Cinema e TV já nos proporcionaram centenas de franquias divertidas e interessantes. Star Wars, Seinfeld, Friends, Senhor dos Anéis, Alien, Batman, Superman, Game of Thrones... Mas hoje não tenho nenhuma dúvida de quais são, disparadamente, minhas franquias favoritas: Indiana Jones e Jornada nas Estrelas.
A primeira, explora o passado da humanidade: um arqueólogo descobrindo segredos das incríveis civilizações antigas; já a segunda olha para o futuro: no século 23 o homem investiga o "mistério final": o espaço. Realização que só foi possível através da humanidade finalmente amadurecer: fome e guerras foram erradicadas, e nossa espécie enfim desfruta a paz e se dedica principalmente ao conhecimento.
Para que toda esta introdução? Para comentar que uma das franquias que tanto amo sofre hoje um golpe duríssimo: há poucas horas atrás faleceu o ator Leonard Nimoy, o eterno Spock. Com 83 anos, Leonard faleceu em sua casa, em Los Angeles, em consequência de uma grave doença pulmonar. Ao anunciar para o mundo sua doença cerca de um ano atrás, ele disse: "Parei de fumar 30 anos atrás. Não cedo o suficiente.".
É verdade que Jornada nas Estrelas foi construída sob o trio Kirk (William Shatner), McCoy (DeForest Kelley) e Spock (Leonard Nimoy). Mas foi o último deles que virou o verdadeiro ícone da franquia. Seu rosto sério, sobrancelhas levantadas e orelhas pontudas são reconhecidas instantaneamente por qualquer pessoa do planeta. Não a toa, Leonard Nimoy / Spock foi o único a sobreviver ao episódio piloto da série, de 1965: inicialmente rejeitado pelo estúdio, quando o seriado enfim estreou em 1966 todo o elenco foi trocado, menos ele. Nimoy também esteve presente em dois episódios da TV e em um filme da Nova Geração. Finalmente, ele também foi o único da série clássica a também estar presentes nos filmes do reboot da franquia, iniciado em 2009.
Considero o personagem de Spock em dos mais interessantes e inspiradores da história da ficção. Tendo nascido de pai Vulcano e mãe Terráquea, Spock sofreu preconceito durante toda sua vida. Quando criança, era rejeitado pelas crianças vulcanas por ser um "mestiço"; quando adulto, estudou e trabalhou entre humanos, e como na época a convivência da humanidade com alienígenas ainda não era comum, era visto preconceituosamente como um inimigo/espião por algumas pessoas. Mas ele aguentou firmemente, e não revidou.
Sendo o mais inteligente e o mais forte fisicamente dentre todos os integrantes da nave Enterprise, Spock e Kirk dividiam o posto de "herói da vez", salvando sua tripulação incontáveis vezes. Sua herança humana era motivo de um grande conflito interno, que o atormentou até o dia de sua morte...
... na verdade, sua primeira morte, Pois ele "ressuscitou" meses depois, e ao voltar a vida, atingiu a paz interna que precisava. Spock voltou mais sábio, mais pacifista, uma pessoa que alcançou a plenitude. Totalmente consciente de quem era, e sem nenhuma vergonha disto. Que desfecho emocionante e invejável para um personagem! Atingir a paz, buscar o conhecimento. Deveria ser as metas de cada um de nós!
Como ficção e realidade muitas vezes caminham juntas, a vida de Leonard Nimoy tomou rumos parecidos. Ele não se torturava por ser metade humano e metade vulcano. Mas se torturava por ser reconhecido exclusivamente como Spock. Em 1975 ele publicou sua biografia I Am Not Spock ("Eu não sou Spock"), onde em nenhum momento ele rejeitou o personagem que o estigmatizou, mas mesmo assim, era um claro apelo ao público para distinguir o ator de seu papel. Quando fez o primeiro filme de Star Trek: Jornada nas Estrelas: O Filme (1979), Leonard estava decidido que esta seria a última vez que interpretaria o orelhas-pontudas.
Nimoy não precisou morrer e ressuscitar para atingir a paz, mas com o passar dos anos, também se tornou uma pessoa mais completa, mais sábia. Por exemplo, em 1995 lançou sua segunda biografia, I Am Spock ("Eu sou Spock"), onde reconhecia publicamente que fizera as pazes com seu personagem, e que era bastante grato ao mesmo.
Após o fim do seriado de Jornada nas Estrelas na TV, Leonard passou pelo teatro, foi diretor (acreditem, foi ele quem dirigiu a comédia Três Solteirões e Um Bebê), mas o mais importante foi que ele progressivamente se distanciava cada vez mais das telas, passando a se dedicar em outras formas de Arte. Nimoy escreveu poesias, e principalmente, dedicou-se a fotografia, com destaque ao seu trabalho experimental sobre a passagem do tempo. Suas aparições das últimas décadas sempre pareceram acompanhar a maturidade atingida pelo seu personagem. Sereno, calmo, apaixonado pela arte e pela ciência.
Sabedor do estágio final de sua doença, seu último texto em sua conta do twitter é emocionante: "A life is like a garden. Perfect moments can be had, but not preserved, except in memory." ("A vida é como um jardim. Podemos ter momentos perfeitos, mas não preservá-los, exceto nas memórias" - em tradução livre).
Fique tranquilo, Leonard Nimoy. Enquanto seus fãs estiverem vivos, seus momentos nunca serão esquecidos. Muito obrigado. E seja aonde você estiver agora... Vida Longa e Próspera!