sábado, 21 de fevereiro de 2015

O final de Two and a Half Men - Um ego vale muito mais que um seriado


Nesta quinta feira foi ao ar nos EUA o último episódio do seriado Two and a Half Men. Um episódio duplo na verdade, correspondendo ao 15º e 16º episódios da derradeira 12ª temporada.

Uma breve história sobre Two and a Half Men

Iniciada em 2003, a série era composta pelos "dois homens" Charlie Harper (Charlie Sheen) e Alan Harper (Jon Cryer) e o "meio homem", ou melhor, o ainda criança Jake (Angus T. Jones). Firmemente baseada no personagem de Sheen, a trama da série baseava-se no fato dele ser um irrepreensível bon vivant. Mulherengo e alcoólatra, sua fonte de dinheiro nunca se esgotava, e por mais que ele aprontasse, no final tudo acabava bem para Charlie Harper. Já o pobre Alan, mesmo sendo muito mais ético e honesto que o irmão, sempre se dava mal não importa o que fizesse.

Apesar do humor barato, Two and a Half Men foi muito bem sucedido em público e crítica. Porém, com o passar dos anos, se o bom resultado financeiro que o show trazia pouco se abalava, nos bastidores a estabilidade era trocada pelo caos.

Em uma triste mistura da vida com a arte, Charlie Sheen também passou a abusar de bebidas, drogas e mulheres na vida real, o que começou a cada vez mais interferir no seu trabalho (atrasos e cancelamentos na gravações passaram a ser frequentes), e finalmente, culminou com Charlie batendo de frente com o todo poderoso produtor da série, Chuck Lorre.

Após surtos e trocas de acusações públicas, Charlie Sheen foi demitido em pleno andamento da 8ª temporada. Ela, que deveria totalizar 24 episódios acabou sendo interrompida após o 16º.

Two and a Half Men quase foi cancelado, mas sobreviveu. Sai Charlie e entra o milionário Walden Schmidt (interpretado por Ashton Kutcher). Segundo a trama, Charlie Harper morreu atropelado por um trem, enquanto passava sua lua de mel com Rose (Melanie Lynskey), que por sua vez, dá uma indireta que aquilo não foi um "acidente", e sim, sua vingança.

Walden de certa forma é uma versão "bom caráter" do protagonista anterior. Assim como Charlie, Walden também tem dinheiro "ilimitado", não trabalha, e passa o tempo todo atrás de bebidas, mulheres e... maconha. Mas a grande diferença é que o personagem de Kutcher vai atrás do sexo feminino buscando um relacionamento duradouro. Ele respeita as mulheres, e em linhas gerais, para qualquer assunto, tenta "fazer o bem". Para antagonizar com Walden, o ex-bonzinho Alan Harper passou a ser um parasita mal caráter cujos episódios de remorso passaram a ser cada vez mais raros.

O resultado é que a qualidade da série caiu bastante. A  audiência também caiu: com Charlie Sheen no elenco, Two and a Half Men foi em boa parte do seu tempo a série de TV mais assistida nos EUA. Sem ele, esta marca jamais voltou a acontecer. Mesmo assim, a tal queda de audiência não foi proporcionalmente tão grande (cerca de 30%), o que manteve o seriado com o status de ser bastante lucrativo.

Anos depois, foi a vez de Angus T. Jones deixar a série. Ao mesmo tempo que os primeiros episódios da 10ª temporada iam ao ar, Angus deu uma polêmica entrevista para um website cristão demonizando o seriado. Agora se dizendo convertido pelo Cristianismo, ele declarou que o seriado era um mal exemplo para as pessoas, e que se arrependia de ter participado daquilo. Mesmo não sendo "demitido" por isto, suas participações durante a temporada corrente ficaram cada vez menores até que ele parou de aparecer em Two and a Half Men em definitivo.

Com a audiência caindo constante e lentamente, Jake foi "substituído" por Jenny (Amber Tamblyn), uma filha desconhecida de Charlie, que por sua vez era a versão feminina do mesmo, com os mesmos vícios e defeitos. Não deu certo. Então, para a 12ª e enfim última temporada, Jenny foi deixada de lado, e Walden Schmidt adotou uma criança, fazendo que finalmente a série voltasse a significar seu título: Two and a Half Men.

O episódio final de Two and a Half Men

Como contarei a partir daqui sobre o que acontece no último episódio, spoiler alert!: recomendo que você só continue a leitura após ter assistido o episódio ou se não importar em saber como ele termina.

O episódio anterior (14º) deixou tudo programado para que o seriado terminasse com um duplo final feliz amoroso. Walden Smith já estava namorando a atendente social Ms. McMartin (Maggie Lawson) e Alan Harper acabara de pedir Lyndsey (Courtney Thorne-Smith) em casamento.

E o que o desfecho fez em relação a isto? NADA. Ignorou completamente a continuidade da série e se preocupou com apenas uma coisa: a volta de Charlie Harper.

Logo no começo do episódio aprendemos que Charlie não morreu, e estava sendo mantido em cativeiro por Rose dentro de um poço, de um jeito bem parecido como vimos no filme O Silêncio dos Inocentes. Ao conseguir escapar após 4 anos preso, Charlie prepara sua volta, e o faz mandando ameaças de morte a Alan e a Walden, o que não faz absolutamente o menor sentido. Esqueça, aliás, obter qualquer sentido lógico na "trama" do episódio. Quando Charlie foge, Rose reúne os familiares do ex-protagonista e lhes conta a verdade... e também conta que agora Charlie quer se "vingar deles"(????!!!!). E não é que o fato dela deixar uma pessoa presa por 4 anos em cativeiro não incomodou ninguém da família? Tudo é tão absurdo que no desfecho desta cena, a mãe de Charlie (Holland Taylor) corre atrás de Rose buscando se proteger do seu filho.

Outra grande surpresa é que o episódio final é bastante metalinguístico. São vários os momentos em que os atores falam com os expectadores, comentam sobre o seriado, zombam da crítica e do público... Atores e personagens se alternam várias vezes ao longo da história. Mas principalmente, o que o episódio faz questão de fazer é cutucar Charlie Sheen. As tais "ameaças" de morte escritas por Charlie tem parte do seus textos copiados de declarações reais que o ator deu em seus surtos psicóticos contra Chuck Lorre. E mais, quando Rose relembra sobre como foi a vida de Charlie nestes últimos 4 anos, as cenas são feitas com desenho animado, e o personagem de Charlie chega a ter seu nariz transformado em um aspirador de pó quando o mesmo passa a cheirar cocaína.

Sim. Eu disse "animação" no parágrafo seguinte. Que foi um recurso utilizado porque o verdadeiro Charlie Sheen NÃO aparece em nenhum momento do episódio. As negociações para que ele voltasse existiram, mas não deram certo. Isto não impediu que Chuck Lorre fosse desonesto a respeito. Afinal, toda a propaganda feita por ele em torno do episódio final era baseado no "mistério" se Charlie voltaria ou não. Oras bolas, todo o EPISÓDIO final foi baseado nisto.

Na cena final, quando vemos o suposto Charlie Sheen, de costas, voltando pra casa, um piano cai sobre ele, matando-o. Então a câmera se abre, mostrando que aquilo é um estúdio, e vemos Chuck Lorre na cadeira de diretor rindo e comemorando, dizendo: "vitória!". Então um piano também cai sobre ele e o seriado termina. Ou melhor, ainda não termina. Em seu tradicional letreiro "Chuck Lorrie Productions" com que ele encerra cada episódio que produz, o texto mais uma vez tira sarro de Charlie Sheen sobre "porque as negociações para trazê-lo não deram certo".

O resultado? Nenhum personagem de Two and a Half Men teve seu desfecho. O que aconteceu com Walden, Alan, Berta, Evelyn, Jake, Louis, Ms. McMartin, Lyndsey? Não sabemos. Porque para Chuck Lorre o seriado não importa. O que mais importa é fazer um episódio para lembrar a Charlie Sheen que ELE venceu, que é ele quem importa.

A única coisa boa do final de Two and a Half Men foram os convidados especiais. As participações de Arnold Schwarzenegger, John Stamos e Christian Slater foram certamente inesperadas e divertidas. Mas isto é muito pouco para o desrespeito final de Chuck Lorre com seu público. O final de Two and a Half Men entra na briga para ser um dos piores e mais desrespeitosos de todos os tempos.

PS: quem ainda não conhece, na foto, ao centro, o sr. ego Chuck Lorre.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Cobertura Oscar 2015 - Os principais filmes + Os palpites para os vencedores

Falta pouco. Neste domingo, dia 22 de fevereiro, teremos a cerimônia de premiação da 87ª edição do Academy Awards, popularmente conhecido como "Oscar".

Confiram abaixo todos os filmes com múltiplas indicações, ordenados por número total das mesmas. E percebam que a grande maioria dos nomes já tiveram sua crítica publicada no Cinema Vírgula!

4: Sr. Turner
3: Caminhos da Floresta e Invencível

Pelos títulos acima, a conclusão é que não há um grande favorito nem um "grande filme" dentre os candidatos. Este cenário implica em que deveremos ter uma das cerimônias mais equilibradas (e talvez surpreendente) dos últimos tempos.


Quem vai levar? Quem merece levar?

E mantendo a tradição do Cinema Virgula, mais uma vez irei tentar adivinhar os vencedores. Em 2012 eu acertei os 7 dos 7 palpites que dei. Em 2013, acertei apenas 3 de 7. Em 2014 acertei 6 de 6, gabaritando novamente. Desta vez irei palpitar nas 8 principais categorias (elas estão apresentadas abaixo na ordem em que aparecem na cerimônia).

Melhor Ator Coadjuvante
- Quem vai levar: J.K. Simmons (Whiplash)
- Em quem eu votaria: Mark Ruffalo (Foxcatcher)
- Comentários: Na teoria, J.K. Simmons é uma das maiores barbadas deste Oscar, já que ele venceu com este mesmo papel todas as principais premiações até aqui. Nada contra sua vitória, mas entendo que a atuação de Mark Ruffalo é bem mais desafiadora, e obrigou o ator a se preparar por quase 6 meses para o papel.

Melhor Atriz Coadjuvante
- Quem vai levar: Patricia Arquette (Boyhood)
- Em quem eu votaria: Patricia Arquette (Boyhood)
- Comentários: Patricia é outra que tem levado muitos prêmios, e sua atuação é realmente boa. Entretanto, voto nela por exclusão: não vi Laura Dern (Livre) nem Meryl Streep (Caminhos da Floresta); e já Keira Knightley (O Jogo da Imitação) e Emma Stone (Birdman), embora ambas mandando bem, entendo ter participação pequena demais para valer um prêmio.

Melhor Roteiro Adaptado
- Quem vai levarO Jogo da Imitação
- Em quem eu votaria: como nenhum me impressionou, não vou opinar
- Comentários: O favorito é O Jogo da ImitaçãoWhiplash e Sniper Americano correm por fora. 

Melhor Roteiro Original
- Quem vai levarBirdman O Grande Hotel Budapeste
- Em quem eu votaria: O Grande Hotel Budapeste
- Comentários: Os diretores/roteiristas Alejandro Iñárritu, Wes Anderson e Richard Linklater duelarão respectivamente com Birdman, O Grande Hotel Budapeste e Boyhood para Melhor Roteiro, Melhor Direção e Melhor Filme. São as três categorias mais disputadas e justamente aquelas em que entendo ser mais possível eu errar. Acredito que a Academia vai "dividir" os prêmios entre eles e aqui, acho que quem leva é BirdmanO Grande Hotel Budapeste vem como o segundo favorito nesta categoria, e como eu admiro há tempos o trabalho de Wes Anderson, é pra ele quem votaria.
Atualizado em 21/02 as 18h20: agora acho que Wes Anderson levará o roteiro, afinal, é a categoria "das 8 principais" onde ele tem mais chance. E aí pesa o conceito do "distribuir" os prêmios entre eles.

Melhor Diretor
- Quem vai levar: Richard Linklater (Boyhood)
- Em quem eu votaria: Wes Anderson (O Grande Hotel Budapeste)
- Comentários: continuando o raciocínio da categoria anterior, assumo que se Iñárritu for premiado pelo roteiro, não será premiado aqui de novo, mesmo sendo o atual favorito. O segundo favorito é Richard Linklater, que é o meu palpite. Mais uma vez, por gostar de Wes Anderson, torço por ele. Mas se ficar mesmo nas mãos de Linklater, também é bastante merecido.
Atualizado em 21/02 as 18h20: como acho agora que Wes Anderson levará o roteiro, sobraria pela lógica que Iñárritu levasse este aqui. Porém, acho que a Academia vai fazer uma média e não deixar o tão querido Linklater voltar para casa de mãos vazias pela terceira vez. Iñárritu foi indicado menos vezes antes que ele, e ainda por cima não é estadunidense...

Melhor Atriz
- Quem vai levar: Julianne Moore (Para Sempre Alice)
- Em quem eu votaria: Rosamund Pike (Garota Exemplar)
- Comentários: Julianne Moore é a grande favorita e embora já tenha sido indicada outras vezes no passado, nunca levou. Mais que merecido se ela levar agora. Mesmo assim, minha torcida será para Rosamund Pike pelo simples fato que sei há tempos que a Julianne é uma grande atriz... e no caso da Rosamund, ela foi pra mim a grande surpresa feminina de 2014.

Melhor Ator
- Quem vai levar: Eddie Redmayne (A Teoria de Tudo)
- Em quem eu votaria: Eddie Redmayne (A Teoria de Tudo)
- Comentários: ficarei bastante surpreso se o vencedor desta categoria não for Eddie Redmayne ou  Michael Keaton. E a performance de Redmayne é muito superior a de Keaton, o que significa que ficarei bastante desapontado se o último vencer. Mesmo assim, pelo seu carisma perante aos votantes, o protagonista de Birdman tem chance real de levar.

Melhor Filme
- Quem vai levar: Birdman
- Em quem eu votaria: Birdman ou O Grande Hotel Budapeste ou Boyhood
- Comentários: Muito disputado, conforme já expliquei antes, mas acho que vai dar Birdman. De minha parte, considero a grande maioria dos oito indicados em um nível bem parecido. Certamente Selma foi o que mais me emocionou; mesmo assim, já que o número de escolhas é grande, prefiro optar pelos filmes que são mais "diferentes", o que nos leva ao trio acima, que é curiosamente o trio favorito. Vencendo qualquer um destes três, ficarei satisfeito.
Atualizado em 21/02 as 18h20: agora que entendi no detalhe como a votação final para esta categoria funciona (aguardem meu post pós-Oscar), reconheço que as chances de Birdman levar caem consideravelmente. Mesmo assim, teimosamente, mantenho meu palpite. Mas na prática, não só Boyhood passa a ser o favorito, como entendo até termos um quarto possível ganhador aqui: O Jogo da Imitação corre por fora.

Não percam!
Repetindo, a cerimônia do Oscar será domingo dia 22. Embora a cerimônia comece as 22hs, o canal TNT irá iniciar suas transmissões já a partir das 20h30, mostrando o famoso "tapete vermelho" com os famosos chegando para a festa. A TV aberta deverá ter transmissão da Globo, que entretanto deverá perder o início da cerimônia e só começar a transmitir após o término do BBB 15.

E vocês? Quem acham que vai ganhar? Para quem vocês estão torcendo? Deixem seus palpites aqui nos comentários e depois veremos quem é mais "pé quente". ;)


Atualizado em 21/02/15 as 18h20: pensando melhor, acabei mudando a opinião sobre "quem será o vencedor" naquelas 3 categorias mais difíceis. Agora acho que quem leva o Roteiro será o O Grande Hotel Budapeste, quem leva o Diretor será o Richard Linklater, e caiu a ficha que Birdman levar o Oscar de Melhor Filme é bem difícil, o verdadeiro favorito é Boyhood. Dito isto, vou alterar 1 dos meus palpites (o de roteiro), mas manter o do Oscar de Melhor Filme por teimosia. ;)

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Crítica - Sniper Americano (2014)

TítuloSniper Americano ("American Sniper", EUA, 2014)
Diretor: Clint Eastwood
Atores principais: Bradley Cooper, Sienna Miller, Kyle Gallner, Luke Grimes, Jake McDorman
Trailerhttps://www.youtube.com/watch?v=2cZJaj93XLg
Nota: 6,0



Um filme de guerra um pouco diferente e com um pouco de propaganda

Um tipo de filmagem mais realista, com a câmera acompanhando os soldados entre as apertadas e empoeiradas ruas do Iraque, ver os estadunidenses caindo às moscas em perigosas missões, mostrando o quanto as guerras recentes destroem a maioria dos indivíduos que participam dela. Isto tudo até pode ser relativamente novo, porém, também foi explorado - e com mais propriedade - em Guerra ao Terror (2008) e A Hora Mais Escura (2012).

O pouco que resta então de novidade em Sniper Americano é mostrar a vida do soldado como profissão: o protagonista vai e volta ao Iraque várias vezes, e nos intervalos de "descanso", vemos ele se comporta em relação a família. É meio estranho até, ver a guerra acontecendo e você indo e voltando pra lá com datas de chegada e saída já pré-determinadas.

A história, também uma biografia, conta a vida de Chris Kyle (Bradley Cooper), tido como "o sniper mais letal da história militar dos EUA" (inclusive, o filme é baseado na auto-biografia do próprio Kyle, que usou este "título" para se promover). Vemos então um breve relance de sua infância, e sua vida pré, pós e durante a recente "guerra ao terror" terminada há poucos anos atrás no Iraque.

O diretor Clint Eastwood consegue ser bem sucedido nas cenas de ação e tornar o filme com a ambientação correta em termos de tensão e suspense. Um único porém é que a história poderia ser um pouco mais curta: são mais de 2h de projeção e após 1h eu já estava um pouco cansado.

Sniper Americano não faz propaganda "pró-EUA" descaradamente, mas certamente o faz. Mais do que defensor do "american way of life", Clint defende fortemente o estilo "texano" de vida: "Deus, pátria e família", segundo seu ponto de vista. Chris Kyle é retratado, mesmo dentro de suas fraquezas, como um herói perfeito.

Infelizmente o roteiro não foca tanto nos dilemas morais de Chris conforme o trailer deixa a entender: em geral, o patriotismo responde a maioria das dúvidas do protagonista. O amor a Pátria, aliás, está bem presente no filme. Não a toa vemos diversas bandeiras dos EUA (e até uma do Texas) ao longo da projeção.

Se Clint não declama abertamente quem que são os "mocinhos" e quem são os "bandidos" (inclusive mostra os iraquianos civis como vítimas), ao mesmo tempo não deixa dúvidas de que ele está defendendo seu país e sua religião. Além disto, Eastwood insiste no maniqueísmo a ponto de criar um inimigo sniper tão bom quanto Kyle para confrontá-lo. Sempre com "cara de mal", geralmente debaixo de sombras e com a trilha sonora sombria apontando que ele é sim, "o malvado", o tal Mustafa e sua história (de ser um ex-atleta Olímpico) são sim verdadeiras. Porém, na vida real, as histórias dele e Chris Kyle jamais se cruzaram; eles nunca se enfrentaram na vida real. Esta é apenas uma das "mentirinhas" contadas para aumentar o heroísmo do protagonista.

Ainda sobre o trabalho do diretor, há duas cenas que são inacreditavelmente ruins: uma em que Bradley Cooper carrega no colo o que é claramente uma boneca ao invés de um bebê; e outra que é justamente o desfecho do duelo entre Kyle e Mustafa. Eu até ri quando assisti aquilo.

Por falar em Bradley Cooper, sua atuação é competente e prova que o rapaz também consegue fazer filmes de drama. Porém, conforme eu já imaginava, sua atuação está muito longe de merecer a indicação para o Oscar de Melhor Ator recebida. Não adianta, ele é o queridinho atual de Hollywood sabe-se lá por que. A atuação de Sienna Miller - atriz que desconhecia - embora curta me agradou mais.

Com uma história interessante, e em linhas gerais um filme tecnicamente bem feito, Sniper Americano deve agradar a quem se interessa pelo tema de guerra. A história de Chris Kyle é mais uma que vale a pena conhecer e depois, nos fazer refletir. Ainda assim, sua longa duração, seus pequenos erros citados acima e sua pequena propaganda jogam contra. Nota: 6,0

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Crítica - Ida (2013)

TítuloIda ("Ida"Dinamarca / França / Polônia / Reino Unido, 2013)
Diretor: Pawel Pawlikowski
Atores principais: Agata Kulesza, Agata Trzebuchowska, Dawid Ogrodnik
Trailerhttps://www.youtube.com/watch?v=Fi7C0_T7z64
Nota: 7,0



Um belo e forte road movie sobre os fantasmas da Segunda Guerra

Bastante elogiado, e premiado em alguns Festivais pela Europa, o filme polonês Ida surpreendeu ao ser indicado, além do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, também ao Oscar de Melhor Fotografia.

Na trama - que acontece aparentemente no início dos anos 60 - conhecemos Ida (Agata Trzebuchowska), uma jovem que passou toda a vida em um orfanato de freiras católicas e está há poucas semanas de fazer seus votos para ser ordenada. Eis que ela recebe uma carta de sua tia Wanda (que nunca havia se apresentado antes para a sobrinha), pedindo para que Ida fosse até sua casa, conhecê-la. Ao chegar na casa de sua única parente, Ida e Wanda saem em busca dos pais da garota - provavelmente mortos na Segunda Guerra - já que eram judeus.

É então que temos um road movie com cenas fortes, comoventes e visualmente marcantes. Filmado em branco e preto, passeando por uma Polônia fria e sucateada, Ida também é bastante silencioso: são poucos diálogos e uma trilha sonora quase inexistente. Só ouvimos música quando, por exemplo, a tia toca música clássica em sua vitrola, ou quando elas ouvem uma banda tocando John Coltrane.

A maneira sóbria com que o filme é contado, não apenas dando destaque aos personagens, mas também ao ambiente em seu redor, é bastante impressionante. Oras de maneira explícita, oras de maneira sutil, vemos os impactos que a caça aos judeus e a chegada do comunismo causaram na vida da dupla protagonista.

Além dos fantasmas da Segunda Guerra, Ida também não deixa de ser uma história de autoconhecimento. Não vou dar mais detalhes da trama para não estragar as surpresas do roteiro, ainda que o trailer o faça (particularmente, eu não assistiria o trailer antes de ver o filme...).

A forte e comovente história transcorre em ritmo lento, pouco dela nos é revelada a cada cena. Entretanto, nos últimos 15 minutos tudo muda, com os fatos acontecendo muito rapidamente. É tão rápido que isto atua contra o filme, "quebrando" um pouco seu clima e tornando-o razoavelmente inverossímil.

Ida tem sim uma bela fotografia, o que justificaria sua indicação ao Oscar. Mesmo assim, como as imagens já costumam mesmo ser mais fortes e bonitas em branco e preto, não deixo de brincar que se utilizar desta técnica não deixa de ser uma forma de trapaça. Ainda sobre o assunto, interessante citar que em boa parte das cenas a câmera está fixa ao chão, deixando as mesmas estáticas. E o filme foi rodado sob o formato 1,33:1 (aquele formato quadradão, usado antigamente ainda na época do cinema preto-e-branco, mesmo recurso utilizado em O Artista (2011)).

Curiosidade: a jovem e bela Agata Trzebuchowska fez em Ida sua primeira e provavelmente última participação em um filme. O diretor Pawel não encontrava a pessoa certa para o papel principal, até que uma de suas amigas viu Agata em um café, tirou uma foto dela e a enviou para ele, que então a chamou para testes. Por gostar dos filmes de Pawlikowski e por ter gostado do roteiro, Agata topou o desafio e até hoje, ainda que de maneira um pouco indecisa, mantém que não seguirá a carreira de atriz.

Mesmo com um final não tão inspirado, a "viagem" através de Ida vale a pena. Tanto seu roteiro quanto seu visual impressionam. Nota: 7,0

Crítica - Selma: Uma Luta Pela Igualdade (2014)

Título: Selma: Uma Luta Pela Igualdade ("Selma", EUA / Reino Unido, 2014)
Diretor: Ava DuVernay
Atores principais: David Oyelowo, Carmen Ejogo, Tom Wilkinson, Tim Roth, Oprah Winfrey, Stephan James
Trailerhttps://www.youtube.com/watch?v=YTeoBztX_KI
Nota: 8,0


O mais emocionante dentre os candidatos a Melhor Filme do Oscar 2015

No momento que escrevo este texto, já assisti 7 dentre os 8 filmes concorrentes ao Oscar de Melhor Filme de 2015 (só falta o Sniper Americano). Mesmo assim, já arrisco a afirmar que se Selma não for o melhor filme dentre eles, é certamente o mais comovente.

Em mais um filme baseados em fatos históricos, Selma conta a história da grande passeata de 1965 liderada por Martin Luther King, um protesto pacífico clamando pela aprovação de uma lei Federal que garantiria de vez que os negros tivessem direito a voto nos EUA. A caminhada, que foi entre as cidades de Selma a Montgomery, teve um motivo especial para se localizar nesta região do Alabama: Selma era uma das cidades mais racistas dos EUA naquela época.

Dirigido por Ava DuVernay, que também co-roteiriza o filme, Selma não perde tempo com introduções e vai direto ao assunto: começa com o já famoso Martin Luther King (David Oyelowo) recebendo seu Nobel da Paz em 1964 e a partir daí praticamente dedica todo seu filme exclusivamente a contar sobre a passeata em Selma: desde seus preparativos, passando pelos seus bastidores (tanto do lado do governo dos EUA quanto do lado da equipe de King), e concluindo na realização do protesto em si.

O filme é belíssimo, e emocionante. Não dá para não sofrer junto com os protagonistas ao testemunhar tanta violência e tanto preconceito... e o mais chocante: em um contexto tão recente, ou seja, há apenas 50 anos atrás.

Tecnicamente, o filme é bom e agrada em todos os aspectos. Não há nenhum grande problema em Selma. Ao mesmo tempo, também não há grandes destaques. As principais qualidades do filme vão para o seu roteiro (com diálogos inspiradíssimos) e para sua trilha sonora, muito bonita.

Mesmo sem nenhum grande destaque individual, Selma é recheado de boas atuações. E o número de personagens que passam pelo filme é bem grande. Felizmente, todos atuam de maneira crível, séria e competente... até a Oprah (que interpreta a ativista Annie Lee Cooper) convence.

Há dois pequenos pontos que não gostei... o primeiro dele se chama "letreiros". Para reforçar o fato de que Martin Luther King era vigiado o tempo todo pelo FBI, o filme é interrompido com certa frequência com letreiros "do FBI gravando os dados em seus arquivos". Intrusivos, estes textos quebram o ritmo da história. Mas há outro "letreiro" que desagrada: aqueles famosos textos explicativos de final de filme, que mostram como cada personagem "terminou sua história real" são exibidos durante o discurso final de King. E é muito difícil prestar atenção ao mesmo tempo no discurso e nas informações dos demais personagens, jogadas na tela.

O outro pequeno ponto que me desagradou foi o excesso de closes em King, focando a todo momento em suas emoções... como ele se comovia e sofria com cada ato racista. Mesmo que isto seja verdadeiro, entendo que houve um certo exagero, deixando algumas cenas piegas.

Selma estreou nos EUA e causou enorme polêmica. O motivo principal: a maneira como que o então presidente Lyndon B. Johnson (Tom Wilkinson) é retratado. No filme, ele não chega a ser um "vilão", mas entra em conflito com King em diversas vezes. Alguns historiadores e antigos assessores do falecido ex-presidente se indignaram com esta visão, afirmando que LBJ tinha ótimo relacionamento com Martin e que ele apoiou desde o início a passeata em Selma. Em sua defesa, a diretora Ava DuVernay disse que os protestos são exagerados, e que como arte, seu filme não precisa ser historicamente perfeito. Polêmicas a parte, tirando Lyndon Johnson, o filme é considerado bastante correto historicamente.

Um fato a lamentar é que, independente do resultado do Oscar no próximo domingo, Selma já foi injustiçado. Com problemas na distribuição do filme para os votantes, a explicação dos especialistas para que Selma tenha tido apenas duas indicações é que efetivamente pouca gente viu o filme a tempo.

E se levarmos em conta o quanto o Oscar divulga um filme, a injustiça é ainda maior. Vejam o caso de 12 Anos de Escravidão, que também retrata o racismo, e foi indicado a 9 estatuetas, sendo o grande vencedor, ano passado, do Oscar de Melhor Filme: todo mundo o conhece; já Selma, não.

Tanto Selma quanto 12 Anos de Escravidão são muito bons. E embora o último deles seja melhor tecnicamente, em termos de história, me comovi mais com Selma. Talvez porque em 12 Anos de Escravidão vemos o racismo de algumas pessoas contra apenas uma (Solomon), e em Selma vemos milhares de brancos indiferentes a um violento massacre cometido contra milhares de negros (ou talvez simplesmente porque em Selma a diretora foi mais competente ao passar emoções, não sei).

Com diálogos e exemplos de luta à liberdade que servem universalmente e atemporalmente como inspiração a todos nós, Selma é um belíssimo filme que merece ser bem mais visto e falado do que acontece atualmente. Nele vemos negros e brancos juntos em uma só causa. Muito bacana mesmo. Ah: e até vemos o cristianismo tratado de maneira positiva. Nos dias atuais, em que a mídia tenta convencer que religião é algo sempre ruim, esta é uma boa novidade. Nota: 8,0.

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Crítica - Invencível (2014)


TítuloInvencível ("Unbroken", EUA, 2014)
Diretor: Angelina Jolie
Atores principais: Jack O'Connell, Domhnall Gleeson, Garrett Hedlund, Takamasa Ishihara
Trailerhttps://www.youtube.com/watch?v=LqwPbMV-lpA
Nota: 6,0


Uma biografia honesta e bem intencionada, porém contada sem a força que merecia

Invencível é o segundo filme de Angelina Jolie como diretora, e coincidiu de, assim como O Jogo da Imitação (2014) e A Teoria de Tudo (2014), se tratar de uma biografia lembrada pelo Oscar 2015; mais ainda, os três chegaram aos cinemas em um intervalo temporal muito próximo, o que faz do trio filmes "rivais" e que entendo, portanto, ser interessante o processo de compará-los.

Se O Jogo da Imitação é um filme com uma história bem interessante, porém baseado em fatos inventados; se A Teoria de Tudo é igualmente interessante - e muito mais fiel aos fatos reais - porém tem o problema de "esconder" a parte ruim da vida de seus protagonistas, Invencível é o filme historicamente mais correto dos três (ele também "ameniza" sua história, mas não tanto). Infelizmente, entretanto, sua direção e roteiro não conseguiram torná-lo tão interessante quanto aos seus dois concorrentes.

Aqui, temos a história do corredor ítalo-americano Louis Zamperini (Jack O'Connell), que correu pelos EUA nas Olimpíadas de 1936, em Berlim, e posteriormente lutou na Segunda Guerra Mundial, onde foi capturado pelo exército japonês e passou dois anos sendo torturado. O nome original do filme, "Unbroken", só pra variar foi mais uma vez mal traduzido. Ficaria melhor um "inquebrável", que representa muito mais quem foi Zamperini: um homem pobre que lutou contra tudo para ser atleta Olímpico, que sobreviveu a dois acidentes de avião, que ficou mais de 40 dias a deriva em alto mar, passando sede, fome e ataques de tubarões, e que mesmo após 2 anos preso em péssimas condições, permaneceu vivo: sua resistência foi sua grande qualidade.

Baseado em um livro de 2010 de mesmo nome, a história de Louis Zamperini é retratada com enorme fidelidade aos fatos reais. Entretanto, é um filme lento (no mal sentido), carente de ação e surpresas, e com mal desenvolvimento dos personagens. Por exemplo, o roteiro tenta também dar destaque ao companheiros de exército Phil (Domhnall Gleeson) e Fitzgerald (Garrett Hedlund), mas não consegue. Saímos do filme conhecendo tanto da dupla quanto antes do mesmo começar: nada. Não deixa de ser surpreendente termos um roteiro tão "morno" sendo que ele foi escrito pelos irmãos Cohen, que sempre produzem ótimos roteiros para seus filmes.

A história é legal? Sim, é. Mas poderia ser melhor. E fatos reais para torná-la mais interessante não faltam. Erradamente, embora também traga a infância do personagem, Invencível foca basicamente em sua época como prisioneiro, cortando partes muito interessantes da vida de Louis. A história de como ele virou um atleta Olímpico é breve demais, e pula passagens curiosas: sabiam que após sua impressionante performance na última volta dos 5000 metros, Zamperini foi convidado pessoalmente por Hitler a conhecê-lo em seu escritório? E que após o ditador deixar a sala, Louis roubou uma de suas bandeiras, como recordação? (tudo isto aconteceu antes da guerra, claro).

E o que dizer da parte pós guerra, completamente ignorada? Pois saibam que Louis passou anos sofrendo com pesadelos, se afundou na bebida, e era obcecado por voltar ao Japão apenas para se vingar dos seus captores. E que mais uma vez suportou esta fase ruim e, (re)convertido ao cristianismo, optou pelo perdão e enfim atingiu a paz.

Mesmo bastante verídico, talvez para não desagradar os japoneses, Invencível ameniza os sofrimentos de Zamperini. Por exemplo, ele passou por muito mais surras e torturas do que o filme mostra. Mais ainda, foi cobaia de experimentos médicos e por muito pouco não morreu. Já o perigoso Watanabe (Takamasa Ishihara) foi muito, mas muito mais instável do que o filme apresenta. Ora tratava os prisioneiros bem, ora muito mal. Insano, batia nos americanos diariamente, e em seus acessos de loucura gritava e chorava. É mais um personagem que não foi desenvolvido como deveria.

Tecnicamente, Invencível apresenta uma boa fotografia (embora eu considere sua indicação para o Oscar bem exagerada), bom figurino, e uma trilha sonora omissa, que contribui para a falta de emoção da película.

Claro, apesar de todas as falhas acima, repito que o filme ainda possui momentos interessantes, e portanto vale a pena conhecer Louis Zamperini mesmo assim. Sua história é muito bonita e admirável. Impressionada pelo heroísmo e resiliência do ex-corredor, Angelina Jolie ficou muito próxima de Zamperini durante a produção do filme. Infelizmente, Louis faleceu alguns meses antes do filme estrear, de pneumonia, quando estava com incríveis 97 anos.

A grande força de Invencível vem de que sua história é real. Bem real. E mesmo que peque em contá-la sem a intensidade que deveria, ainda é um filme que vale a pena ser conhecido. Nota: 6,0


A diretora Angelina Jolie e o verdadeiro Louis Zamperini, em foto de 2013

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Crítica - O Jogo da Imitação (2014)

TítuloO Jogo da Imitação ("The Imitation Game", EUA / Reino Unido, 2014)
Diretor: Morten Tyldum
Atores principaisBenedict Cumberbatch, Keira Knightley, Matthew Goode, Charles Dance, Mark Strong
Trailerhttps://www.youtube.com/watch?v=GxokSkSqF5E
Nota: 7,0


Mesmo exagerando na ficção, um bom filme sobre um grande nome do século XX

O Jogo da Imitação é um filme que conta a história de Alan Turing, matemático britânico que é considerado o "pai da Computação". Apesar de contar um pouco de sua infância, e também de seus anos finais, o foco da história acontece durante a Segunda Guerra Mundial, onde Turing foi um dos principais responsáveis pela quebra dos códigos produzidos pela máquina Enigma (máquina de criptografia alemã que permitia os nazistas trocar todas as suas informações de maneira aberta, via rádio, já que eram "impossíveis" de ser decifradas). O deciframento dos segredos do Enigma foi um grande fator para a posterior vitória dos Aliados na 2ª Grande Guerra.

Com uma história bem interessante e bem humorada, boa fotografia, boa trilha sonora e boas atuações, O Jogo da Imitação é um belo filme cujo maior destaque, claro, fica para a atuação de Benedict Cumberbatch como Alan Turing. Fazendo um papel que lhe exigiu alguns maneirismos e uma considerável diversidade de emoções e expressões, sua indicação para o Oscar de Melhor Ator é bastante merecida. Ele leva o filme nas costas. Gosto bastante de Cumberbatch, é um dos atores que me chamam bastante a atenção atualmente. Entretanto, ele parece estar se especializando em personagens retratados como "grandes gênios arrogantes e esquisitos". Gostaria de vê-lo variando mais em seus filmes.

A bela Keira Knightley também foi indicada ao Oscar (de Melhor Atriz Coadjuvante), interpretando Joan Clarke, amiga de Alan. Embora sua atuação seja competente, é ao mesmo tempo discreta e portanto considero a indicação exagerada.

Sendo ambas biografias de gênios das ciências exatas, lançadas nos cinemas em épocas muito próximas, e até sendo "rivais" na disputa do Oscar, é impossível deixar de comparar O Jogo da Imitação com A Teoria de Tudo. E as semelhanças entre ambos são muito grandes: os dois filmes são filmes bem "conservadores", que seguem uma fórmula bem tradicional para agradar o público e os votantes do Oscar.

Se por um lado A Teoria de Tudo tem como defeito o fato de evitar conflitos a qualquer preço, O Jogo da Imitação, por outro lado, até traz alguns dramas e conflitos, porém são fantasiosos em sua maioria. Com uma rápida pesquisa, pode se encontrar um número assustadoramente grande de inconsistências entre a história real e a apresentada no filme.

Eis alguns exemplos: a máquina criada por Turing (e não só por ele) nunca se chamou "Christopher", e sim "Bombe"; o "espião russo" sequer trabalhava no time de Turing; Alan sabia sim da doença do amigo de infância; não havia nenhum "irmão" prestes a morrer naufragado quando o código foi quebrado; Turing ficou noivo de Joan porque realmente se interessou nela, e não para garantir que os pais a deixassem no programa; não há registro que Turing e o agente da MI6 Stewart Menzies (Mark Strong) se encontraram uma única vez... e principalmente: embora Alan Turing também tenha mesmo sido uma pessoa reservada, excêntrica e "esquisita", ao contrário que o filme mostra, ele tinha amigos, era divertido, com bom humor e bom relacionamento com os colegas de trabalho.

É como se a verdadeira história de Turing não fosse interessante suficiente. Um verdadeiro desrespeito. Mas pelo menos, no todo O Jogo da Imitação apresenta a história de Alan Turing para o grande público, o que é muito positivo, afinal até hoje ele é um herói pouco conhecido.

Não bastando as inconsistências, algumas cenas "jogadas" na tela ficam sem explicação, o que ou é um erro de roteiro, ou um erro de montagem. Exemplos: sabem as cenas em que Turing aparece correndo? Pois é, faltou o filme explicar que em parte de sua vida, Alan se dedicou a correr maratonas, obtendo tempos próximos aos melhores tempos mundias da época. E quanto ao fato dele estar recolhendo cianeto do chão logo no começo do filme? Explicarei esta cena em meu "PS" após o texto.

Assim como em A Teoria de TudoO Jogo da Imitação é um filme bonito e feito para agradar todos os públicos, tornando a experiência de assisti-lo algo bem agradável. E embora eu considere o segundo citado levemente superior ao primeiro - o que lhe garantiria uma nota 7,5 - como não dou mais notas "quebradas", o filme leva Nota 7,0.


PS: isto não é necessariamente um spoiler, mas comentarei sobre a morte de Alan Turing. Se não quiser ler isto antes de ver o filme, veja depois. O Jogo da Imitação simplesmente fala - sem mostrar nenhuma cena - que Turing se suicidou. Na verdade, esta é a versão oficial da justiça britânica, mas a morte dele ainda é cercada de muito mistério. Há quem considere que sua morte foi um acidente, ou até mesmo, assassinato. O fato é que ele foi encontrado morto, em sua cama, com uma maçã mordida caída no chão. Turing morreu devido a ingestão de cianeto (eis a ligação que faltou com a cena de cianeto no início do filme, que citei anteriormente), e especula-se que a maçã estava envenenada. Pois é: "especula-se", já que a justiça britânica estranhamente nunca submeteu a maçã em análise.
Curiosidade: há a lenda que o logotipo da empresa Apple (uma maçã mordida) é uma homenagem a Alan Turing. Entretanto, isto não passa mesmo de um boato.

sábado, 31 de janeiro de 2015

Crítica - Birdman ou (a Inesperada Virtude da Ignorância) (2014)

Título: Birdman ou (a Inesperada Virtude da Ignorância) ("Birdman", Canadá / EUA, 2014)
Diretor: Alejandro González Iñárritu
Atores principais: Michael Keaton, Zach Galifianakis, Emma Stone, Edward Norton, Naomi Watts, Andrea Riseborough
Trailerhttps://www.youtube.com/watch?v=n7kPKVxuz6k
Nota: 8,0


Incomum no texto e forma, um belo filme que poderia ter sido ainda melhor

Birdman é um filme... diferente. Primeiramente, diferente em sua história. Ok, não é algo original, mas é um tema não tão explorado: os bastidores de uma produção teatral. Ou melhor, não é isto. São os dilemas, as dificuldades de um ator de ação dos cinemas tentando ser produtor / escritor / ator na Broadway. Mais ainda: um retrato de que os atores necessitam ser amados, gostam de ser admirados, ou então, que querem ficar marcados na história por ter "feito arte".

A história é exatamente esta: Riggan (Michael Keaton) foi um grande sucesso como ator de super-herói nos cinemas, sendo o personagem Birdman. Vinte anos depois de seu último filme, ele tenta voltar ao sucesso, agora no teatro. Angustiado por não ser reconhecido por seu talento, a sombra de Birdman o atormenta: seja pelo desprezo que os críticos de teatro têm por ele, seja pelos "surtos" que ele sofre, ouvindo vozes - e até tendo visões - de seu antigo alter-ego, misturando fantasia e realidade.

Birdman também é diferente em sua forma. Principalmente, por abusar dos planos-sequência (cenas filmadas ininterruptamente, sem cortes). Na verdade, o diretor mexicano Alejandro Iñárritu tenta apresentar seu filme como uma sequência só. Vale alertar que Birdman não é composto verdadeiramente de um único plano-sequência, como foi o filme Arca Russa (2002). Ele está muito mais próximo de Festim Diabólico (1948), de Alfred Hitchcock, que usou vários planos-sequência unido-os com "cortes imperceptíveis". O genial Hitchcock não tinha os recursos Iñárritu teve. Com isto, se no filme do diretor britânico os cortes não eram tão "imperceptíveis" assim, aqui em Birdman este efeito é bem mais eficiente graças a computação gráfica. Temos a impressão de estarmos realmente diante de 2 horas de filme sem cortes. Uma novidade apresentada é a inclusão de elipses dentro dos planos-sequência.

A câmera, que segue os atores conforme os mesmos andam  pelos corredores indo de um cenário para outro, também foca bastante em closes, mostrando um olhar mais intimo dos personagens. E a fotografia é belíssima, primorosa, não a toa indicada ao Oscar. O nome por trás deste espetáculo visual é o também mexicano Emmanuel Lubezki, responsável, por exemplo, pela fotografia de Gravidade (2013), A Árvore da Vida (2011) e Filhos da Esperança (2006), todos estes também um deleite para os olhos.

Então temos um bom roteiro, com diálogos inspirados, e uma técnica de filmagem difícil, interessante, de qualidade. Tudo para fazer de Birdman um grande filme. Entretanto, infelizmente, Iñárritu comete alguns erros em ambos os quesitos.

Na parte técnica, pelo menos a primeira meia hora do plano-sequência chega a causar vertigem, de tanto que a câmera gira e se mexe em torno dos personagens. Passado este começo, então os planos se estabilizam bastante, tornando tudo mais agradável. Já a palavra que define a trilha sonora de Birdman é: incômodo. Todos os momentos que Riggan se encontra em estado de tensão, ouvimos no fundo uma mesma sequência de bateria, toda descompassada. É a mesma sequência, o tempo todo, irritante ao extremo. E pior: talvez por deslize do diretor, algumas cenas onde se ouve a bateria não contam com Michael Keaton na tela, o que é no mínimo estranho.

Quanto ao roteiro, se o mesmo possui bons diálogos, várias situações engraçadas e debates interessantes, seu final é bem mal executado; ou melhor, ele é pretensioso e desnecessário. Se o filme tivesse 5 minutos a menos, teria sido muito melhor. Em meu "PS", ao final do texto, explico o que não gostei do fim.

Birdman foi indicado a 9 Oscars, Dentre eles o de Melhor Filme, o de melhor Ator (Michael Keaton), o de melhor Atriz Coadjuvante (Emma Stone) e o de melhor Ator Coadjuvante (Edward Norton).

Emma está bem, mas acho a indicação exagerada devido a participação dela ser pequena. Edward Norton, este sim está muito muito bem. É a grande atuação do filme e rouba a cena. Mas se Norton é quem chama a atenção, o que dizer do protagonista, Michael Keaton? A atuação dele é irregular. Sim, ele tem alguns momentos excelentes, bastante admiráveis, mas também em várias cenas ele parece estar apenas "declamando", um verdadeiro canastrão. Portanto, a indicação ao Oscar de Keaton pela atuação é para mim questionável. Porém, pelo seu "esforço", a indicação é compreensível: decorar todas as falas e atuar sem poder errar nos enormes planos-sequência do filme não é uma tarefa fácil.

Ainda sobre as indicações do Oscar: eu havia ficado surpreso que a Academia tenha prestigiado tanto um filme que flerta com o assunto super-heróis, que eles tanto menosprezam. Mas após assistir Birdman, acho que entendi a escolha dos votantes: é que se trata de um filme metalinguístico. Fala, por exemplo, da indústria do cinema e da indústria do teatro, do cinema versus teatro, dos filmes blockbuster versus filmes "de conteúdo", de como uma peça é montada, fala sobre críticos e mídia, e finalmente, há bastante mistura entre a história com o mundo real: assim como o personagem Riggan / Birdman, Michael Keaton também estrelou Batman cerca de 20 atrás e "sumiu" depois disto; Edward Norton interpreta um problemático ator baseado em uma versão exagerada dele mesmo. E há outros exemplos deste tipo ao longo da produção.

Resumindo, Birdman ou (a Inesperada Virtude da Ignorância) é um filme tecnicamente muito muito bom, com roteiro bastante interessante, com ótimos diálogos e conflitos. e tinha a chance, por suas qualidades, de ser um filme memorável. Entretanto, devido ao seu primeiro ato e ao seu ato final - ambos problemáticos - Birdman falha no fazer História. Mesmo que bastante impressionante, o máximo que consigo dar para ele é dar uma Nota 8,0.


PS: sobre os últimos 5 minutos do filme (NÃO leiam aqui antes de tê-lo assistido, é spoiler): Riggan tenta se matar, ou apenas chamar a atenção com seu tiro? A resposta, para mim, é a primeira opção, principalmente pela "estranha frieza" do personagem, ressaltada pelo comentário de sua ex-esposa. Sendo assim... o cara atira apenas no nariz? Implausível. Finalmente, durante o filme todo são evidentes as "dicas" de que os "super-poderes" de Riggan são apenas delírios... até que a cena final  é a única verdadeiramente ambígua neste quesito. Em meu entendimento, a resposta é que a cena também é um delírio... mas precisava lançar esta dúvida? Bastante desnecessário. Para mim Iñárritu optou desonestamente por este final apenas para tornar seu filme mais falado e discutido, mesmo recurso utilizado por Nolan em A Origem, o qual desaprovo em ambos os casos.

Atualizado em 15/02/15: após refletir, subi a nota do filme de 7,0 para 8,0 e acrescentei algumas informações novas ao texto.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Crítica - A Teoria de Tudo (2014)

Título: A Teoria de Tudo ("The Theory of Everything", Reino Unido, 2014)
Diretor: James Marsh
Atores principais: Eddie Redmayne, Felicity Jones, Charlie Cox, David Thewlis, Maxine Peake

Longe de uma biografia de Stephen Hawking, uma bela história sobre dedicação e relacionamentos

Conforme já alerto no sub-título desta crítica, A Teoria de Tudo não é uma biografia sobre o famoso físico Stephen Hawking. Baseado em um livro de memórias de nome Travelling to Infinity: My Life with Stephen, escrito pela sua companheira de longa data, Jane Wilde Hawking, o filme é na verdade a história de Stephen e Jane juntos.

E a história contada é muito bonita, romântica, inspiradora; que certamente agradará todos os públicos. Ela vai do início do relacionamento dos dois, ainda bem jovens, no primeiro ano de faculdade (quando quase na mesma época Hawking descobre que possui a doença degenerativa da esclerose lateral amiotrófica (a famosa "ELA" dos baldes de gelo)) até eles chegarem no início da velhice, na casa dos 50 e poucos anos de idade. O filme até passa de relance por algumas descobertas e frases famosas do físico. Mas se você quiser conhecer a obra de Stephen, este não é seu filme.

As principais qualidades de A Teoria de Tudo são o fato de que sua bela história é real, contada por uma trilha sonora competente, e principalmente, as ótimas atuações de Eddie Redmayne e Felicity Jones (respectivamente, o casal Stephen e Jane). Não a toa a trilha sonora e os dois atores foram indicados ao Oscar.

Felicity Jones tem uma atuação bem versátil: ela convence como a jovem apaixonada e inocente do início do filme, como também convence como a mulher madura e cansada do final. Consegue ser uma personagem forte apesar da aparência delicada. Uma bela aula de interpretação.

Mas o trabalho dela acaba sendo eclipsado pela soberba atuação do britânico Eddie Redmayne. Ele consegue ser tão "esquisito e carismático" como Hawking é. E principalmente, sua transformação física (ou melhor, degeneração), é representada de maneira brilhante. Parece que estamos mesmo diante de um paralisado Stephen Hawking nas telas. Entendo que Eddie é o favorito  para levar o Oscar de Melhor Ator deste ano. E por enquanto, é meu favorito também.

Teria A Teoria de Tudo algum defeito? Sim: a história é perfeita demais. O roteiro nos apresenta Stephen e Jane como o casal perfeito, um exagero. Melhor dizendo, ele evita a qualquer custo apresentar conflitos na tela. Ok, os conflitos até existem: as dificuldades com a doença, o ciúmes que o casal possui um do outro, a teimosia de Hawking... porém tudo isto é mostrado de maneira extremamente sutil. Você vê um olhar triste por 2 segundos e... voilá... já aparece algo alegre para desviar nossa atenção e voltarmos para o mundo perfeitamente feliz apresentado.

Apesar de ignorar completamente as "partes ruins", Stephen Hawking assistiu o filme antes do mesmo estrear nos festivais e ficou bastante satisfeito, elogiando bastante a atuação de seu intérprete e considerando a história como "amplamente verdadeira" (em suas palavras: "broadly true"). Tanto que gostou, que então ofereceu sua própria voz metálica para ser utilizada no filme, o que foi aceita prontamente pela produção.

O filme se encerra com um belíssimo discurso de Hawking, que é uma síntese do grande homem que ele é. Sua mensagem, sua perseverança, tudo é tão grande que em sua homenagem quebro meu padrão e acrescento final do texto duas fotos-homenagem.

Feito para ser belo e não desagradar ninguém A Teoria de Tudo é mais um filme desta safra recente nos cinemas que tem em sua força ser baseado em uma história real e ser agraciada com grandes atuações. Nota: 7,0

Um momento de rara beleza: em 2007, já com 65 anos, Stephen Hawking participa de um experimento de gravidade zero junto a astronautas. Em suas palavras: "Foi um momento que temporariamente removeu minha deficiência. Uma sensação de verdadeira liberdade" 

Os verdadeiros Stephen Hawking e Jane Wilde posando junto com seus competentes interpretes Eddie Redmayne e Felicity Jones em foto de 2014

Gosta de suspense e terror? Você deveria conhecer Locke & Key

Locke & Key é uma série de HQs de terror/suspense que já de cara deveria chamar a atenção devido ao nome de seu escritor: Joe Hill...