“Ótima comédia francesa ensina a fazer humor com classe”.
A primeira descrição que li sobre “Intocáveis” foi algo mais
ou menos assim: “milionário tetraplégico contrata ex-presidiário para ser seu
auxiliar”. Ou seja, uma história já repetida a exaustão por filmes de “Sessão
da Tarde” feitos a toque de caixa. E de fato, se a história possui mesmo
diversas situações “clichê”, a maneira como ela é contada é que a torna
especial.
Francês, o filme já mostra ser diferente em suas piadas. As
comédias atuais costumam trazer dois tipos de humor: ou temos piadas “físicas”,
com personagens trapalhões tropeçando ou derrubando objetos; ou principalmente, temos o humor do “grito
e palavrões”. Ou seja, quanto mais xingamentos, e quanto mais desesperado/revoltado
o “comediante” está, mais “engraçada” é a piada. Porém, “Intocáveis“ surpreende
ao trazer excelentes piadas ao longo de todo filme sem usar palavrões nem
piadas físicas (e notem que o simples fato de um dos protagonistas ser
tetraplégico seria um prato cheio para vê-lo caindo, por exemplo).
Engana-se, entretanto, que este humor “com classe” não é
políticamente incorreto. Muito pelo contrário. A maioria das piadas são sobre deficiência
física, sobre pobreza. Mas tudo isto é feito sem ofender. O segredo? Seus
personagens. Eles não fazem humor para humilhar ou agredir ninguém. Fazem humor
por serem naturalmente otimistas, por se preocuparem cada um em levantar o
ânimo do outro. Fazem humor pela amizade.
Outra abordagem que foge um pouco do comum é a opção por
cenas mais privadas. O rico Philippe (François Cluzet) não procura usar seu
contratado Driss (Omar Sy) para reintroduzí-lo à sociedade. Ao contrário, Philippe é bem
reservado, quase não sai de casa (ele até possui um amor platônico), e portanto a maioria das cenas são rodadas
dentro de sua mansão.
O filme é baseado numa história real, e por isto mesmo, me
agradou bastante ver os diretores (Olivier Nakache e Eric Toledano) optarem por
soluções que reforçam o realismo do filme. Por exemplo, as cenas são filmadas
em plano fechado, colocando o espectador “ao lado” dos personagens. E assim como na sua
vida real você não sai ouvindo por aí uma trilha sonora na sua cabeça, em boa parte do tempo não
temos nenhuma música ao fundo. E quando temos, além de serem ótimas para se
ouvir, na maioria dos casos refletem o que os próprios personagens ouvem. Como
a música em um concerto, por exemplo.
Para fechar o pacote, os dois atores principais são
excelentes. Cluzet convence como tetraplégico; e Omar Sy é engraçadíssimo. Por
esta atuação, Sy levou o César de melhor ator em 2012. Aliás, mesmo os atores coadjuvantes também convencem com boas atuações.
Tantas qualidades resultaram em sucesso de crítica e público.
“Intocáveis” já é o filme francês mais assistido da história no exterior
(superando o antigo campeão “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain", de 2001),
e também o segundo filme mais assistido na França em todos os tempos (perde
apenas para "A Riviera Não é Aqui", de 2008).
Vendido como comédia e drama, “Intocáveis” também possui
suas cenas dramáticas, que inclusive emocionam. Mesmo assim, o drama não é
muito aprofundado. Para o filme, e para seus personagens, o que vale mesmo na vida é o humor.
Nota: 8,0.