Se eu tivesse escrito este post anos atrás, certamente haveria muita comoção (e até alguns xingamentos). Será que vai acontecer o mesmo agora, tanto tempo após o lançamento do filme? Farei este teste. E começo contando uma pequena história..
(Ah, antes de começar a história, é óbvio que só recomendo ler este texto quem já assistiu ao filme, é spoiler do começo ao fim).
O ano era 2010. Eu havia acabado de assistir A Origem nos cinemas com um grupo de amigos, e saíra da sala extremamente feliz e empolgado. Eis que então um deles me perguntou: "o que você achou do filme?". Parei, refleti por alguns segundos, e então respondi: "me pareceu espetacular; porém, tem algo estranho que ainda não absorvi... parece que há um furo grave no roteiro... só depois de assistir o filme novamente que eu poderei responder sua pergunta de verdade".
E mantive esta resposta desde então... Ou melhor, até o final de semana passado, onde enfim assisti A Origem novamente. E infelizmente meus temores estavam corretos. Há sim um furo essencial do roteiro.
Os muitos pequenos erros
Em minha revisita ao A Origem, encontrei um número bem alto de exageros e contradições do roteiro, boa parte deles que não captei pela primeira vez, nos cinemas. Vou citar apenas 4, como ilustração:
- No primeiro nível de sonho dentro da cabeça de Robert Fischer (Cillian Murphy) - aquele onde há perseguição de carro sob chuva - os "seguranças" da mente de Robert atacam os heróis com metralhadoras, e em pelo menos duas cenas, isto é feito a queima roupa! Quantas balas acertam? Só uma, no filme todo. São os piores atiradores da história do Cinema.
- Ainda no mesmo sonho, Eames (Tom Hardy) resolve imaginar um lança míssil para revidar os ataques inimigos. O que se materializa em suas mãos e funciona. Se as regras são assim, por que todos os demais não fizeram armas eficientes para eliminar os perseguidores?
- O bilionário Saito (Ken Watanabe) é o único rival da família Fischer. Então como é possível que Saito participe de todos os sonhos de Robert sem que o sujeito o reconheça?
- Se Mal (Marion Cotillard) é uma projeção da mente de Cobb (Leonardo DiCaprio), como é possível que ela chegue no Limbo antes de Cobb para fazer Robert Fischer de refém?
A grande falha - os totens NÃO funcionam
Uma das principais bases do filme é o conceito de totem, que inclusive, é o protagonista da cena final que causou tanta polêmica (ver foto-título deste post, acima). O objetivo do totem é "dizer" ao seu possuidor se ele se encontra no mundo real ou dentro de um sonho.
Por exemplo, o totem de Arthur (Joseph Gordon-Levitt) é um dado "viciado" que só ele sabe qual é o resultado que ele sempre dá. Assim, se ele joga o dado algumas vezes, e ele repetidamente dá o mesmo valor, Arthur está no mundo real. Mas se o dado se comporta como um dado "normal", então isto indica que ele está no sonho (a pessoa sonhadora não tem ideia que o dado de Arthur tem um comportamento diferente do esperado).
Até aí tudo bem... mas não é que o principal totem da história, o pião de Cobb (Leonardo DiCaprio) parte de uma premissa errada? Cobb gira seu pião... e segundo ele, caso ele nunca parar de girar, se trata de um sonho. Oras... no universo da pessoa sonhadora (que controla as regras), o normal para ela é o pião rodar e depois cair! Então, em teoria, o peão nunca parar de girar é um cenário absurdo, ilógico!
Ah... mas então, e se for o próprio portador que controla o comportamento do totem? Se for este o caso, ele não serve para distinguir a realidade do sonho, pois o totem vai se comportar da maneira que a mente do portador achar que se encontra. Por exemplo, no caso do Cobb... vamos supor que ele consegue fazer, em sonhos, que seu pião rode indefinidamente. Se ele consegue fazer isto, então é um sonho, claro (é impossível o pião rodar pra sempre no mundo real). Mas se ele está em um sonho e seu cérebro acha que ele está na realidade, então o pião vai cair, conforme seria o comportamento esperado do mundo real.
Vou mais além. Voltando para a premissa de que as regras do totem são definidas por quem sonha (ou pelo arquiteto), como ele vai saber que você tem um totem dentro do bolso, oras bolas?! Leitura da mente? Seria mais lógico sua versão no mundo real ter qualquer coisa no bolso - e não contar pra ninguém - e então, se o bolso estiver vazio... voilá... você está num sonho!
Até aí tudo bem... mas não é que o principal totem da história, o pião de Cobb (Leonardo DiCaprio) parte de uma premissa errada? Cobb gira seu pião... e segundo ele, caso ele nunca parar de girar, se trata de um sonho. Oras... no universo da pessoa sonhadora (que controla as regras), o normal para ela é o pião rodar e depois cair! Então, em teoria, o peão nunca parar de girar é um cenário absurdo, ilógico!
Ah... mas então, e se for o próprio portador que controla o comportamento do totem? Se for este o caso, ele não serve para distinguir a realidade do sonho, pois o totem vai se comportar da maneira que a mente do portador achar que se encontra. Por exemplo, no caso do Cobb... vamos supor que ele consegue fazer, em sonhos, que seu pião rode indefinidamente. Se ele consegue fazer isto, então é um sonho, claro (é impossível o pião rodar pra sempre no mundo real). Mas se ele está em um sonho e seu cérebro acha que ele está na realidade, então o pião vai cair, conforme seria o comportamento esperado do mundo real.
Vou mais além. Voltando para a premissa de que as regras do totem são definidas por quem sonha (ou pelo arquiteto), como ele vai saber que você tem um totem dentro do bolso, oras bolas?! Leitura da mente? Seria mais lógico sua versão no mundo real ter qualquer coisa no bolso - e não contar pra ninguém - e então, se o bolso estiver vazio... voilá... você está num sonho!
O final - o pião caiu ou não?
Existem três explicações plausíveis para o final. São elas:
A resposta: qualquer uma delas é possível. O diretor Christopher Nolan deixou o filme dúbio de propósito. Um golpe baixo, aliás, para o filme ser debatido a exaustão e, consequentemente, ter promoção gratuita.
Exemplos de "provas" do final 1 (Cobb termina no mundo real):
- Tudo o que nos foi apresentado como "mundo real" é mesmo a realidade e Cobb termina o filme nela
- Tudo é um sonho de Cobb, e ele termina preso dentro dos seus sonhos
- O filme começa no "mudo real" mas Cobb não consegue voltar do Limbo, terminando o filme dentro do mesmo
A resposta: qualquer uma delas é possível. O diretor Christopher Nolan deixou o filme dúbio de propósito. Um golpe baixo, aliás, para o filme ser debatido a exaustão e, consequentemente, ter promoção gratuita.
Exemplos de "provas" do final 1 (Cobb termina no mundo real):
- Mal (Marion Cotillard) nunca aparece no mundo real
- Miles (Michael Caine) nunca aparece nos sonhos
- Cobb (Leonardo DiCaprio) sempre está de aliança nos sonhos, e sempre sem ela no mundo real
- O "mundo real" possui conceitos típicos de fantasia (sonho), como por exemplo, ficar fisicamente "travado" espremido entre dois prédios, ser perseguido por todo o planeta por uma organização desconhecida
- A facilidade com que Cobb retorna para os EUA, ou a facilidade com que a inexperiente Ariadne (Ellen Page) aceita o trabalho e magicamente resolve todos os problemas de Cobb
- O próprio mundo real ser filmado "como se fosse um sonho", com cortes abruptos, descontínuos... como se fosse levado de um sonho a outro.
E a segunda é que Nolan sempre se recusou a explicar o final. Em uma rara entrevista que ele fala sobre o assunto (pode-se ler aqui, em inglês), ele sempre fica em cima do muro. Até chega a levemente pender para a hipótese de terminar no mundo real... para em seguida, alertar: "lembre-se que Cobb não é um narrador confiável".
O veredito
O final ser ambíguo não é, efetivamente, um problema para o filme. O que importa, é a trajetória de Cobb, e esta se encerra. Afinal, Cobb abandona o pião e vai de encontro aos filhos. Ou seja: não importa se ele está no mundo real ou não. O que importa para ele é enfim ser feliz com sua família.
Portanto, o final polêmico não diminui a nota de A Origem. Mas todos os erros de roteiro que citei acima, sim. Por isto, em uma 2ª passagem pelo filme, enfim dou uma nota para ele: 7,0. A obra-prima de Christopher Nolan, a meu ver, ainda é O Grande Truque ("The Prestige", 2006), que certamente figura na minha lista dos 10 melhores filmes de Hollywood feitos neste século XXI.
Portanto, o final polêmico não diminui a nota de A Origem. Mas todos os erros de roteiro que citei acima, sim. Por isto, em uma 2ª passagem pelo filme, enfim dou uma nota para ele: 7,0. A obra-prima de Christopher Nolan, a meu ver, ainda é O Grande Truque ("The Prestige", 2006), que certamente figura na minha lista dos 10 melhores filmes de Hollywood feitos neste século XXI.