domingo, 31 de agosto de 2014

Crítica: Magia ao Luar (2014)

Título: Magia ao Luar ("Magic in the Moonlight", EUA, 2014)
Diretor: Woody Allen
Atores principais: Colin Firth, Emma Stone, Howard Burkan

Mais um agradável filme de Woody Allen

Assim como fizera recentemente em Meia-Noite em Paris (2011), Woody Allen retorna a França, nos anos de 1920. Porém diferentemente do filme citado, em Magia ao Luar estamos no campo, e a ambientação pouco faz diferença ao filme, já que sua trama é atemporal.

Na história, Stanley (Colin Firth) é secretamente um dos maiores mágicos do mundo, e publicamente, um ranzinza "desmascarador de charlatões". Logo após um de seus shows seu amigo de infância Howard (Simon McBurney), também mágico, diz ter encontrado uma garota que se diz médium, mas que apesar de seus esforços, não consegue desmascará-la. E pior, ela está prestes a ganhar bastante dinheiro de uma rica família, cuja matriarca (Jacki Weaver) e filho (Hamish Linklater), acreditam cegamente nos poderes da moça.

É então que Stanley parte para a França, com a nobre missão de "salvar inocentes". Ao chegar, conhece a tal médium, a bela Sophie (Emma Stone) e, aos poucos, também testemunha seus poderes, o que lhe deixa perplexo. Curioso observar a decisão de Woody Allen de, ao mesmo tempo que nos mostra que os poderes da garota são verdadeiros, faz que tanto ela quanto sua mãe (Marcia Gay Harden) se comportem como vigaristas, se mostrando interessadas no dinheiro de suas "vítimas", o que inteligentemente deixa o espectador o tempo todo em dúvida.

O velho Stanley é arrogante, científico, ateu, e ao mesmo tempo, extremamente irônico, e ataca Sophie com suas piadas o tempo todo. Mas este perfil o torna um personagem muito engraçado e divertido. O personagem de Colin Firth torna o filme bastante agradável para se assistir. Isto somado, é claro, aos diálogos inteligentes, as paisagens bucólicas, e também, por que não, à boa atuação de Emma Stone.

Também passando o tempo todo por assuntos como religião, fé, vida após a morte - mas tudo de maneira cotidiana - Magia ao Luar não consegue deixar de flertar com o romance. O que pra mim enfraqueceu um pouco o filme, que poderia ficar apenas na comédia, mas força ao fazer Sophie se interessar por Stanley. De qualquer forma, é um bonito romance, e certamente satisfatório para o público.

Tecnicamente falando, Woody Allen comete alguns deslizes que até chegam a ser costumeiros, já que ele é pouco detalhista. Algumas cenas, principalmente as externas, aparecem um pouco fora de foco, e, embora bastante apropriada, a trilha sonora é bem repetitiva. Mais uma vez, o forte de Allen é seu roteiro, com ótimo humor, surpresas, é ótimos diálogos.

Se traz um Woody Allen "automático", Magia ao Luar é um pouco diferente ao trazer personagens mais carismáticos que o de costume. Como resultado final, o filme se apresenta como uma comédia romântica bem agradável para se assistir. Nota: 7,0

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Crítica - Os Mercenários 3 (2014)

Título: Os Mercenários 3 ("The Expendables 3", EUA / França, 2014)
Diretor: Patrick Hughes
Atores principais: Sylvester Stallone, Jason Statham, Harrison Ford, Arnold Schwarzenegger, Mel Gibson, Wesley Snipes, Dolph Lundgren, Randy Couture, Terry Crews, Kelsey Grammer, Glen Powell, Antonio Banderas, Victor Ortiz, Ronda Rousey, Kellan Lutz, Jet Li

Trazendo mais do mesmo, franquia se mostra esgotada

Imagino que você já conheça a franquia Os Mercenários. Se não conhece, leia sobre ela aqui, em minha crítica do segundo filme.

Após dois anos, Stallone retorna com sua trupe aos cinemas. Sabendo muito bem que não seria o roteiro que convenceria o público para mais um filme, Sylvester e o produtor Avi Lerner tentaram trazer mais nomes de ação de "peso". Procuraram por Steven Seagal, Nicolas Cage, Chuck Norris, Jackie Chan, Milla Jovovich, Clint Eastwood, Harrison Ford e Wesley Snipes. Porém, só os dois últimos vieram. A solução foi trazer Mel Gibson, Antonio Banderas, e vários nomes jovens desconhecidos. Embora não dito oficialmente, entendo ser bem provável que todos estes novatos foram o "plano B" para o elenco. Por exemplo, a lutadora de UFC Ronda Rousey - que aqui como atriz é péssima - muito provavelmente herdou o papel que seria da Jovovich.

Para piorar, dois nomes importantes não voltaram: Chuck Norris e Bruce Willis. Quanto a este último, que não renovou por não chegar em acordo financeiro pela participação, recebeu duras críticas de Stallone, que o chamou de "ganancioso".

Não contando com os atores "ideais" portanto, Os Mercenários 3 aposta na quantidade. De novo. E trazendo mais personagens do que nunca. No topo desta matéria vejam que são 16 os nomes que dividem a atenção do expectador.

Assim como no filme anterior, Os Mercenários 3 começa com a adrenalina no alto, com uma longa e muito boa cena de ação. E por falar em Os Mercenários 2, desta vez uma de suas maiores falhas foi corrigida: quase todos os personagens são igualmente desenvolvidos, tendo cada um "seus momentos em cena". A lamentar, foi a maneira que isto foi atingido: não foi melhorando o roteiro (pelo contrário, conseguiram piorar), mas simplesmente, aumentando o tamanho do filme! São 2h06min de projeção contra 1h43min dos dois episódios anteriores.

A história (se é que podemos considerar que há alguma) se divide em três atos. O primeiro, onde os Mercenários "velhos" tentam matar o vilão Mel Gibson mas falham; o segundo, onde Stallone troca seus antigos parceiros por um um grupo "sangue novo", causando conflito entre os dois times; e o terceiro, onde todos se juntam para "a batalha final" contra o ex-William Wallace.

Dos três atos, apenas o primeiro entretém. Os outros dois também possuem alguns bons momentos, tanto de ação quanto de humor, mas em geral, são bastante repetitivos e portanto, cansativos. O ato final se encerra com um tiroteio que dura mais de 20 minutos, sem parar. Praticamente impossível não se cansar assistindo.

Usando à exaustão a mesma fórmula dos dois filmes anteriores, o pensamento que me veio assim que a projeção termina foi: "Ok, legalzinho. Mas agora chega". Infelizmente, por mais esgotada que a franquia esteja, Sylvester Stallone ainda cogita um 4º filme. Se ele vier, que tenha uma completa renovação em sua receita. Mas duvido que esta renovação aconteça. Nota: 5,0

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Crítica - Guardiões da Galáxia (2014)

Título: Guardiões da Galáxia ("Guardians of the Galaxy", EUA, 2014)
Diretor: James Gunn
Atores principais: Chris Pratt, Zoe Saldana, Dave Bautista, Vin Diesel, Bradley Cooper, Lee Pace

Visualmente impressionante, com muita ação e humor

Após consolidar-se nos últimos anos como sinônimo de bons filmes e boas bilheterias, reconheçamos que é bem difícil atualmente que a Marvel entregue um filme que não faça sucesso. Mesmo assim, não está errado dizer que o lançamento de Guardiões da Galáxia tinha seu risco. Para começar, direção e roteiro nas mãos do pouco experiente James Gunn, cuja carreira contava com apenas uma direção (Super, de 2010, mas já sendo um filme de super-herói), e como roteiro mais relevante o horroroso Scooby-Doo 2 - Monstros à Solta, de 2004.

Mais ainda, os Guardiões são um grupo muito pouco conhecido dentro das histórias em quadrinhos. Fizeram suas principais aparições na década de 70 e por lá ficaram abandonados até serem ressuscitados somente em 2008, em uma revista própria que atingiu vendas medianas.

Ignorando qualquer previsão desfavorável, Guardiões da Galáxia já estreou batendo recorde de bilheteria (melhor estreia de agosto dos cinemas estadunidenses) e é um filme muito divertido; sem sombra de dúvidas, o melhor da Marvel desde Os Vingadores (2012).

Desta vez, a história contada é uma aventura espacial, repleta de ação, cuja trama não tem muita importância: cinco fora-da-lei: Peter Quill (Chris Pratt), Gamora (Zoe Saldana), Drax (Dave Bautista), Groot (Vin Diesel - vozes) e Rocket (Bradley Cooper - vozes) são os "mocinhos" que se unem para impedir que o "vilão malvado" Ronan (Lee Pace) obtenha um artefato mágico cujo poder é suficiente para destruir planetas.

Notem que dentre todos citados acima, apenas Peter (que se autodenomina "Star-Lord") é terráqueo. E ainda, neste universo alienígena, tanto Groot quanto Rocket são 100% animação por computador. E incrivelmente bem feitas!

O primeiro grande elogio para Guardiões da Galáxia vai para seu visual. Começando pela perfeição dos dois personagens animados citados no parágrafo anterior, passando pelos ótimos efeitos especiais usados tanto nas batalhas quanto na criação dos mundos extraterrestres exibidos, e terminando na grande variedade de cores e modelos nos figurinos, a maioria bem convincente.

O outro grande elogio para Guardiões da Galáxia vai pelo resgate do melhor dos filmes de aventura dos anos 80: boas cenas de ações mescladas com bom senso de humor. O assunto "humor" retomarei depois. Agora, ainda sobre o clima oitentista, é imprescindível destacar a excelente trilha sonora, composta de hits pop dos anos 70/80, e que é praticamente um personagem do filme, chegando até a ser representada fisicamente pela fita cassete que Peter Quill ouve o tempo todo.

Se nenhuma atuação empolga, elas também não comprometem (a atuação mais fraca é a do Dave Bautista). Mesmo assim, os personagens são outro ponto alto da produção. Primeiro porque mesmo com um roteiro raso, ele tem o mérito de conseguir desenvolver seus vários heróis de maneira equilibrada e adequada. E segundo porque o enorme carisma dos personagens supera a atuação dos atores. É impossível não se divertir - e muito - com Groot e Rocket. Particularmente, só não gostei da Gamora. Nos quadrinhos ela é "a maior assassina do universo", já no filme, após sua prisão, ela aparenta fragilidade e pouca personalidade.

O filme também possui alguns defeitos, em geral, no roteiro: além da trama principal simplória, também não foi desta vez que escapamos de ver um "par romântico" sendo formado exclusivamente para agradar o público, mesmo em detrimento da história.

Agora sim, humor: antes dos cinco protagonistas se juntarem, o filme chega até ser sério. Mas depois que eles se encontram, o humor rola solto. E são mesmo muitas piadas, a maioria delas muito boas, principalmente as que subvertem os clichês do gênero e nos trazem ações contrárias ao esperado. Temia que Guardiões da Galáxia fizesse tantas piadas que se perdesse. Felizmente, isto não aconteceu. Entretanto, houve dois ou três momentos em que o humor "passou do ponto" e que me incomodaram. Seria mais ou menos assim: as cenas cômicas que ocorrem devido os personagens serem naturalmente insanos ou atrapalhados, funcionam. Mas as cenas cômicas que ocorrem quando os personagens do nada esquecem que estão com a vida em risco, e resolvem virar humoristas para entreter o público ao redor, estas não funcionam. Mas foram poucas as deste tipo.

Li críticas e comentários comparando Guardiões da Galáxia com Indiana Jones e Star Wars. Em relação ao primeiro, discordo. A primeira cena é, de fato, quase uma cópia de uma cena clássica de Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida. Mas para aí. Não tem há nada de Indiana depois. Já quanto a Star Wars, aí sim a comparação faz mesmo sentido. Do figurino até aos personagens (por exemplo, a relação entre Rocket e Groot é mesma que existe entre Han Solo e Chewbacca), muita coisa se parece. Entretanto, há diferenças suficientes para afirmar que Guardiões está longe de ser uma cópia. Digamos que Guardiões parece com um Star Wars sem misticismo, sem as filosofias da "Força" como plano de fundo... e com super-heróis. Ah, e quando comparo com Star Wars, a comparação só faz sentido em relação a trilogia clássica, por ser igualmente oitentista e de qualidade. Não dá para falar o mesmo da trilogia nova...

Com muitos acertos e poucos erros, Guardiões da Galáxia é diversão pura dentro do gênero aventura. Encerrando com mais uma comparação, Guardiões não é melhor nem pior que Os Vingadores. Guardiões é mais "estável" que Vingadores, pois tem menos altos e baixos. Mas ambos tem o mesmo ótimo nível e valem seu ingresso. Nota: 8,0

PS 1: o 3D de Guardiões é bom. Não bom o suficiente para justificar assisti-lo em 3D, mas bom o suficiente para se divertir um pouquinho a mais que no 2D.

PS 2: como sempre, há uma cena após o término dos créditos. A cena em questão, curtíssima, nada tem a ver com o universo dos Guardiões. Se trata de uma piadinha feita por um personagem, já esquecido, dos anos 80. Para quem conheceu o personagem, a cena agrada. Para quem não o conhece, não vale a pena. E ponto final. Ou melhor, SERIA ponto final se, na semana seguinte à estreia do filme, a Marvel não resolvesse lançar - tanto física como digitalmente - algumas histórias em quadrinhos deste mesmo personagem! Estavam achando que o personagem estava lá apenas para nos fazer ri? Sabem nada, inocentes. É puro dinheiro. Pura ganância. Pô, Marvel... podia ter disfarçado melhor nesta...

segunda-feira, 28 de julho de 2014

O incrível primeiro longa-metragem de animação (ou quase isto)


Que tal um pouco de história do Cinema? O primeiro longa metragem da história, em live-action (filmagem de pessoas reais), foi filmado surpreendentemente ainda no século XIX, em 1897, apenas 2 anos depois da primeira exibição cinematográfica dos irmãos Lumière, com seu curta La Sortie de l'usine Lumière à Lyon ("A Saída da Fábrica Lumière em Lyon").

Este filme, estadunidense, intitulado The Corbett-Fitzsimmons Fight é considerado documentário, já que basicamente registrava a luta (real) de boxe ocorrida entre os dois lutadores cujo nomes aparecem no título. Foram incríveis 1h e 40min de projeção.

O próximo grande passo seguinte aconteceu em 1906, na Austrália, com o filme The Story of the Kelly Gang. Com cerca de 60 min, foi o primeiro drama em longa-metragem e nos trazia a narrativa da vida de Ned Kelly, polêmico criminoso do país no final dos anos 1870. A partir de 1910 os longas começaram a ser produzidos em maior quantidade. Por exemplo, por volta de 1915, a produção anual nos EUA já chegava na casa das centenas.

Já estava na hora, portanto, dos longa-metragens chegarem às animações. O nome do filme que levaria o título de "primeiro longa-metragem" da animação é alvo de controvérsia. Para alguns, foi Creation, filme estadunidense de 1915, feito por Pinto Colvig. Curiosidade: Colvig é muito mais famoso por outros dois fatos: ele foi o primeiro intérprete do palhaço Bozo, e também, a primeira voz do Pateta, da Disney.

Para a maioria, o primeiro longa foi argentino, denominado El Apóstol, feito em 1917 por Quirino Cristiani. A animação era uma pesada sátira ao então presidente "hermano" da época, Hipólito Yrigoyen. Foi sucesso de público e crítica, e a técnica utilizada foi a de animação de recortes.

Creation e El Apóstol compartilham uma essencial semelhança: nenhum deles sobreviveu ao tempo, infelizmente. O que nos leva ao filme que é o verdadeiro tema deste post.

O longa-metragem de animação mais antigo e que ainda existe é um filme alemão de 1926, intitulado Die Abenteuer des Prinzen Achmed ("As Aventuras do Príncipe Achmed"), escrito e dirigido por Lotte Reiniger.

A história é baseada em alguns contos do clássico "Livro das Mil e Uma Noites", em especial, do conto The Story of Prince Ahmed and the Fairy Paribanou. Com cerca de 65 minutos de duração, o filme levou cerca de 4 anos para ser feito. Toda esta demora tem uma explicação: inventada pelo próprio Reiniger, a técnica utilizada foi a de animação de silhuetas, que consiste em uma técnica de stop-motion onde cada quadro é uma "foto" da projeção de cartões de papel contra a luz. Para entender melhor como foi feito, só mesmo assistindo:

O resultado é algo visualmente espetacular. E qualquer um pode conferir esta preciosidade histórica e visual no YouTube. No vídeo abaixo você assiste o filme completo (o filme é mudo, e as poucas partes escritas possuem legendas em inglês). É só clicar abaixo... e se impressionar!






segunda-feira, 21 de julho de 2014

Crítica - Sob a Pele (2013)

Título: Sob a Pele ("Under the Skin", EUA / Reino Unido / Suiça, 2013)
Diretor: Jonathan Glazer
Atores principais: Scarlett Johansson, Jeremy McWilliams, Adam Pearson

Em filme lento e angustiante, a nudez de Scarlett fica em segundo plano

Sob a Pele é apenas o 3º filme do diretor inglês Jonathan Glazer, de 49 anos, que começou sua carreira na direção chamando atenção com Sexy Beast (2000), que chegou a ter uma indicação a Oscar. Misturando drama, terror e ficção científica, Sob a Pele é um daqueles filmes preconceituosamente chamados de "filme de arte", e certamente seria ignorado pelo grande público se não fosse por um detalhe: trazer a nudez total de Scarlett Johansson, assunto que "bombou" na Internet. E olhe que apesar de toda a repercussão, mesmo assim o filme veio ao Brasil em poucas salas. Por exemplo, em Campinas-SP onde moro, há mais de 50 salas de cinema e Sob a Pele só foi exibida em uma delas. Por 5 dias.

Se serve de consolo, as pessoas que iriam aos cinemas pelas cenas de nudez sairiam decepcionadas. Scarlett é belíssima, sem dúvida, mas suas cenas sem roupa são curtas, muito mais tensas do que sexy, e ainda, não são exatamente o foco do filme. Ah, mas não são cenas gratuitas. Elas se encaixam perfeitamente no contexto do filme.

Na história - levemente baseada num livro de Michel Faber de mesmo nome - Scarlett Johansson é uma alienígena recém chegada à Terra, e que utiliza beleza e sedução para atrair vítimas masculinas para sua casa, onde são mortas e cuja carne é aparentemente levada ao seu planeta de origem (o destino dos corpos não é claramente explicado, como muita coisa no filme também não é). Ela é auxiliada por um motociclista (Jeremy McWilliams), também alienígena, que também observa/avalia de longe seu trabalho.

O filme pode ser dividido em duas partes, a primeira é onde vemos a personagem de Scarlett à caça. Ela escolhe homens solteiros, sozinhos, cujo "sumiço" passaria despercebido. Já aí temos uma interessante análise humana. Pois algumas de suas vítimas se interessam por ela, outras não, algumas são supérfluas, outras não.

Então acontece algo imprevisto: a alienígena encontra como presa um jovem portador de neurofibromatose, que possui um rosto inflado e deformado. Solitário, impossibilitado de qualquer contato com mulheres devido sua doença, algo faz a personagem de Scarlett questionar suas ações, o que a leva a libertá-lo imediatamente antes de seu assassínio. Curiosamente, o ator que faz este papel, Adam Pearson, realmente possui a deformidade. O que vemos não é maquiagem, e sim, seu rosto verdadeiro, fato que torna o filme ainda mais comovente.

É então que entramos na segunda e última parte, onde a alienígena precisa fugir do seu ex-comparsa e, ao mesmo tempo, começa a "descobrir" seu corpo humano, passando por experiências distintas durante sua fuga. De caçadora, ela se torna a presa. E em vários níveis. Então acompanhamos sua jornada até ao marcante desfecho.

Extremamente lento, praticamente sem diálogos, mas dando bastante destaque para a fotografia e trilha sonora, Jonathan Glazer filma de uma maneira que fica no meio termo entre Stanley Kubrick e Lars Von Trier. É uma câmera, digamos, contemplativa. De certa maneira, vemos o mundo ao redor com o mesmo estranhamento da personagem principal, a alienígena de Scarlett, que aliás atua bem, mas não a ponto de impressionar.

Um pouco perturbador, Sob a Pele definitivamente não é o filme que agrada o grande público, mas que apesar da trama simples, tem seus méritos pela experiência sensorial e, principalmente, por nos levar a questionar a natureza humana, e também, o eterno conflito da beleza interior vs beleza exterior. Nota: 7,0

domingo, 6 de julho de 2014

Crítica - O Grande Hotel Budapeste (2014)

Título: O Grande Hotel Budapeste ("The Grand Budapest Hotel", Alemanha / EUA, 2014)
DiretorWes Anderson
Atores principaisRalph Fiennes, Tony Revolori, F. Murray Abraham, Jude Law, Saoirse Ronan, Adrien Brody, Willem Dafoe, Jeff Goldblum, Mathieu Amalric, Edward Norton, Tilda Swinton, Jason Schwartzman, Tom Wilkinson, Léa Seydoux, Bill Murray, Harvey Keitel

Mais um divertido filme de Wes Anderson

Dentre os poucos diretores da atualidade que produzem os tais filmes "autorais", o estadunidense Wes Anderson é definitivamente um deles. Seus filmes possuem muitas características em comum, mas, principalmente, são filmes de um humor rápido e de personagens bizarros, e que sempre nos divertem muito.

Como sempre, a história é contada de maneira acelerada, com muitos cortes, várias cenas onde os atores aparecem estáticos e milimetricamente no centro da tela, como tudo se fosse uma pintura. Cores fortes, cenários improváveis, bastante coloridos, e muitos, muitos personagens, todos eles no mínimo excêntricos. Repare acima na lista de atores principais e perceba que também em O Grande Hotel Budapeste não há economia em personagens. Ótimos nomes de Hollywood aparecem mais uma vez reforçando a qualidade das obras de Wes Anderson.

O Grande Hotel Budapeste começa com um interessante exercício de narrativa, em camadas. Vemos uma menina, na fictícia república de Zubrowka de hoje, abrindo o livro sobre o hotel símbolo de seu país, e então somos transportados ao prefácio escrito pelo "autor" (Tom Wilkinson), que por sua vez, quando o livro começa, nos transporta aos anos 60 nos explicando sobre sua entrevista com o dono do hotel, o milionário Moustafa (F. Murray Abraham), que conta sua história.

E são as aventuras do jovem Moustafa na década de 30 - na época um jovem mensageiro de nome Zero (Tony Revolori) - e seu chefe, o concierge Monsieur Gustave H. (Ralph Fiennes), que são a verdadeira trama do filme. Ao longo da projeção, vemos como a propriedade do hotel passou para Gustave, que por sua vez, passou para Zero.

Notem que por mudar para a década de 30, o formato da tela vai para 1,37:1 (um formato quase quadrado, emulando o cinema daquela época, artifício também utilizado em O Artista). Estes "detalhes" são cuidados com esmero em O Grande Hotel Budapeste. O figurino e o cenário são muito bem feitos, nos convencendo da volta ao passado.

Com diálogos afiados e bastante humor, os 100 minutos de projeção passam num piscar de olhos, o que é um ótimo sinal. Comparando com o que considero as melhores obras do diretor, os filmes Os Excêntricos Tenenbaums (2001) e Moonrise Kingdom (2012), O Grande Hotel Budapeste é o melhor tecnicamente. Por outro lado, o roteiro não me cativou tanto. Ao contrário dos outros dois filmes citados, aqui a história envolve muito mais cenas de ação, e o sentimento dos personagens não é tão aprofundado, o que nos leva a um certo distanciamento dos protagonistas. Mesmo assim, o lado emocional não é descartado. Por exemplo, é trágica a situação de Monsieur Gustave, um homem "civilizado" que perde tudo com a chegada da guerra.

Contando com um enorme e talentoso elenco coadjuvante (e com ótimas atuações dos protagonistas Tony Revolori e Ralph Fiennes), se para mim O Grande Hotel Budapeste não é a melhor obra de Wes Anderson, no mínimo mostra que ele está tecnicamente cada vez melhor. E mais, reforça que seus filmes são sempre divertidos, imperdíveis. Quem ainda não conhece o trabalho deste diretor, corra aos cinemas! Você não irá se arrepender. Nota: 7,0

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Crítica - O Homem Duplicado (2013)

Título: O Homem Duplicado ("Enemy", Canadá / Espanha, 2013)
Diretor: Denis Villeneuve
Atores principais: Jake Gyllenhaal, Mélanie Laurent, Sarah Gadon

Marcante filme de suspense com final difícil e polêmico

De título original Enemy ("Inimigo", em inglês), normalmente eu iria enlouquecer com a tradução dada aqui no Brasil para o novo filme do diretor canadense Denis Villeneuve: O Homem Duplicado. Entretanto, desta vez a tradução do título é bastante adequada, já que O Homem Duplicado é exatamente o nome do livro do escritor português José Saramago, publicado em 2002, no qual este filme é baseado.

Na trama, conhecemos o professor de história Adam Bell (Jake Gyllenhaal), que tem uma vida rotineira e desanimada, mas que um dia descobre assistindo um filme que, para sua grande surpresa, existe um ator exatamente idêntico a ele. Após pouco tempo, ele consegue se encontrar pessoalmente com o artista, de nome Anthony Claire (também vivido por Gyllenhaal). A experiência perturba ambos fortemente, e as consequências deste encontro vão dramaticamente se aumentando, chegando até a envolver suas mulheres, respectivamente Mary (Mélanie Laurent) e Helen (Sarah Gadon), e culminando em um surpreendente desfecho.

A história é boa, mas contada de maneira bem lenta, contemplativa. Tanto a fotografia (trazendo tons alaranjados no filme todo) quanto a trilha sonora são muito boas e transmitem com precisão o clima de melancolia e confusão dos personagens, além de, ser eficiente em trazer um forte clima de mistério para a película.

O roteiro e a montagem também agradam, já que requerem a atenção e a inteligência do espectador. Por exemplo, o filme mostra que tanto Adam quanto Anthony possuem medo de relacionamento, mas isto é feito de maneira sutil, implícita. Outro detalhe curioso: não há um único protagonista, as participações alternam entre Adam e Anthony em um ponto que só no final entendemos quem é quem em todas as cenas.

Sim, a frase acima entrega que o filme não é de tão fácil compreensão, mas falarei disto mais tarde, em seu desfecho.

Gostei bastante da atuação de Sarah Gadon, que não conhecia. Mas quem rouba a cena é Jake Gyllenhaal, provando definitivamente o quão bom e versátil ator ele é. Foi com prazer que pude concluir que os "tiques" apresentados por ele no filme Os Suspeitos (justamente o filme anterior do diretor Denis Villeneuve) eram mesmo de seu personagem (foram tão convincentes que eu pensei serem do próprio ator).

Tudo funciona bem em O Homem Duplicado... até chegarmos ao seu desfecho. O final é polêmico em vários níveis.

Primeiramente, a última cena termina de forma bastante abrupta, além de ser uma das coisas mais assustadoras que já vi no cinema até hoje. Sua conclusão "estranha" me lembra Donnie Darko (2001), que curiosamente também é estrelada por Jake. A conclusão (ou falta de uma) certamente deixará boa parte dos espectadores revoltados.

Mas... calma. Conforme é dito em forma de letreiro nos primeiros segundos do filme: "O caos é uma ordem ainda não decifrada". E de fato, é este o sentido do filme. Ele é um verdadeiro quebra-cabeças, que, ao assistido de novo, se torna mais claro. Há várias "pistas" espalhadas pelo filme todo, que ajudam a explicar a conclusão.

Para quem interessar, este vídeo (em inglês sem legendas), apresenta uma teoria para explicar o filme todo, a qual entendo ser correta: https://www.youtube.com/watch?v=v9AWkqRwd1I. Note que embora a explicação me convença, ela não me satisfaz em 100%. No meu último parágrafo deste texto explico em detalhes o que eu não gostei.

Independente da explicação para o final, um fato é claro: o desfecho é uma enorme alteração da obra de Saramago. No filme o final é aberto, um pouco dúbio, principalmente para o personagem Adam. Já no livro temos uma conclusão simples e direta; ela fecha a história, não dando margens a interpretações. E é nesta alteração do original que O Homem Duplicado tem ao mesmo tempo seu ponto fraco e forte: ao mesmo tempo que seus enigmas e explicações encantam por exigir mais do espectador, ao mesmo tempo não deixam a história 100% "redonda" (ver meu PS ao final).

Um bom filme de suspense e muito bem executado tecnicamente, O Homem Duplicado merece uma nota alta por ousar ser diferente. Filmes que não entregam tudo pro espectador estão cada vez mais raros, e consequentemente, chamam cada vez mais a minha atenção. Nota: 8,0

PS: conforme prometido acima, o que eu "não gostei do final" - não leiam este parágrafo antes de assistir o filme, é spoiler total! Entendo que o desfecho, por mais "redondo" e inteligente que seja, força um pouco a barra quanto ao relacionamento de Anthony com Helen. Oras, na última cena de Adam com sua mãe, ela praticamente entrega que Anthony e Adam são a mesma pessoa. Sendo este mesmo o caso, como Helen nunca soube que seu marido dava aulas? Como é possível estar casado com uma pessoa e não saber disto? Ainda mais quando o filme mostra que Helen conhece a mãe de seu esposo... elas nunca iriam falar sobre as atividades dele? Achei inverossímil. Curiosamente, no livro, Anthony e Adam são claramente dois personagens distintos, não há margem para esta tipo de interpretação.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Crítica - O Lobo Atrás da Porta (2013)

Título: O Lobo Atrás da Porta ("O Lobo Atrás da Porta", Brasil, 2013)
Diretor: Fernando Coimbra
Atores principais: Milhem Cortaz, Leandra Leal, Fabiula Nascimento, Juliano Cazarré

Tenso do início ao fim, um ótimo filme nacional

A grande maioria dos filmes brasileiros que chegam aos cinemas atuais ou são comédias românticas, ou comédias pastelão, ou ainda, sobre violência urbana. Felizmente temos alguns respiros desta mesmice, que é o caso deste ótimo O Lobo Atrás da Porta.

Escrito e dirigido por Fernando Coimbra (acostumado com curta-metragens, faz sua estréia em longas), o filme chamou a atenção em diversos festivais, embora não tenha conquistado nenhum dos prêmios mais importantes.

A história começa com a dona de casa Sylvia (Fabiula Nascimento) indo à polícia desesperada, dizendo que sua filha foi sequestrada. Quando seu marido, Bernardo (Milhem Cortaz) é convocado para depor, ele instantaneamente acusa sua amante, Rosa (Leandra Leal) de ser a responsável pelo ato.

É então que, conforme o trio conta a sua versão dos fatos para o delegado (Juliano Cazarré), entendemos através de flashbacks qual a real relação entre eles. Conforme as versões são contadas, o espectador (e o delegado) percebem as inconsistências, o que nos levam à novos flashbacks, agora "verdadeiros", e que causam reviravolta à trama.

As constantes surpresas a que somos submetidos são apenas um aspecto do ótimo roteiro de O Lobo Atrás da Porta. Desde a maneira com que a história é contada, até aos diálogos, tudo funciona meticulosamente bem no filme. O que inicialmente parece como uma inocente "baixaria" de marido-mulher-amante vai se tornando gradativamente, com maestria, algo cada vez mais sério, mais tenso, culminando no forte clímax, que é quando todas as peças do quebra-cabeça se encaixam.

O Lobo Atrás da Porta me lembra vagamente do estadunidense Closer (2004), que igualmente mostra o pior do ser humano em termos de relacionamentos. Mas o filme brasileiro é mais intimista, com muito mais paranoia do que sexo, e por isto tudo, levemente melhor.

Com boas atuações, principalmente a ótima interpretação da bela Leandra Leal, além do show de roteiro e montagem, O Lobo Atrás da Porta também agrada por sua trilha sonora. Quanto a sua fotografia, em muitos momentos as cenas aparecem levemente desfocadas. Embora eu ache provável que este "porém" seja consequência do tipo de câmera utilizado nas filmagens, existe uma possibilidade do problema ser na projeção do cinema que fui. Portanto, ao assistirem este filme nos cinemas, agradeço um comentário aqui em relação ao foco, para tirar minha dúvida.

Com pouquíssimos alívios cômicos, O Lobo Atrás da Porta é um filme bastante sério que vai do drama ao suspense - que infelizmente são temas raros no cinema brasileiro atual - e por isto mesmo chama a atenção por não se entregar ao caminho comum. O cinema nacional pode sim ser muito bom. Nota: 8,0

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Crítica - Malévola (2014)

Título: Malévola ("Maleficent", EUA / Reino Unido, 2014)
Diretor: Robert Stromberg
Atores principais: Angelina Jolie, Elle Fanning, Sharlto Copley

Um belo conto de fadas de belíssimo visual

A Disney nunca deixou de explorar um de seus principais nichos: as histórias de contos de fada. E é o que ela faz mais uma vez, agora com Malévola, porém em live action, que já é algo mais raro dentro deste gênero. Mais ainda, a história é uma reinvenção do conto da Bela Adormecida, clássica animação de 1959.

Desta vez, temos o conto sob o ponto de vista da vilã da história original, a bruxa Malévola (Angelina Jolie), que agora está rebatizada de "fada", sendo esta apenas uma das inúmeras alterações da obra original. De cara já ficamos sabendo que o Rei (Sharlito Copley) causou um grande mal à protagonista no passado, e portanto, a maldição do sono jogada na princesa Aurora (Elle Fanning) não se trata de simples maldade, mas sim de um isolado ato de vingança.

O roteiro é simplório, apesar de trazer uma boa trama principal e nos presentear com algumas surpresas. Portanto, o que realmente chama a atenção em Malévola é seu visual: belas paisagens, ótimo design, cores, efeitos especiais de primeira. Um deleite para os olhos.

E o filme traz um outro grande destaque, a encarnação de Malévola por Angelina Jolie. Pelo seu enorme carisma, pela ótima atuação, e exibindo uma indescritível beleza, o personagem é absolutamente marcante. Jolie já ficou imortalizada com Lara Croft. Mas acredito que sua Malévola se tornará ainda mais memorável.

Como conto de fada, Malévola é sem dúvida bom: possui algumas cenas belas e comoventes, e em suas melhores passagens se compara na qualidade às animações clássicas. O porém é que o filme possui alguns deslizes que poderiam ser evitados.

O primeiro deles é que definitivamente não se trata da história que já conhecíamos. O ideal seria que o roteiro contasse os mesmos fatos, porém sob outra ótica. Não é o que acontece: a trama é profundamente alterada, sendo uma das principais modificações o fato de Malévola ter acompanhado pessoalmente o crescimento de Aurora.

Este "crescimento", aliás, possui cenas em demasia e chega a ser repetitivo. Este tempo poderia ter sido aproveitado para, por exemplo, desenvolver os demais personagens. Sim, se o fato de Malévola roubar a cena é uma grande virtude, também se torna um defeito já que ninguém mais se desenvolve.

Mas o principal problema se encontra na batalha final de Malévola contra o exército do Rei. Neste momento, o filme passa a ser um reles filme de ação, com um ritmo acelerado totalmente destoante do que vimos até então. Fora isto, surgem várias cenas bastante clichê... e o pior: o filme cita tantas vezes ao longo da projeção quais são os poderes e fraquezas da protagonista que a luta final se torna previsível.

Malévola não deixa de ser o retrato de seu diretor, Robert Stromberg. É seu primeiro trabalho de direção, o que ajuda a explicar os defeitos acima. Ao mesmo tempo, Stromberg é um designer e especialista em efeitos especiais já consagrado em Holywood, cujos trabalhos incluem Avatar (2009), o mais recente Alice no País das Maravilhas (2010), e o Labirinto do Fauno (2006). Não é a toa, portanto, que o visual de Malévola seja tão admirável.

Sendo uma produção acima da média, mas com alguns problemas de roteiro, Malévola é no mínimo um conto de fadas bem divertido. Nota: 7,0.

PS: quem interpreta a versão da Aurora com 4 anos é a filha de Angelina, Vivienne Jolie-Pitt. Segundo a atriz, ela não gostaria de vê-la atuando tão cedo, mas foi uma questão de necessidade: a única criança que não chorava ao ver Jolie vestida de Malévola era sua própria filha.

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