Nesta quinta feira foi ao ar nos EUA o último episódio do seriado Two and a Half Men. Um episódio duplo na verdade, correspondendo ao 15º e 16º episódios da derradeira 12ª temporada.
Uma breve história sobre Two and a Half Men
Iniciada em 2003, a série era composta pelos "dois homens" Charlie Harper (Charlie Sheen) e Alan Harper (Jon Cryer) e o "meio homem", ou melhor, o ainda criança Jake (Angus T. Jones). Firmemente baseada no personagem de Sheen, a trama da série baseava-se no fato dele ser um irrepreensível bon vivant. Mulherengo e alcoólatra, sua fonte de dinheiro nunca se esgotava, e por mais que ele aprontasse, no final tudo acabava bem para Charlie Harper. Já o pobre Alan, mesmo sendo muito mais ético e honesto que o irmão, sempre se dava mal não importa o que fizesse.
Apesar do humor barato, Two and a Half Men foi muito bem sucedido em público e crítica. Porém, com o passar dos anos, se o bom resultado financeiro que o show trazia pouco se abalava, nos bastidores a estabilidade era trocada pelo caos.
Em uma triste mistura da vida com a arte, Charlie Sheen também passou a abusar de bebidas, drogas e mulheres na vida real, o que começou a cada vez mais interferir no seu trabalho (atrasos e cancelamentos na gravações passaram a ser frequentes), e finalmente, culminou com Charlie batendo de frente com o todo poderoso produtor da série, Chuck Lorre.
Após surtos e trocas de acusações públicas, Charlie Sheen foi demitido em pleno andamento da 8ª temporada. Ela, que deveria totalizar 24 episódios acabou sendo interrompida após o 16º.
Two and a Half Men quase foi cancelado, mas sobreviveu. Sai Charlie e entra o milionário Walden Schmidt (interpretado por Ashton Kutcher). Segundo a trama, Charlie Harper morreu atropelado por um trem, enquanto passava sua lua de mel com Rose (Melanie Lynskey), que por sua vez, dá uma indireta que aquilo não foi um "acidente", e sim, sua vingança.
Walden de certa forma é uma versão "bom caráter" do protagonista anterior. Assim como Charlie, Walden também tem dinheiro "ilimitado", não trabalha, e passa o tempo todo atrás de bebidas, mulheres e... maconha. Mas a grande diferença é que o personagem de Kutcher vai atrás do sexo feminino buscando um relacionamento duradouro. Ele respeita as mulheres, e em linhas gerais, para qualquer assunto, tenta "fazer o bem". Para antagonizar com Walden, o ex-bonzinho Alan Harper passou a ser um parasita mal caráter cujos episódios de remorso passaram a ser cada vez mais raros.
O resultado é que a qualidade da série caiu bastante. A audiência também caiu: com Charlie Sheen no elenco, Two and a Half Men foi em boa parte do seu tempo a série de TV mais assistida nos EUA. Sem ele, esta marca jamais voltou a acontecer. Mesmo assim, a tal queda de audiência não foi proporcionalmente tão grande (cerca de 30%), o que manteve o seriado com o status de ser bastante lucrativo.
Anos depois, foi a vez de Angus T. Jones deixar a série. Ao mesmo tempo que os primeiros episódios da 10ª temporada iam ao ar, Angus deu uma polêmica entrevista para um website cristão demonizando o seriado. Agora se dizendo convertido pelo Cristianismo, ele declarou que o seriado era um mal exemplo para as pessoas, e que se arrependia de ter participado daquilo. Mesmo não sendo "demitido" por isto, suas participações durante a temporada corrente ficaram cada vez menores até que ele parou de aparecer em Two and a Half Men em definitivo.
Com a audiência caindo constante e lentamente, Jake foi "substituído" por Jenny (Amber Tamblyn), uma filha desconhecida de Charlie, que por sua vez era a versão feminina do mesmo, com os mesmos vícios e defeitos. Não deu certo. Então, para a 12ª e enfim última temporada, Jenny foi deixada de lado, e Walden Schmidt adotou uma criança, fazendo que finalmente a série voltasse a significar seu título: Two and a Half Men.
O episódio final de Two and a Half Men
Como contarei a partir daqui sobre o que acontece no último episódio, spoiler alert!: recomendo que você só continue a leitura após ter assistido o episódio ou se não importar em saber como ele termina.
O episódio anterior (14º) deixou tudo programado para que o seriado terminasse com um duplo final feliz amoroso. Walden Smith já estava namorando a atendente social Ms. McMartin (Maggie Lawson) e Alan Harper acabara de pedir Lyndsey (Courtney Thorne-Smith) em casamento.
E o que o desfecho fez em relação a isto? NADA. Ignorou completamente a continuidade da série e se preocupou com apenas uma coisa: a volta de Charlie Harper.
Logo no começo do episódio aprendemos que Charlie não morreu, e estava sendo mantido em cativeiro por Rose dentro de um poço, de um jeito bem parecido como vimos no filme O Silêncio dos Inocentes. Ao conseguir escapar após 4 anos preso, Charlie prepara sua volta, e o faz mandando ameaças de morte a Alan e a Walden, o que não faz absolutamente o menor sentido. Esqueça, aliás, obter qualquer sentido lógico na "trama" do episódio. Quando Charlie foge, Rose reúne os familiares do ex-protagonista e lhes conta a verdade... e também conta que agora Charlie quer se "vingar deles"(????!!!!). E não é que o fato dela deixar uma pessoa presa por 4 anos em cativeiro não incomodou ninguém da família? Tudo é tão absurdo que no desfecho desta cena, a mãe de Charlie (Holland Taylor) corre atrás de Rose buscando se proteger do seu filho.
Outra grande surpresa é que o episódio final é bastante metalinguístico. São vários os momentos em que os atores falam com os expectadores, comentam sobre o seriado, zombam da crítica e do público... Atores e personagens se alternam várias vezes ao longo da história. Mas principalmente, o que o episódio faz questão de fazer é cutucar Charlie Sheen. As tais "ameaças" de morte escritas por Charlie tem parte do seus textos copiados de declarações reais que o ator deu em seus surtos psicóticos contra Chuck Lorre. E mais, quando Rose relembra sobre como foi a vida de Charlie nestes últimos 4 anos, as cenas são feitas com desenho animado, e o personagem de Charlie chega a ter seu nariz transformado em um aspirador de pó quando o mesmo passa a cheirar cocaína.
Sim. Eu disse "animação" no parágrafo seguinte. Que foi um recurso utilizado porque o verdadeiro Charlie Sheen NÃO aparece em nenhum momento do episódio. As negociações para que ele voltasse existiram, mas não deram certo. Isto não impediu que Chuck Lorre fosse desonesto a respeito. Afinal, toda a propaganda feita por ele em torno do episódio final era baseado no "mistério" se Charlie voltaria ou não. Oras bolas, todo o EPISÓDIO final foi baseado nisto.
Na cena final, quando vemos o suposto Charlie Sheen, de costas, voltando pra casa, um piano cai sobre ele, matando-o. Então a câmera se abre, mostrando que aquilo é um estúdio, e vemos Chuck Lorre na cadeira de diretor rindo e comemorando, dizendo: "vitória!". Então um piano também cai sobre ele e o seriado termina. Ou melhor, ainda não termina. Em seu tradicional letreiro "Chuck Lorrie Productions" com que ele encerra cada episódio que produz, o texto mais uma vez tira sarro de Charlie Sheen sobre "porque as negociações para trazê-lo não deram certo".
O resultado? Nenhum personagem de Two and a Half Men teve seu desfecho. O que aconteceu com Walden, Alan, Berta, Evelyn, Jake, Louis, Ms. McMartin, Lyndsey? Não sabemos. Porque para Chuck Lorre o seriado não importa. O que mais importa é fazer um episódio para lembrar a Charlie Sheen que ELE venceu, que é ele quem importa.
A única coisa boa do final de Two and a Half Men foram os convidados especiais. As participações de Arnold Schwarzenegger, John Stamos e Christian Slater foram certamente inesperadas e divertidas. Mas isto é muito pouco para o desrespeito final de Chuck Lorre com seu público. O final de Two and a Half Men entra na briga para ser um dos piores e mais desrespeitosos de todos os tempos.
PS: quem ainda não conhece, na foto, ao centro, o sr. ego Chuck Lorre.