domingo, 15 de fevereiro de 2015

Crítica - Invencível (2014)


TítuloInvencível ("Unbroken", EUA, 2014)
Diretor: Angelina Jolie
Atores principais: Jack O'Connell, Domhnall Gleeson, Garrett Hedlund, Takamasa Ishihara
Trailerhttps://www.youtube.com/watch?v=LqwPbMV-lpA
Nota: 6,0


Uma biografia honesta e bem intencionada, porém contada sem a força que merecia

Invencível é o segundo filme de Angelina Jolie como diretora, e coincidiu de, assim como O Jogo da Imitação (2014) e A Teoria de Tudo (2014), se tratar de uma biografia lembrada pelo Oscar 2015; mais ainda, os três chegaram aos cinemas em um intervalo temporal muito próximo, o que faz do trio filmes "rivais" e que entendo, portanto, ser interessante o processo de compará-los.

Se O Jogo da Imitação é um filme com uma história bem interessante, porém baseado em fatos inventados; se A Teoria de Tudo é igualmente interessante - e muito mais fiel aos fatos reais - porém tem o problema de "esconder" a parte ruim da vida de seus protagonistas, Invencível é o filme historicamente mais correto dos três (ele também "ameniza" sua história, mas não tanto). Infelizmente, entretanto, sua direção e roteiro não conseguiram torná-lo tão interessante quanto aos seus dois concorrentes.

Aqui, temos a história do corredor ítalo-americano Louis Zamperini (Jack O'Connell), que correu pelos EUA nas Olimpíadas de 1936, em Berlim, e posteriormente lutou na Segunda Guerra Mundial, onde foi capturado pelo exército japonês e passou dois anos sendo torturado. O nome original do filme, "Unbroken", só pra variar foi mais uma vez mal traduzido. Ficaria melhor um "inquebrável", que representa muito mais quem foi Zamperini: um homem pobre que lutou contra tudo para ser atleta Olímpico, que sobreviveu a dois acidentes de avião, que ficou mais de 40 dias a deriva em alto mar, passando sede, fome e ataques de tubarões, e que mesmo após 2 anos preso em péssimas condições, permaneceu vivo: sua resistência foi sua grande qualidade.

Baseado em um livro de 2010 de mesmo nome, a história de Louis Zamperini é retratada com enorme fidelidade aos fatos reais. Entretanto, é um filme lento (no mal sentido), carente de ação e surpresas, e com mal desenvolvimento dos personagens. Por exemplo, o roteiro tenta também dar destaque ao companheiros de exército Phil (Domhnall Gleeson) e Fitzgerald (Garrett Hedlund), mas não consegue. Saímos do filme conhecendo tanto da dupla quanto antes do mesmo começar: nada. Não deixa de ser surpreendente termos um roteiro tão "morno" sendo que ele foi escrito pelos irmãos Cohen, que sempre produzem ótimos roteiros para seus filmes.

A história é legal? Sim, é. Mas poderia ser melhor. E fatos reais para torná-la mais interessante não faltam. Erradamente, embora também traga a infância do personagem, Invencível foca basicamente em sua época como prisioneiro, cortando partes muito interessantes da vida de Louis. A história de como ele virou um atleta Olímpico é breve demais, e pula passagens curiosas: sabiam que após sua impressionante performance na última volta dos 5000 metros, Zamperini foi convidado pessoalmente por Hitler a conhecê-lo em seu escritório? E que após o ditador deixar a sala, Louis roubou uma de suas bandeiras, como recordação? (tudo isto aconteceu antes da guerra, claro).

E o que dizer da parte pós guerra, completamente ignorada? Pois saibam que Louis passou anos sofrendo com pesadelos, se afundou na bebida, e era obcecado por voltar ao Japão apenas para se vingar dos seus captores. E que mais uma vez suportou esta fase ruim e, (re)convertido ao cristianismo, optou pelo perdão e enfim atingiu a paz.

Mesmo bastante verídico, talvez para não desagradar os japoneses, Invencível ameniza os sofrimentos de Zamperini. Por exemplo, ele passou por muito mais surras e torturas do que o filme mostra. Mais ainda, foi cobaia de experimentos médicos e por muito pouco não morreu. Já o perigoso Watanabe (Takamasa Ishihara) foi muito, mas muito mais instável do que o filme apresenta. Ora tratava os prisioneiros bem, ora muito mal. Insano, batia nos americanos diariamente, e em seus acessos de loucura gritava e chorava. É mais um personagem que não foi desenvolvido como deveria.

Tecnicamente, Invencível apresenta uma boa fotografia (embora eu considere sua indicação para o Oscar bem exagerada), bom figurino, e uma trilha sonora omissa, que contribui para a falta de emoção da película.

Claro, apesar de todas as falhas acima, repito que o filme ainda possui momentos interessantes, e portanto vale a pena conhecer Louis Zamperini mesmo assim. Sua história é muito bonita e admirável. Impressionada pelo heroísmo e resiliência do ex-corredor, Angelina Jolie ficou muito próxima de Zamperini durante a produção do filme. Infelizmente, Louis faleceu alguns meses antes do filme estrear, de pneumonia, quando estava com incríveis 97 anos.

A grande força de Invencível vem de que sua história é real. Bem real. E mesmo que peque em contá-la sem a intensidade que deveria, ainda é um filme que vale a pena ser conhecido. Nota: 6,0


A diretora Angelina Jolie e o verdadeiro Louis Zamperini, em foto de 2013

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Crítica - O Jogo da Imitação (2014)

TítuloO Jogo da Imitação ("The Imitation Game", EUA / Reino Unido, 2014)
Diretor: Morten Tyldum
Atores principaisBenedict Cumberbatch, Keira Knightley, Matthew Goode, Charles Dance, Mark Strong
Trailerhttps://www.youtube.com/watch?v=GxokSkSqF5E
Nota: 7,0


Mesmo exagerando na ficção, um bom filme sobre um grande nome do século XX

O Jogo da Imitação é um filme que conta a história de Alan Turing, matemático britânico que é considerado o "pai da Computação". Apesar de contar um pouco de sua infância, e também de seus anos finais, o foco da história acontece durante a Segunda Guerra Mundial, onde Turing foi um dos principais responsáveis pela quebra dos códigos produzidos pela máquina Enigma (máquina de criptografia alemã que permitia os nazistas trocar todas as suas informações de maneira aberta, via rádio, já que eram "impossíveis" de ser decifradas). O deciframento dos segredos do Enigma foi um grande fator para a posterior vitória dos Aliados na 2ª Grande Guerra.

Com uma história bem interessante e bem humorada, boa fotografia, boa trilha sonora e boas atuações, O Jogo da Imitação é um belo filme cujo maior destaque, claro, fica para a atuação de Benedict Cumberbatch como Alan Turing. Fazendo um papel que lhe exigiu alguns maneirismos e uma considerável diversidade de emoções e expressões, sua indicação para o Oscar de Melhor Ator é bastante merecida. Ele leva o filme nas costas. Gosto bastante de Cumberbatch, é um dos atores que me chamam bastante a atenção atualmente. Entretanto, ele parece estar se especializando em personagens retratados como "grandes gênios arrogantes e esquisitos". Gostaria de vê-lo variando mais em seus filmes.

A bela Keira Knightley também foi indicada ao Oscar (de Melhor Atriz Coadjuvante), interpretando Joan Clarke, amiga de Alan. Embora sua atuação seja competente, é ao mesmo tempo discreta e portanto considero a indicação exagerada.

Sendo ambas biografias de gênios das ciências exatas, lançadas nos cinemas em épocas muito próximas, e até sendo "rivais" na disputa do Oscar, é impossível deixar de comparar O Jogo da Imitação com A Teoria de Tudo. E as semelhanças entre ambos são muito grandes: os dois filmes são filmes bem "conservadores", que seguem uma fórmula bem tradicional para agradar o público e os votantes do Oscar.

Se por um lado A Teoria de Tudo tem como defeito o fato de evitar conflitos a qualquer preço, O Jogo da Imitação, por outro lado, até traz alguns dramas e conflitos, porém são fantasiosos em sua maioria. Com uma rápida pesquisa, pode se encontrar um número assustadoramente grande de inconsistências entre a história real e a apresentada no filme.

Eis alguns exemplos: a máquina criada por Turing (e não só por ele) nunca se chamou "Christopher", e sim "Bombe"; o "espião russo" sequer trabalhava no time de Turing; Alan sabia sim da doença do amigo de infância; não havia nenhum "irmão" prestes a morrer naufragado quando o código foi quebrado; Turing ficou noivo de Joan porque realmente se interessou nela, e não para garantir que os pais a deixassem no programa; não há registro que Turing e o agente da MI6 Stewart Menzies (Mark Strong) se encontraram uma única vez... e principalmente: embora Alan Turing também tenha mesmo sido uma pessoa reservada, excêntrica e "esquisita", ao contrário que o filme mostra, ele tinha amigos, era divertido, com bom humor e bom relacionamento com os colegas de trabalho.

É como se a verdadeira história de Turing não fosse interessante suficiente. Um verdadeiro desrespeito. Mas pelo menos, no todo O Jogo da Imitação apresenta a história de Alan Turing para o grande público, o que é muito positivo, afinal até hoje ele é um herói pouco conhecido.

Não bastando as inconsistências, algumas cenas "jogadas" na tela ficam sem explicação, o que ou é um erro de roteiro, ou um erro de montagem. Exemplos: sabem as cenas em que Turing aparece correndo? Pois é, faltou o filme explicar que em parte de sua vida, Alan se dedicou a correr maratonas, obtendo tempos próximos aos melhores tempos mundias da época. E quanto ao fato dele estar recolhendo cianeto do chão logo no começo do filme? Explicarei esta cena em meu "PS" após o texto.

Assim como em A Teoria de TudoO Jogo da Imitação é um filme bonito e feito para agradar todos os públicos, tornando a experiência de assisti-lo algo bem agradável. E embora eu considere o segundo citado levemente superior ao primeiro - o que lhe garantiria uma nota 7,5 - como não dou mais notas "quebradas", o filme leva Nota 7,0.


PS: isto não é necessariamente um spoiler, mas comentarei sobre a morte de Alan Turing. Se não quiser ler isto antes de ver o filme, veja depois. O Jogo da Imitação simplesmente fala - sem mostrar nenhuma cena - que Turing se suicidou. Na verdade, esta é a versão oficial da justiça britânica, mas a morte dele ainda é cercada de muito mistério. Há quem considere que sua morte foi um acidente, ou até mesmo, assassinato. O fato é que ele foi encontrado morto, em sua cama, com uma maçã mordida caída no chão. Turing morreu devido a ingestão de cianeto (eis a ligação que faltou com a cena de cianeto no início do filme, que citei anteriormente), e especula-se que a maçã estava envenenada. Pois é: "especula-se", já que a justiça britânica estranhamente nunca submeteu a maçã em análise.
Curiosidade: há a lenda que o logotipo da empresa Apple (uma maçã mordida) é uma homenagem a Alan Turing. Entretanto, isto não passa mesmo de um boato.

sábado, 31 de janeiro de 2015

Crítica - Birdman ou (a Inesperada Virtude da Ignorância) (2014)

Título: Birdman ou (a Inesperada Virtude da Ignorância) ("Birdman", Canadá / EUA, 2014)
Diretor: Alejandro González Iñárritu
Atores principais: Michael Keaton, Zach Galifianakis, Emma Stone, Edward Norton, Naomi Watts, Andrea Riseborough
Trailerhttps://www.youtube.com/watch?v=n7kPKVxuz6k
Nota: 8,0


Incomum no texto e forma, um belo filme que poderia ter sido ainda melhor

Birdman é um filme... diferente. Primeiramente, diferente em sua história. Ok, não é algo original, mas é um tema não tão explorado: os bastidores de uma produção teatral. Ou melhor, não é isto. São os dilemas, as dificuldades de um ator de ação dos cinemas tentando ser produtor / escritor / ator na Broadway. Mais ainda: um retrato de que os atores necessitam ser amados, gostam de ser admirados, ou então, que querem ficar marcados na história por ter "feito arte".

A história é exatamente esta: Riggan (Michael Keaton) foi um grande sucesso como ator de super-herói nos cinemas, sendo o personagem Birdman. Vinte anos depois de seu último filme, ele tenta voltar ao sucesso, agora no teatro. Angustiado por não ser reconhecido por seu talento, a sombra de Birdman o atormenta: seja pelo desprezo que os críticos de teatro têm por ele, seja pelos "surtos" que ele sofre, ouvindo vozes - e até tendo visões - de seu antigo alter-ego, misturando fantasia e realidade.

Birdman também é diferente em sua forma. Principalmente, por abusar dos planos-sequência (cenas filmadas ininterruptamente, sem cortes). Na verdade, o diretor mexicano Alejandro Iñárritu tenta apresentar seu filme como uma sequência só. Vale alertar que Birdman não é composto verdadeiramente de um único plano-sequência, como foi o filme Arca Russa (2002). Ele está muito mais próximo de Festim Diabólico (1948), de Alfred Hitchcock, que usou vários planos-sequência unido-os com "cortes imperceptíveis". O genial Hitchcock não tinha os recursos Iñárritu teve. Com isto, se no filme do diretor britânico os cortes não eram tão "imperceptíveis" assim, aqui em Birdman este efeito é bem mais eficiente graças a computação gráfica. Temos a impressão de estarmos realmente diante de 2 horas de filme sem cortes. Uma novidade apresentada é a inclusão de elipses dentro dos planos-sequência.

A câmera, que segue os atores conforme os mesmos andam  pelos corredores indo de um cenário para outro, também foca bastante em closes, mostrando um olhar mais intimo dos personagens. E a fotografia é belíssima, primorosa, não a toa indicada ao Oscar. O nome por trás deste espetáculo visual é o também mexicano Emmanuel Lubezki, responsável, por exemplo, pela fotografia de Gravidade (2013), A Árvore da Vida (2011) e Filhos da Esperança (2006), todos estes também um deleite para os olhos.

Então temos um bom roteiro, com diálogos inspirados, e uma técnica de filmagem difícil, interessante, de qualidade. Tudo para fazer de Birdman um grande filme. Entretanto, infelizmente, Iñárritu comete alguns erros em ambos os quesitos.

Na parte técnica, pelo menos a primeira meia hora do plano-sequência chega a causar vertigem, de tanto que a câmera gira e se mexe em torno dos personagens. Passado este começo, então os planos se estabilizam bastante, tornando tudo mais agradável. Já a palavra que define a trilha sonora de Birdman é: incômodo. Todos os momentos que Riggan se encontra em estado de tensão, ouvimos no fundo uma mesma sequência de bateria, toda descompassada. É a mesma sequência, o tempo todo, irritante ao extremo. E pior: talvez por deslize do diretor, algumas cenas onde se ouve a bateria não contam com Michael Keaton na tela, o que é no mínimo estranho.

Quanto ao roteiro, se o mesmo possui bons diálogos, várias situações engraçadas e debates interessantes, seu final é bem mal executado; ou melhor, ele é pretensioso e desnecessário. Se o filme tivesse 5 minutos a menos, teria sido muito melhor. Em meu "PS", ao final do texto, explico o que não gostei do fim.

Birdman foi indicado a 9 Oscars, Dentre eles o de Melhor Filme, o de melhor Ator (Michael Keaton), o de melhor Atriz Coadjuvante (Emma Stone) e o de melhor Ator Coadjuvante (Edward Norton).

Emma está bem, mas acho a indicação exagerada devido a participação dela ser pequena. Edward Norton, este sim está muito muito bem. É a grande atuação do filme e rouba a cena. Mas se Norton é quem chama a atenção, o que dizer do protagonista, Michael Keaton? A atuação dele é irregular. Sim, ele tem alguns momentos excelentes, bastante admiráveis, mas também em várias cenas ele parece estar apenas "declamando", um verdadeiro canastrão. Portanto, a indicação ao Oscar de Keaton pela atuação é para mim questionável. Porém, pelo seu "esforço", a indicação é compreensível: decorar todas as falas e atuar sem poder errar nos enormes planos-sequência do filme não é uma tarefa fácil.

Ainda sobre as indicações do Oscar: eu havia ficado surpreso que a Academia tenha prestigiado tanto um filme que flerta com o assunto super-heróis, que eles tanto menosprezam. Mas após assistir Birdman, acho que entendi a escolha dos votantes: é que se trata de um filme metalinguístico. Fala, por exemplo, da indústria do cinema e da indústria do teatro, do cinema versus teatro, dos filmes blockbuster versus filmes "de conteúdo", de como uma peça é montada, fala sobre críticos e mídia, e finalmente, há bastante mistura entre a história com o mundo real: assim como o personagem Riggan / Birdman, Michael Keaton também estrelou Batman cerca de 20 atrás e "sumiu" depois disto; Edward Norton interpreta um problemático ator baseado em uma versão exagerada dele mesmo. E há outros exemplos deste tipo ao longo da produção.

Resumindo, Birdman ou (a Inesperada Virtude da Ignorância) é um filme tecnicamente muito muito bom, com roteiro bastante interessante, com ótimos diálogos e conflitos. e tinha a chance, por suas qualidades, de ser um filme memorável. Entretanto, devido ao seu primeiro ato e ao seu ato final - ambos problemáticos - Birdman falha no fazer História. Mesmo que bastante impressionante, o máximo que consigo dar para ele é dar uma Nota 8,0.


PS: sobre os últimos 5 minutos do filme (NÃO leiam aqui antes de tê-lo assistido, é spoiler): Riggan tenta se matar, ou apenas chamar a atenção com seu tiro? A resposta, para mim, é a primeira opção, principalmente pela "estranha frieza" do personagem, ressaltada pelo comentário de sua ex-esposa. Sendo assim... o cara atira apenas no nariz? Implausível. Finalmente, durante o filme todo são evidentes as "dicas" de que os "super-poderes" de Riggan são apenas delírios... até que a cena final  é a única verdadeiramente ambígua neste quesito. Em meu entendimento, a resposta é que a cena também é um delírio... mas precisava lançar esta dúvida? Bastante desnecessário. Para mim Iñárritu optou desonestamente por este final apenas para tornar seu filme mais falado e discutido, mesmo recurso utilizado por Nolan em A Origem, o qual desaprovo em ambos os casos.

Atualizado em 15/02/15: após refletir, subi a nota do filme de 7,0 para 8,0 e acrescentei algumas informações novas ao texto.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Crítica - A Teoria de Tudo (2014)

Título: A Teoria de Tudo ("The Theory of Everything", Reino Unido, 2014)
Diretor: James Marsh
Atores principais: Eddie Redmayne, Felicity Jones, Charlie Cox, David Thewlis, Maxine Peake

Longe de uma biografia de Stephen Hawking, uma bela história sobre dedicação e relacionamentos

Conforme já alerto no sub-título desta crítica, A Teoria de Tudo não é uma biografia sobre o famoso físico Stephen Hawking. Baseado em um livro de memórias de nome Travelling to Infinity: My Life with Stephen, escrito pela sua companheira de longa data, Jane Wilde Hawking, o filme é na verdade a história de Stephen e Jane juntos.

E a história contada é muito bonita, romântica, inspiradora; que certamente agradará todos os públicos. Ela vai do início do relacionamento dos dois, ainda bem jovens, no primeiro ano de faculdade (quando quase na mesma época Hawking descobre que possui a doença degenerativa da esclerose lateral amiotrófica (a famosa "ELA" dos baldes de gelo)) até eles chegarem no início da velhice, na casa dos 50 e poucos anos de idade. O filme até passa de relance por algumas descobertas e frases famosas do físico. Mas se você quiser conhecer a obra de Stephen, este não é seu filme.

As principais qualidades de A Teoria de Tudo são o fato de que sua bela história é real, contada por uma trilha sonora competente, e principalmente, as ótimas atuações de Eddie Redmayne e Felicity Jones (respectivamente, o casal Stephen e Jane). Não a toa a trilha sonora e os dois atores foram indicados ao Oscar.

Felicity Jones tem uma atuação bem versátil: ela convence como a jovem apaixonada e inocente do início do filme, como também convence como a mulher madura e cansada do final. Consegue ser uma personagem forte apesar da aparência delicada. Uma bela aula de interpretação.

Mas o trabalho dela acaba sendo eclipsado pela soberba atuação do britânico Eddie Redmayne. Ele consegue ser tão "esquisito e carismático" como Hawking é. E principalmente, sua transformação física (ou melhor, degeneração), é representada de maneira brilhante. Parece que estamos mesmo diante de um paralisado Stephen Hawking nas telas. Entendo que Eddie é o favorito  para levar o Oscar de Melhor Ator deste ano. E por enquanto, é meu favorito também.

Teria A Teoria de Tudo algum defeito? Sim: a história é perfeita demais. O roteiro nos apresenta Stephen e Jane como o casal perfeito, um exagero. Melhor dizendo, ele evita a qualquer custo apresentar conflitos na tela. Ok, os conflitos até existem: as dificuldades com a doença, o ciúmes que o casal possui um do outro, a teimosia de Hawking... porém tudo isto é mostrado de maneira extremamente sutil. Você vê um olhar triste por 2 segundos e... voilá... já aparece algo alegre para desviar nossa atenção e voltarmos para o mundo perfeitamente feliz apresentado.

Apesar de ignorar completamente as "partes ruins", Stephen Hawking assistiu o filme antes do mesmo estrear nos festivais e ficou bastante satisfeito, elogiando bastante a atuação de seu intérprete e considerando a história como "amplamente verdadeira" (em suas palavras: "broadly true"). Tanto que gostou, que então ofereceu sua própria voz metálica para ser utilizada no filme, o que foi aceita prontamente pela produção.

O filme se encerra com um belíssimo discurso de Hawking, que é uma síntese do grande homem que ele é. Sua mensagem, sua perseverança, tudo é tão grande que em sua homenagem quebro meu padrão e acrescento final do texto duas fotos-homenagem.

Feito para ser belo e não desagradar ninguém A Teoria de Tudo é mais um filme desta safra recente nos cinemas que tem em sua força ser baseado em uma história real e ser agraciada com grandes atuações. Nota: 7,0

Um momento de rara beleza: em 2007, já com 65 anos, Stephen Hawking participa de um experimento de gravidade zero junto a astronautas. Em suas palavras: "Foi um momento que temporariamente removeu minha deficiência. Uma sensação de verdadeira liberdade" 

Os verdadeiros Stephen Hawking e Jane Wilde posando junto com seus competentes interpretes Eddie Redmayne e Felicity Jones em foto de 2014

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Crítica - Foxcatcher: Uma História que Chocou o Mundo (2014)

TítuloFoxcatcher: Uma História que Chocou o Mundo ("Foxcatcher", EUA, 2014)
Diretor: Bennett Miller
Atores principais: Steve Carell, Channing Tatum, Mark Ruffalo
Trailerhttps://www.youtube.com/watch?v=JVJ5fIKhUWE
Nota: 7,0


Melancólico, bizarro, com três ótimas atuações

Fazer a crítica de Foxcatcher: Uma História que Chocou o Mundo foi algo bem difícil. A história é baseada em fatos reais e o fato de eu já saber de antemão como a história terminaria certamente afetou minhas percepções ao longo do filme.

Mas se você não sabe nada da história real, e é assim que deseja assistir o filme, com "surpresas", eis um resumo de Foxcatcher: é um filme extremamente melancólico, tenso, com ótimas atuações do trio Steve Carell, Channing Tatum e Mark Ruffalo. Carell é John du Pont, um milionário pra lá de excêntrico. Tatum e Ruffalo são respectivamente Mark e David Schultz, irmãos campeões olímpicos em 1984 na luta livre. A história é sobre a convivência entre os três: du Pont convida os irmãos para se prepararem para a Olimpíada de 1988 em sua fazenda, de nome Foxcatcher. O filme é sobre o treinamento e sobre o pós-Jogos.

Foxcatcher possui uma história triste, e que deixa algumas questões em aberto... tanto na vida real quanto no filme. E a partir daqui, irei comentar sobre estas questões. Portanto, para quem não sabe o que aconteceu, serão vários spoilers. Pare aqui e só retome a leitura após assisti-lo.

Embora o roteiro dê um destaque igualmente grande em Mark e em du Pont, é este último que atrai a atenção da câmera do diretor. Suas reações são sempre meticulosamente filmadas... du Pont está sempre observando, tramando... é difícil saber o que passa por sua cabeça. Esquisito - parecendo até o Pinguim (aquele vilão do Batman) real, ele é um personagem estranho e bem assustador.

A relação de Mark com du Pont é bizarra. O filme dá a entender que o desejo maior de du Pont era trazer David, e não o caçula... que foi então usado para tentar atrair o irmão posteriormente. Sendo assim, o que du Pont realmente queria com Mark? Era vê-lo vencer nos Jogos? Se sim, por que ele oferece cocaína ao atleta? E o que dizer de duas cenas que insinuam levemente um relacionamento homossexual entre ambos?

Será que o Mark da vida real também tinha aquele estranho rancor de seu irmão? Por que ele foi tão mal nos jogos de 88? Foi de propósito? Ou ainda, seria ele tão mentalmente instável e manipulável como no filme?

O verdadeiro Mark Schultz inicialmente aprovou Foxcatcher: Uma História que Chocou o Mundo. Depois, em uma espécie de surto, atacou fortemente o diretor Bennett Miller nas redes sociais, indignado com as insinuações homossexuais - que negou veementemente, e ainda, dizendo não ser tão emocionalmente instável como mostra o filme. Dias depois, voltou atrás e pediu desculpas: ironicamente, isto já é uma boa resposta à dúvida se Mark é uma pessoa controlada ou não...

O desfecho do filme poderia ser melhor executado. Não por não deixar claro os motivos de du Pont (pois na vida real também nunca se soube), mas por não situar de maneira eficiente a cronologia das cenas finais de Mark e David.

Aliás, com uma pequena pesquisa percebe-se que o roteiro de Foxcatcher altera um bocado os fatos reais, principalmente em termos cronológicos: os irmãos Schultz jamais moraram juntos na fazenda, conforme mostra o filme. David se mudou para lá em 89, quando Mark já havia saído.

Resumindo Foxcatcher: ele não é tão verídico assim, não responde perguntas, foca em apresentar fatos... mas sua câmera faz insinuações, atuando como juiz, mostrando cenas que "justificariam" as ações de Mark e du Pont. Tudo isto é feito de maneira bem "crua" (uma ausência quase total de trilha sonora), uma fotografia "opressora" (ou as cenas são em locais fechados, sem janelas; ou são em lugares abertos com o céu sempre nublado). O resultado é um filme onde o espectador passa o tempo todo tenso, preocupado, e incapaz de adivinhar o que vem a seguir. Esta experiência diferente é uma qualidade do filme. Outro aspecto interessante do filme é conhecermos melhor a luta livre olímpica, esporte tão desconhecido dos brasileiros.

Foxcatcher foi indicado a cinco Oscars: Melhor Diretor, Ator (Steve Carell), Ator Coadjuvante (Mark Ruffalo), Roteiro Original e Maquiagem. Os mais "merecidos" são as indicações para os atores.

Lembrem-se que já no início eu digo que a atuação do trio principal é ótima. Entretanto, avaliando da melhor para a pior atuação, eu coloco Mark Ruffalo, Channing Tatum e Steve Carell. Sim, embora não indicado, Tatum a meu ver foi melhor que Carell. Primeiro porque ele e Mark Ruffalo treinaram 6 meses de luta livre para fazer seus respectivos papéis. E convencem fantasticamente neste quesito. Segundo que Tatum tem uma atuação intensa: a cena onde ele corta a testa batendo a cabeça no espelho foi real - no roteiro, o espelho apenas racharia - Channing perdeu mesmo o controle e bateu a cabeça repetidamente até tudo se estilhaçar e cair. E finalmente, embora Steve Carell esteja realmente muito bem, sua transformação facial (a inclusão de uma prótese de nariz gigantesca) deixa seu rosto "congelado", o que a meu ver limita consideravelmente sua atuação (esta última frase já responde o que eu acho do filme ter sido indicado ao Oscar de Melhor Maquiagem...)

Uma jornada diferente, tensa, mas ao mesmo tempo interessante, o que realmente choca em Foxcatcher é que sua bizarrice é real, o que deixa tudo mais sinistro. Nota: 7,0.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Porque o filme "A Origem" ("Inception") não é tão bom assim (+ explicação para o final)

Se eu tivesse escrito este post anos atrás, certamente haveria muita comoção (e até alguns xingamentos). Será que vai acontecer o mesmo agora, tanto tempo após o lançamento do filme? Farei este teste. E começo contando uma pequena história..

(Ah, antes de começar a história, é óbvio que só recomendo ler este texto quem já assistiu ao filme, é spoiler do começo ao fim).

O ano era 2010. Eu havia acabado de assistir A Origem nos cinemas com um grupo de amigos, e saíra da sala extremamente feliz e empolgado. Eis que então um deles me perguntou: "o que você achou do filme?". Parei, refleti por alguns segundos, e então respondi: "me pareceu espetacular; porém, tem algo estranho que ainda não absorvi... parece que há um furo grave no roteiro... só depois de assistir o filme novamente que eu poderei responder sua pergunta de verdade".

E mantive esta resposta desde então... Ou melhor, até o final de semana passado, onde enfim assisti A Origem novamente. E infelizmente meus temores estavam corretos. Há sim um furo essencial do roteiro.

Os muitos pequenos erros

Em minha revisita ao A Origem, encontrei um número bem alto de exageros e contradições do roteiro, boa parte deles que não captei pela primeira vez, nos cinemas. Vou citar apenas 4, como ilustração:
  • No primeiro nível de sonho dentro da cabeça de Robert Fischer (Cillian Murphy) - aquele onde há perseguição de carro sob chuva - os "seguranças" da mente de Robert atacam os heróis com metralhadoras, e em pelo menos duas cenas, isto é feito a queima roupa! Quantas balas acertam? Só uma, no filme todo. São os piores atiradores da história do Cinema.
  • Ainda no mesmo sonho, Eames (Tom Hardy) resolve imaginar um lança míssil para revidar os ataques inimigos. O que se materializa em suas mãos e funciona. Se as regras são assim, por que todos os demais não fizeram armas eficientes para eliminar os perseguidores?
  • O bilionário Saito (Ken Watanabe) é o único rival da família Fischer. Então como é possível que Saito participe de todos os sonhos de Robert sem que o sujeito o reconheça?
  • Se Mal (Marion Cotillard) é uma projeção da mente de Cobb (Leonardo DiCaprio), como é possível que ela chegue no Limbo antes de Cobb para fazer Robert Fischer de refém?

A grande falha - os totens NÃO funcionam

Uma das principais bases do filme é o conceito de totem, que inclusive, é o protagonista da cena final que causou tanta polêmica (ver foto-título deste post, acima). O objetivo do totem é "dizer" ao seu possuidor se ele se encontra no mundo real ou dentro de um sonho.

Por exemplo, o totem de Arthur (Joseph Gordon-Levitt) é um dado "viciado" que só ele sabe qual é o resultado que ele sempre dá. Assim, se ele joga o dado algumas vezes, e ele repetidamente dá o mesmo valor, Arthur está no mundo real. Mas se o dado se comporta como um dado "normal", então isto indica que ele está no sonho (a pessoa sonhadora não tem ideia que o dado de Arthur tem um comportamento diferente do esperado).

Até aí tudo bem... mas não é que o principal totem da história, o pião de Cobb (Leonardo DiCaprio) parte de uma premissa errada? Cobb gira seu pião... e segundo ele, caso ele nunca parar de girar, se trata de um sonho. Oras... no universo da pessoa sonhadora (que controla as regras), o normal para ela é o pião rodar e depois cair! Então, em teoria, o peão nunca parar de girar é um cenário absurdo, ilógico!

Ah... mas então, e se for o próprio portador que controla o comportamento do totem? Se for este o caso, ele não serve para distinguir a realidade do sonho, pois o totem vai se comportar da maneira que a mente do portador achar que se encontra. Por exemplo, no caso do Cobb... vamos supor que ele consegue fazer, em sonhos, que seu pião rode indefinidamente. Se ele consegue fazer isto, então é um sonho, claro (é impossível o pião rodar pra sempre no mundo real). Mas se ele está em um sonho e seu cérebro acha que ele está na realidade, então o pião vai cair, conforme seria o comportamento esperado do mundo real.

Vou mais além. Voltando para a premissa de que as regras do totem são definidas por quem sonha (ou pelo arquiteto), como ele vai saber que você tem um totem dentro do bolso, oras bolas?! Leitura da mente? Seria mais lógico sua versão no mundo real ter qualquer coisa no bolso - e não contar pra ninguém - e então, se o bolso estiver vazio... voilá... você está num sonho!

O final - o pião caiu ou não?

Existem três explicações plausíveis para o final. São elas:
  1. Tudo o que nos foi apresentado como "mundo real" é mesmo a realidade e Cobb termina o filme nela
  2. Tudo é um sonho de Cobb, e ele termina preso dentro dos seus sonhos
  3. O filme começa no "mudo real" mas Cobb não consegue voltar do Limbo, terminando o filme dentro do mesmo
A opção 3 é apenas uma variação da 2. Portanto, ficando apenas entre as duas primeiras opções, qual é a correta?

A resposta: qualquer uma delas é possível. O diretor Christopher Nolan deixou o filme dúbio de propósito. Um golpe baixo, aliás, para o filme ser debatido a exaustão e, consequentemente, ter promoção gratuita.

Exemplos de "provas" do final 1 (Cobb termina no mundo real):
  • Mal (Marion Cotillard) nunca aparece no mundo real
  • Miles (Michael Caine) nunca aparece nos sonhos
  • Cobb (Leonardo DiCaprio) sempre está de aliança nos sonhos, e sempre sem ela no mundo real
Exemplos de "provas" do final 2 (Cobb continua em um sonho):
  • O "mundo real" possui conceitos típicos de fantasia (sonho), como por exemplo, ficar fisicamente "travado" espremido entre dois prédios, ser perseguido por todo o planeta por uma organização desconhecida
  • A facilidade com que Cobb retorna para os EUA, ou a facilidade com que a inexperiente Ariadne (Ellen Page) aceita o trabalho e magicamente resolve todos os problemas de Cobb
  • O próprio mundo real ser filmado "como se fosse um sonho", com cortes abruptos, descontínuos... como se fosse levado de um sonho a outro.
Quer "provas" de que Nolan deixou o filme com duplo sentido de propósito? Dou duas. A primeira, se refere aos filhos de Cobb. Assistindo o filme, a impressão que se tem é que seus filhos "no sonho" e "no mundo real" são exatamente iguais. Não trocaram de roupa nem envelheceram em 3 anos! Porém, só comparando as imagens na sua casa (o que fiz - ver imagem abaixo), percebe-se que os filhos de fato envelheceram (são atores diferentes, inclusive), e a roupa é levemente diferente (veja a manga branca do vestido, por exemplo). Gerar esta confusão não foi acidente.


E a segunda é que Nolan sempre se recusou a explicar o final. Em uma rara entrevista que ele fala sobre o assunto (pode-se ler aqui, em inglês), ele sempre fica em cima do muro. Até chega a levemente pender para a hipótese de terminar no mundo real... para em seguida, alertar: "lembre-se que Cobb não é um narrador confiável".

O veredito

O final ser ambíguo não é, efetivamente, um problema para o filme. O que importa, é a trajetória de Cobb, e esta se encerra. Afinal, Cobb abandona o pião e vai de encontro aos filhos. Ou seja: não importa se ele está no mundo real ou não. O que importa para ele é enfim ser feliz com sua família.

Portanto, o final polêmico não diminui a nota de A Origem. Mas todos os erros de roteiro que citei acima, sim. Por isto, em uma 2ª passagem pelo filme, enfim dou uma nota para ele: 7,0. A obra-prima de Christopher Nolan, a meu ver, ainda é O Grande Truque ("The Prestige", 2006), que certamente figura na minha lista dos 10 melhores filmes de Hollywood feitos neste século XXI.

domingo, 18 de janeiro de 2015

Crítica - Whiplash - Em Busca da Perfeição (2014)

TítuloWhiplash - Em Busca da Perfeição ("Whiplash", EUA, 2014)
Diretor: Damien Chazelle
Atores principais: Miles Teller, J.K. Simmons, Paul Reiser, Melissa Benoist
Trailerhttps://www.youtube.com/watch?v=iTgk3WbTErk
Nota: 8,0


Bom em todos os aspectos, um filme sobre jazz e obsessão

A primeira coisa a se falar de Whiplash - Em Busca da Perfeição é que se você for músico, e/ou baterista, e/ou gosta de ouvir jazz, este filme é uma boa pedida.

Na história, vemos o jovem baterista Andrew (Miles Teller) em seu primeiro ano em uma faculdade de música. Não demora muito para que ele seja convidado para participar da famosa banda de jazz de sua instituição, regida pelo professor Fletcher (J.K. Simmons).

Fletcher, entetanto, não é uma pessoa fácil de se lidar. Pelo contrário, faz questão de tornar a vida de seus alunos um inferno. Sofrendo provocações e humilhações constantes, o fato de Andrew ter um perfil desequilibrado e de não levar desaforo para casa, apenas aumenta a tensão entre os dois, sendo os "castigos" para ele ainda mais pesados.

Whiplash - Em Busca da Perfeição é basicamente isto: Andrew tentando evoluir como músico e ganhar um espaço definitivo na banda de Fletcher, que por sua vez atormenta os alunos incessantemente. O bullying é tão absurdo, tão exagerado, que na maioria das vezes faz o espectador rir ao invés de chocá-lo.

Como a maioria do filme é rodado dentro dos ensaios da banda, em mais da metade dele ouvimos músicas de jazz - e de boa qualidade. Para quem gosta do gênero é um deleite. Já para os que não gostam, talvez o filme seja um pouco cansativo.

Porém mais do que tudo, Whiplash - Em Busca da Perfeição é um filme da obsessão pela perfeição. Seja pelo aluno ou pelo professor. Ambos são estupidamente obstinados. Neste aspecto, o filme chega a lembrar um pouco o ótimo e perturbador Cisne Negro (2010).

Whiplash - Em Busca da Perfeição foi dirigido e escrito pelo jovem diretor estadunidense Damien Chazelle, de apenas 29 anos. Os diálogos são simples, basicamente compostos de palavrões e ofensas. Isto não significa que o roteiro seja ruim. Ele tem qualidades: é dinâmico, e composto de várias reviravoltas - algumas delas previsíveis e outras realmente surpreendentes. Além disto, flerta com algumas críticas sociais, como por exemplo, a da família americana considerar que um filho esportista medíocre ter mais valor que um filho que é um músico de qualidade.

Em termos de atuações, Miles Teller agrada, faz um bom papel: o fato de tocar bateria desde os 15 anos torna sua atuação bem mais orgânica e crível. Já J.K. Simmons rouba a cena, e tem uma grande atuação. Foi merecidamente indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante e é o favorito. J.K. Simmons é sim um ator muito bom e versátil. Dito isto, não considero que o papel de Fletcher seja tão difícil fazer, ainda mais para ele, que já convenceu como o igualmente "boca suja" J. Jonah Jameson na trilogia Homem-Aranha dos anos 2000.

Nos aspectos técnicos, Whiplash - Em Busca da Perfeição é competente. Não tem nenhum grande destaque, mas também nenhum problema. Entendo que a montagem/edição seja, enfim, um ponto acima da média. E a maneira com que o diretor Damien Chazelle controla o ritmo do seu filme é altamente elogiável: o jeito que ele faz a história crescer em tensão em seu ato final é realmente impressionante.

Altamente elogiado pela crítica, indicado a 5 Oscars, vencedor dos prêmios de melhor filme pelo juri e pelo público no Festival de Sundance (um ano antes ele venceu lá também com Whiplash, porém na época o projeto era um curta-metragem), e presente na lista do "Top 5 2014" de muitos críticos internacionais, considero Whiplash - Em Busca da Perfeição um filme ótimo - tanto para os ouvidos quanto para a mente - mas ainda assim, ele não me impressionou tanto assim.

Um dos motivos é que a trama chega a ser simples demais. Outra razão é que considero o desfecho do filme levemente contraditório. Comento sobre qual é esta contradição no "PS" após o final deste texto.

Com um filme tenso sem perder o humor, que ao mesmo tempo valoriza e desmitifica o trabalho dos músicos, com uma direção competente, e ótimas músicas de jazz ao longo de toda projeção, Whiplash - Em Busca da Perfeição é um filme que tem tudo para agradar o público "comum" e agradar muito o público "músico". Nota: 8,0.


PS: sobre o final (só leiam este texto após assistirem o filme, isto é um spoiler). O filme passa a mensagem que não há genialidade sem muito esforço, sem muita dedicação e sofrimento. Mensagem que acredito piamente, mas que o filme exagera. E no desfecho o exagero é "desmascarado": quando Andrew enfim revela seu talento, ele já está há alguns meses sem fazer qualquer ensaio, sem tocar em uma bateria. Ou seja, em seu momento de triunfo, valeu a genialidade... os sacrifícios já haviam diminuído muito. Claro, se ele não tivesse se esforçado tanto na vida antes, não estaria lá onde estava. Mesmo assim, considero o fato descrito anteriormente como uma pequena contradição.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Os indicados ao Oscar 2015


Nesta última quinta-feira, vulgo "ontem", foram divulgados os indicados para o Oscar 2015, cuja cerimônia acontecerá no dia 22 de fevereiro. Poucos dos nomes lembrados deram as caras nos cinemas brasileiros. Como já é tradição do Cinema Vírgula, irei apresentar os principais indicados, tecer alguns comentários e trazer algumas curiosidades.

Desta vez temos 8 indicados ao Oscar de Melhor Filme. É o menor número desde 2009, quando a Academia criou sua nova regra de "indicar até 10 filmes, desde que estes alcancem pelo menos 5% das votações". São eles*:
* = em parênteses o número total de categorias indicadas para cada filme

Boyhood, Birdman e Whiplash estavam entre os favoritos, portanto, foi uma grande surpresa ver O Grande Hotel Budapeste aparecer (ainda que empatado) como filme com maior número de indicações.

Outra surpresa foram as ausências de Foxcatcher: Uma História que Chocou o Mundo (5 indicações) e Garota Exemplar (apenas uma).

Desde a implantação da nova regra de 2009 expandindo o número de indicados a Melhor Filme, Foxcatcher é o primeiro a receber indicação de Melhor Diretor e não estar na principal lista de indicados. Dito isto, não acho muito "justo" ver que Selma entrou na disputa de melhor filme com apenas 2 indicações. Porém isto não é algo tão incomum: a mesma coisa aconteceu com Tão Perto e Tão Forte em 2002, também com 2 indicações. Ah, também não estou falando que Selma é pior que Foxcatcher, afinal, não assisti nenhum deles aindaSelma, inclusive, provavelmente é outro injustiçado: o filme teve problemas de distribuição entre os votantes e muitos acabaram não o assistindo a tempo.

E lamento bastante que Garota Exemplar tenha tido apenas uma indicação (a de melhor atriz para Rosamund Pike, que como disse aqui, é merecidíssmo!). Era dado como certo que a produção também seria indicada no mínimo também para Melhor Filme e Roteiro Adaptado. Não foi.


As ausências
Além das ausências citadas no bloco acima, houve outras que chamaram a atenção. As não-presenças de Jennifer Aniston (por Cake) e Jake Gyllenhaal (por O Abutre) como indicados ao prêmio de Melhor Atriz/Ator gerou comoção. Mas a maior surpresa foi a não indicação de Melhor Atriz para Amy Adams, que venceu o Globo de Ouro pelo papel em Grandes Olhos.

Entre os filmes, a não inclusão de Uma Aventura Lego entre os indicados a Melhor Animação também causou estranheza. Eu particularmente torci o nariz ao ver o fraco Como Treinar o Seu Dragão 2 entre os indicados. Mas ele já venceu o Globo de Ouro, para minha decepção.

Interessante constatar que os épicos Noé e Êxodo: Deuses e Reis não levaram nenhuma indicação. E por falar em Blockbusters, Capitão América: O Soldado Invernal, X-Men: Dias de um Futuro Esquecido levaram uma indicação cada. Guardiões da Galáxia levou duas. Já o fraco O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos também só levou uma indicação, de Melhor Edição de Som. Todas as indicações citadas neste parágrafo foram indicações técnicas, de menor importância.


Participação brasileira
Se não conseguimos entrar nos indicados de Melhor Filme Estrangeiro com Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, nem entre os indicados a Melhor Canção Original com Rio 2, ou ainda, sem a indicação de O Caminhão do Meu Pai como Melhor Curta-Metragem, foi uma agradável surpresa ver que o Brasil estará presente concorrendo ao prêmio de Melhor Documentário com O Sal da Terra, que narra a trajetória do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado. O filme, que na verdade é uma produção franco-brasileira, é dirigido pelo consagrado diretor alemão Win Wenders e pelo brasileiro Juliano Salgado, filho de Sebastião.


Curiosidades
  • Bradley Cooper continua sendo o queridinho da Academia e recebeu a terceira indicação consecutiva como ator. Como o considero apenas razoável, não gostei.
  • Há nada menos que nove atores concorrendo ao prêmio pela primeira vez: Steve Carell, Benedict Cumberbatch, Michael Keaton, Eddie Redmayne, Felicity Jones, Rosamund Pike, JK Simmons, Patricia Arquette e Emma Stone. Já Maryl Streep está presente mais uma vez - sua 19ª indicação - e continua ampliando seu recorde ano após ano.
  • A Marvel poderá enfim levar seu primeiro Oscar para casa. Somando quatro três indicações, Capitão América: O Soldado Invernal (1), Guardiões da Galáxia (2) e Operação Big Hero (1), suas chances são maiores do que nunca.
  • O filme polonês Ida era dado como certo para estar entre os Melhores Filmes Estrangeiros. E foi indicado. Mas a grande surpresa é que ele também foi indicado para Melhor Fotografia. Desde 1967 é apenas a 11ª vez que um filme preto-e-branco leva uma indicação destas (embora o mesmo tenha acontecido ano passado, com Nebraska)
  • Interestelar foi o não indicado ao Oscar de Melhor Filme com maior número de indicações: cinco. Todas técnicas, nenhuma das principais.

E vocês? O que acharam dos indicados? Opinem!



Atualizado em 29/01: apesar de apresentar personagens da Marvel, Operação Big Hero é uma produção da Disney. Portanto, nada de Oscar pra Marvel se esta animação levar o prêmio

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Crítica - Êxodo: Deuses e Reis (2014)

TítuloÊxodo: Deuses e Reis ("Exodus: Gods and Kings"Espanha / EUA / Reino Unido, 2014)
Diretor: Ridley Scott
Atores principais: Christian Bale, Joel Edgerton, John Turturro, Ben Kingsley

Visualmente maravilhoso, bom na ação, porém falho no restante

Embora seja um filme de 2014, somente agora assisti Êxodo: Deuses e Reis. O segundo grande épico bíblico hollywoodiano do ano (o outro foi Noé). Com um visual quase inacreditável de tão belo, o diretor Ridley Scott erra em quase todo o resto.

Êxodo: Deuses e Reis é mais uma interpretação da história bíblica de Moisés, porém aqui há um grande enfoque em apenas um pedaço da vida do patriarca: a libertação do povo hebreu da escravidão do Egito.

A história começa com Moisés (Christian Bale) ainda príncipe do Egito, desconhecedor de suas origens. Sua primeira participação em cena já é um alerta do tom do filme que veremos a seguir: Moisés tira sarro das crenças egípcias, mostrando um caráter ateu, antipático e arrogante que permanece por quase todo o filme. Mais ainda, ele é visualmente um estranho no ninho: se veste diferente, e é o único egípcio do planeta com barba. Se ele foi criado a vida toda dentro da corte real, não há nenhuma justificativa para ele se portar e vestir de maneira diferente dos demais. Este é o primeiro dos muitos erros de Êxodo: Deuses e Reis.

Antes das críticas, vamos aos elogios: o filme é visualmente maravilhoso: cenários soberbos, efeitos especiais perfeitos, belíssima fotografia, figurino, direção de arte. Tudo que encanta os olhos é irretocável. Vale a pena ressaltar que sim, há bastante efeito especial (mais de mil), porém muito do que vemos também é real. A produção não economizou nos cenários, e grandes partes dos palácios foram montados fisicamente. Também é importante avisar que o filme foi filmado em 3D... e muito bem filmado! Repleto de tomadas de plano longo, a sensação de profundidade é bem grande, e portanto, fica a recomendação de assistir Êxodo sob este formato.

Outro ponto positivo são as cenas de ação. Elas não são lá muito impressionantes, mas são suficientemente realistas e bem filmadas. Ridley Scott ainda sabe prender a atenção do espectador através da ação. Entretanto, em termos emoção, Êxodo: Deuses e Reis falha miseravelmente. O único momento do filme que me trouxe alguma emoção foi nos créditos finais, quando Ridley escreve uma dedicatória ao irmão e também diretor Tony Scott, falecido em 2012.

Parte da "culpa" deste vazio emocional vem dos atores: o filme tem várias atuações ruins. Os veteranos John Turturro e Ben Kingsley são os que se salvam. Christian Bale até atua bem... mas ele não interpreta exatamente um Moisés... interpreta seu papel de sempre: um personagem "durão", "mal humorado", e especialmente neste filme, sem carisma nenhum.

Há de se criticar a "mão pesada" do diretor. Sutileza não é com ele mesmo. Por exemplo, para nos "convencer" que o Faraó ama seu filho, ele diz em voz alta duas vezes: "você dorme bem porque eu te amo"... Como se o ato de falar em voz alta convencesse alguma coisa... Pois em atos, o Faraó não parece se importar com nada nem ninguém, o que inclui seu filho. Outro exemplo de "mão pesada" é a trilha sonora, que não dá trégua um instante: toda cena precisa ser "épica", e com isto, haja música instrumental no último volume.

Finalmente, o roteiro, que consegue trazer uma história dinâmica, rápida (os anos e acontecimentos passam correndo), e prendem a atenção: mesmo no ritmo ele não está isento de alguns pequenos pecados, como a interrupção de personagens inúteis, como a mãe do Faraó, interpretada pela Sigourney Weaver.

Fora isto, em sua essência, o roteiro é bem contraditório. Assim como em Noé, é trazida uma abordagem "realista", questionando em todo momento se Deus esteve mesmo lá presente, ou se - no caso - nada mais era do que um delírio - respectivamente de Moisés e Noé. Por exemplo, Moisés só passa a ver Deus após levar uma forte pancada na cabeça; as pragas do Egito são todas explicadas "cientificamente" como sendo uma consequência natural da outra, e assim vai... Porém, apesar deste enorme esforço "realista", há momentos em que não há dúvidas: Deus existe, está fazendo coisas "milagrosas", como por exemplo, a morte dos primogênitos, ou fazer a noite sumir instantaneamente, transformando o céu em um dia.

Ainda sobre roteiro ruim, o que dizer sobre Moisés, que quando vai até o Faraó avisar para libertar seu povo, caso contrário todos os primogênitos morrerão, simplesmente fala: "ó, vai dar me*** grande aí, proteja seu filho". Custava explicar o que ia acontecer? O Faraó claramente não entendeu o que Moisés disse. Que sentido tem este diálogo então?

Ah, e quanto as muitas inconsistências temporais e históricas do filme, nem vou entrar em detalhes. Mas digo, com certa surpresa, que Êxodo: Deuses e Reis é bem mais fiel a Bíblia do que foi Noé.

Repleto de falhas, Êxodo: Deuses e Reis ainda assim possui dois atrativos: o visual deslumbrante e, porque não, uma história-base (a vida de Moisés) interessante. São dois argumentos suficientes para conferir o filme nos cinemas. Nota: 6,0

Crítica - Indiana Jones e a Relíquia do Destino (2023)

Título : Indiana Jones e a Relíquia do Destino ("Indiana Jones and the Dial of Destiny", EUA, 2023) Diretor : James Mangold Atores...