em conta o quanto o Oscar divulga um filme, a injustiça é ainda maior. Vejam o caso de 12 Anos de Escravidão, que também retrata o racismo, e foi indicado a 9 estatuetas, sendo o grande vencedor, ano passado, do Oscar de Melhor Filme: todo mundo o conhece; já Selma, não.

Tanto Selma quanto 12 Anos de Escravidão são muito bons. E embora o último deles seja melhor tecnicamente, em termos de história, me comovi mais com Selma. Talvez porque em 12 Anos de Escravidão vemos o racismo de algumas pessoas contra apenas uma (Solomon), e em Selma vemos milhares de brancos indiferentes a um violento massacre cometido contra milhares de negros (ou talvez simplesmente porque em Selma a diretora foi mais competente ao passar emoções, não sei).

Com diálogos e exemplos de luta à liberdade que servem universalmente e atemporalmente como inspiração a todos nós, Selma é um belíssimo filme que merece ser bem mais visto e falado do que acontece atualmente. Nele vemos negros e brancos juntos em uma só causa. Muito bacana mesmo. Ah: e até vemos o cristianismo tratado de maneira positiva. Nos dias atuais, em que a mídia tenta convencer que religião é algo sempre ruim, esta é uma boa novidade. Nota: 8,0.

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Crítica - Invencível (2014)


TítuloInvencível ("Unbroken", EUA, 2014)
Diretor: Angelina Jolie
Atores principais: Jack O'Connell, Domhnall Gleeson, Garrett Hedlund, Takamasa Ishihara
Trailerhttps://www.youtube.com/watch?v=LqwPbMV-lpA
Nota: 6,0


Uma biografia honesta e bem intencionada, porém contada sem a força que merecia

Invencível é o segundo filme de Angelina Jolie como diretora, e coincidiu de, assim como O Jogo da Imitação (2014) e A Teoria de Tudo (2014), se tratar de uma biografia lembrada pelo Oscar 2015; mais ainda, os três chegaram aos cinemas em um intervalo temporal muito próximo, o que faz do trio filmes "rivais" e que entendo, portanto, ser interessante o processo de compará-los.

Se O Jogo da Imitação é um filme com uma história bem interessante, porém baseado em fatos inventados; se A Teoria de Tudo é igualmente interessante - e muito mais fiel aos fatos reais - porém tem o problema de "esconder" a parte ruim da vida de seus protagonistas, Invencível é o filme historicamente mais correto dos três (ele também "ameniza" sua história, mas não tanto). Infelizmente, entretanto, sua direção e roteiro não conseguiram torná-lo tão interessante quanto aos seus dois concorrentes.

Aqui, temos a história do corredor ítalo-americano Louis Zamperini (Jack O'Connell), que correu pelos EUA nas Olimpíadas de 1936, em Berlim, e posteriormente lutou na Segunda Guerra Mundial, onde foi capturado pelo exército japonês e passou dois anos sendo torturado. O nome original do filme, "Unbroken", só pra variar foi mais uma vez mal traduzido. Ficaria melhor um "inquebrável", que representa muito mais quem foi Zamperini: um homem pobre que lutou contra tudo para ser atleta Olímpico, que sobreviveu a dois acidentes de avião, que ficou mais de 40 dias a deriva em alto mar, passando sede, fome e ataques de tubarões, e que mesmo após 2 anos preso em péssimas condições, permaneceu vivo: sua resistência foi sua grande qualidade.

Baseado em um livro de 2010 de mesmo nome, a história de Louis Zamperini é retratada com enorme fidelidade aos fatos reais. Entretanto, é um filme lento (no mal sentido), carente de ação e surpresas, e com mal desenvolvimento dos personagens. Por exemplo, o roteiro tenta também dar destaque ao companheiros de exército Phil (Domhnall Gleeson) e Fitzgerald (Garrett Hedlund), mas não consegue. Saímos do filme conhecendo tanto da dupla quanto antes do mesmo começar: nada. Não deixa de ser surpreendente termos um roteiro tão "morno" sendo que ele foi escrito pelos irmãos Cohen, que sempre produzem ótimos roteiros para seus filmes.

A história é legal? Sim, é. Mas poderia ser melhor. E fatos reais para torná-la mais interessante não faltam. Erradamente, embora também traga a infância do personagem, Invencível foca basicamente em sua época como prisioneiro, cortando partes muito interessantes da vida de Louis. A história de como ele virou um atleta Olímpico é breve demais, e pula passagens curiosas: sabiam que após sua impressionante performance na última volta dos 5000 metros, Zamperini foi convidado pessoalmente por Hitler a conhecê-lo em seu escritório? E que após o ditador deixar a sala, Louis roubou uma de suas bandeiras, como recordação? (tudo isto aconteceu antes da guerra, claro).

E o que dizer da parte pós guerra, completamente ignorada? Pois saibam que Louis passou anos sofrendo com pesadelos, se afundou na bebida, e era obcecado por voltar ao Japão apenas para se vingar dos seus captores. E que mais uma vez suportou esta fase ruim e, (re)convertido ao cristianismo, optou pelo perdão e enfim atingiu a paz.

Mesmo bastante verídico, talvez para não desagradar os japoneses, Invencível ameniza os sofrimentos de Zamperini. Por exemplo, ele passou por muito mais surras e torturas do que o filme mostra. Mais ainda, foi cobaia de experimentos médicos e por muito pouco não morreu. Já o perigoso Watanabe (Takamasa Ishihara) foi muito, mas muito mais instável do que o filme apresenta. Ora tratava os prisioneiros bem, ora muito mal. Insano, batia nos americanos diariamente, e em seus acessos de loucura gritava e chorava. É mais um personagem que não foi desenvolvido como deveria.

Tecnicamente, Invencível apresenta uma boa fotografia (embora eu considere sua indicação para o Oscar bem exagerada), bom figurino, e uma trilha sonora omissa, que contribui para a falta de emoção da película.

Claro, apesar de todas as falhas acima, repito que o filme ainda possui momentos interessantes, e portanto vale a pena conhecer Louis Zamperini mesmo assim. Sua história é muito bonita e admirável. Impressionada pelo heroísmo e resiliência do ex-corredor, Angelina Jolie ficou muito próxima de Zamperini durante a produção do filme. Infelizmente, Louis faleceu alguns meses antes do filme estrear, de pneumonia, quando estava com incríveis 97 anos.

A grande força de Invencível vem de que sua história é real. Bem real. E mesmo que peque em contá-la sem a intensidade que deveria, ainda é um filme que vale a pena ser conhecido. Nota: 6,0


A diretora Angelina Jolie e o verdadeiro Louis Zamperini, em foto de 2013

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Crítica - O Jogo da Imitação (2014)

TítuloO Jogo da Imitação ("The Imitation Game", EUA / Reino Unido, 2014)
Diretor: Morten Tyldum
Atores principaisBenedict Cumberbatch, Keira Knightley, Matthew Goode, Charles Dance, Mark Strong
Trailerhttps://www.youtube.com/watch?v=GxokSkSqF5E
Nota: 7,0


Mesmo exagerando na ficção, um bom filme sobre um grande nome do século XX

O Jogo da Imitação é um filme que conta a história de Alan Turing, matemático britânico que é considerado o "pai da Computação". Apesar de contar um pouco de sua infância, e também de seus anos finais, o foco da história acontece durante a Segunda Guerra Mundial, onde Turing foi um dos principais responsáveis pela quebra dos códigos produzidos pela máquina Enigma (máquina de criptografia alemã que permitia os nazistas trocar todas as suas informações de maneira aberta, via rádio, já que eram "impossíveis" de ser decifradas). O deciframento dos segredos do Enigma foi um grande fator para a posterior vitória dos Aliados na 2ª Grande Guerra.

Com uma história bem interessante e bem humorada, boa fotografia, boa trilha sonora e boas atuações, O Jogo da Imitação é um belo filme cujo maior destaque, claro, fica para a atuação de Benedict Cumberbatch como Alan Turing. Fazendo um papel que lhe exigiu alguns maneirismos e uma considerável diversidade de emoções e expressões, sua indicação para o Oscar de Melhor Ator é bastante merecida. Ele leva o filme nas costas. Gosto bastante de Cumberbatch, é um dos atores que me chamam bastante a atenção atualmente. Entretanto, ele parece estar se especializando em personagens retratados como "grandes gênios arrogantes e esquisitos". Gostaria de vê-lo variando mais em seus filmes.

A bela Keira Knightley também foi indicada ao Oscar (de Melhor Atriz Coadjuvante), interpretando Joan Clarke, amiga de Alan. Embora sua atuação seja competente, é ao mesmo tempo discreta e portanto considero a indicação exagerada.

Sendo ambas biografias de gênios das ciências exatas, lançadas nos cinemas em épocas muito próximas, e até sendo "rivais" na disputa do Oscar, é impossível deixar de comparar O Jogo da Imitação com A Teoria de Tudo. E as semelhanças entre ambos são muito grandes: os dois filmes são filmes bem "conservadores", que seguem uma fórmula bem tradicional para agradar o público e os votantes do Oscar.

Se por um lado A Teoria de Tudo tem como defeito o fato de evitar conflitos a qualquer preço, O Jogo da Imitação, por outro lado, até traz alguns dramas e conflitos, porém são fantasiosos em sua maioria. Com uma rápida pesquisa, pode se encontrar um número assustadoramente grande de inconsistências entre a história real e a apresentada no filme.

Eis alguns exemplos: a máquina criada por Turing (e não só por ele) nunca se chamou "Christopher", e sim "Bombe"; o "espião russo" sequer trabalhava no time de Turing; Alan sabia sim da doença do amigo de infância; não havia nenhum "irmão" prestes a morrer naufragado quando o código foi quebrado; Turing ficou noivo de Joan porque realmente se interessou nela, e não para garantir que os pais a deixassem no programa; não há registro que Turing e o agente da MI6 Stewart Menzies (Mark Strong) se encontraram uma única vez... e principalmente: embora Alan Turing também tenha mesmo sido uma pessoa reservada, excêntrica e "esquisita", ao contrário que o filme mostra, ele tinha amigos, era divertido, com bom humor e bom relacionamento com os colegas de trabalho.

É como se a verdadeira história de Turing não fosse interessante suficiente. Um verdadeiro desrespeito. Mas pelo menos, no todo O Jogo da Imitação apresenta a história de Alan Turing para o grande público, o que é muito positivo, afinal até hoje ele é um herói pouco conhecido.

Não bastando as inconsistências, algumas cenas "jogadas" na tela ficam sem explicação, o que ou é um erro de roteiro, ou um erro de montagem. Exemplos: sabem as cenas em que Turing aparece correndo? Pois é, faltou o filme explicar que em parte de sua vida, Alan se dedicou a correr maratonas, obtendo tempos próximos aos melhores tempos mundias da época. E quanto ao fato dele estar recolhendo cianeto do chão logo no começo do filme? Explicarei esta cena em meu "PS" após o texto.

Assim como em A Teoria de TudoO Jogo da Imitação é um filme bonito e feito para agradar todos os públicos, tornando a experiência de assisti-lo algo bem agradável. E embora eu considere o segundo citado levemente superior ao primeiro - o que lhe garantiria uma nota 7,5 - como não dou mais notas "quebradas", o filme leva Nota 7,0.


PS: isto não é necessariamente um spoiler, mas comentarei sobre a morte de Alan Turing. Se não quiser ler isto antes de ver o filme, veja depois. O Jogo da Imitação simplesmente fala - sem mostrar nenhuma cena - que Turing se suicidou. Na verdade, esta é a versão oficial da justiça britânica, mas a morte dele ainda é cercada de muito mistério. Há quem considere que sua morte foi um acidente, ou até mesmo, assassinato. O fato é que ele foi encontrado morto, em sua cama, com uma maçã mordida caída no chão. Turing morreu devido a ingestão de cianeto (eis a ligação que faltou com a cena de cianeto no início do filme, que citei anteriormente), e especula-se que a maçã estava envenenada. Pois é: "especula-se", já que a justiça britânica estranhamente nunca submeteu a maçã em análise.
Curiosidade: há a lenda que o logotipo da empresa Apple (uma maçã mordida) é uma homenagem a Alan Turing. Entretanto, isto não passa mesmo de um boato.

Crítica - Em Ritmo de Fuga (2017)

Título :  Em Ritmo de Fuga ("Baby Driver", EUA / Reino Unido, 2017) Diretor : Edgar Wright Atores principais : Ansel Elgort, K...