segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Crítica Netflix - Era Uma Vez Um Sonho (2020)

Título:
 Era Uma Vez Um Sonho (Hillbilly Elegy, EUA, 2020)
Diretor: Ron Howard
Atores principais: Amy Adams, Glenn Close, Gabriel Basso, Haley Bennett, Freida Pinto, Bo Hopkins, Owen Asztalos
Nota: 6,0

Massacrado pela crítica especializada devido motivos políticos

Em um mundo ocidental atual extremamente dividido entre conservadores e liberais, o livro Hillbilly Elegy no qual se baseia o filme Era Uma Vez Um Sonho é um prato cheio para polêmicas e brigas. Publicado em 2016, e ficando entre os livros mais vendidos dos EUA por dois anos (sendo bem quisto especialmente pelos eleitores do Trump), ele se trata de um livro de memórias do hoje advogado e investidor J. D. Vance. Vance, que teve uma infância bem pobre em uma cidade pequena de Ohio, e repassa sua vida difícil até chegar ao "sucesso".

Antes de prosseguir, é necessário explicar o título do livro/filme, cuja tradução feita para o Brasil (Era Uma Vez Um Sonho) é uma das piores dos últimos tempos... simplesmente deplorável... um título genérico que ignora completamente o sentido original da obra. Hillbilly é um termo pejorativo para descrever as pessoas que moram na região dos Apalaches, sudeste dos EUA: são pessoas brancas, boa parte pobres, de vida rural, e de estereótipo violento e ignorante. Já "elegia" significa um poema ou canção triste, melancólica. Então pelo nome, o livro/filme deveria ser uma narrativa triste e contemplativa da cultura dos hillbillies. Mas embora esse seja certamente o objetivo do autor, de certa forma a obra entregue faz com que o título seja mais uma propaganda enganosa, como veremos a seguir.

O problema é que história de Era Uma Vez Um Sonho pouco conta sobre a cultura Hillbilly... a menos que ela signifique se viciar em entorpecentes, ter explosões irracionais de fúria a qualquer momento, ou ainda, ter como lema "família acima de tudo". Esta descrição está longe de representar todo estadunidense rural, e ao mesmo tempo, são características que podem ser encontradas em diversos grupos sociais bem diferentes do deles. Na verdade a história está mais preocupada em mostrar a visão de J. D. Vance, e nela, de maneira sutil, há a crença em que o "sistema" funciona (no que inclui a polícia estadunidense) e também, já de maneira bem explícita, há a mensagem de que não importa se você é pobre: se você se dedicar, se você se esforçar, você vai melhorar de vida. A própria definição da "meritocracia".

Era Uma Vez Um Sonho foi outra produção original que a Netflix certamente investiu para ganhar prêmios no Oscar. Com um orçamento alto para o tipo de produção (US$ 45 milhões), roteiro contando uma história de superação (coisa que a Academia adora), duas atrizes de peso (Glenn Close e Amy Adams) e um diretor renomado (Ron Howard), a empresa de streaming só esqueceu de um fato: que a crítica especializada é em sua maioria liberal. Resultado, o filme foi enormemente rejeitado pelos críticos. Em um mundo tão politizado como o atual, dificilmente Hollywood se permitirá aprovar um filme com este tipo de mensagem.

E embora eu também não goste muito da mensagem política que o filme traz (ou sendo mais explícito: que colocaram nele), mais uma vez temos algo tratado com visões extremistas, sendo que como quase tudo na vida, não deveria ser nem 8 nem 80. Vejam: a "meritocracia" é a visão de Vance, e faz sentido ele acreditar nisso porque é a sua história real, ela aconteceu. Certamente o mundo não dá as mesmas oportunidades para todos (ainda mais quando você é negro, sendo que J.D. é branco), mas não vejo porque criticar uma história que reforça que você precisa se esforçar para vencer, que você precisa abandonar álcool e drogas para vencer. E mais ainda: tanto a avó quanto a mãe do protagonista, mesmo ambas sendo hillbillies, educam seus filhos para a direção da educação, de abandonar a "ignorância".

Sem abrir mão da postura política, a crítica especializada deixa de reconhecer que Era Uma Vez Um Sonho traz um drama humano contado de maneira emocionante, que certamente agradará e interessará o espectador imparcial. Tecnicamente o filme também merece vários elogios, com boa fotografia, bom design de produção, e boa maquiagem (impressiona ver alguns atores "engordando e emagrecendo" de maneira tão crível ao longo das cenas exibidas em décadas distintas). E principalmente, é outro filme que traz ótimas atuações, em especial do trio de atrizes que aparece na foto acima, e que justamente por isso a escolhi para ilustrar este artigo.

Longe de ser algo diferente ou de grande qualidade, Era Uma Vez Um Sonho entretanto merece um reconhecimento maior, e foi injustiçado pela crítica. Sua história é sim interessante a ponto de valer a pena assistí-la. Em um mundo que quer ditar o que você deve ver, continua sendo muito importante você assistir e chegar a suas próprias conclusões e pensamentos... ou simplesmente lembrar que nem tudo na vida é discussão política. Nota: 6,0

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