quinta-feira, 28 de março de 2024

Jerry Seinfeld está de volta!! Saiba mais sobre seu novo filme, que esteará na Netflix em Maio


Sim! Jerry Seinfeld está de volta com novo material de comédia. Mas ao invés de trazer um novo show de stand-up, ele está lançando um filme, de nome Unfrosted (como acabou de ser anunciado, ele ainda não tem um nome "em Português", e nem sei se terá).

Unfrosted promete contar a história de como o Pop-Tarts foi criado pela Kellogg's, em 1964. Desconhecido para nós brasileiros, o Pop-Tarts é uma espécie de biscoito pré-cozido e recheado (geralmente seus recheios são doces e com sabores de frutas) para ser consumido como se fossem torradas, e no café da manhã.

Jerry Seinfeld já se arriscou a fazer filmes uma vez no passado, com seu Bee Movie: A História de uma Abelha (2007), onde ele foi produtor, roteirista e ator... mas não foi o diretor. Porém desta vez Seinfeld também está na direção, ou seja, estará fazendo sua estréia nesta profissão.

Além dele, o elenco conta com vários outros comediantes e/ou atores conhecidos, como por exemplo Melissa McCarthy, Jim Gaffigan, Hugh Grant, Amy Schumer, Peter Dinklage, Christian Slater e James Marsden. Unfrosted está previsto para estrear na Netflix em 3 de Maio de 2024.

Abaixo confira o trailer oficial que acabou de sair!


PS.: não sabe quem é Jerry Seinfeld? Já escrevi alguns artigos sobre ele aqui no Cinema Vírgula... o mais importante foi este aqui, onde comento que ele criou a Melhor Sitcom de todos os tempos!!

sábado, 23 de março de 2024

1670 e Poker Face - Duas séries de TV estreantes que você ainda não viu, mas deveria conhecer!


E o Cinema Vírgula segue recomendando boas séries de TV. Desta vez, são duas que estrearam em 2023 e que ficaram entre as minhas favoritas do ano passado. E felizmente, ambas já foram renovadas para uma segunda temporada. Vamos conhecer mais cada uma delas!



1670 (Netflix)

Esta série de comédia polonesa é uma produção original Netflix, e trata-se de um mocumentário que nos mostra a vida em uma pequena vila de nome Adamczycha (que por incrivel que pareça é um vilarejo que existe mesmo na Polônia), no ano de 1670.

O "documentário" existe pois o nobre que governa o local, Jan Pawel (Bartłomiej Topa), contrata pessoas para registrar sua vida, já que ele se acha merecedor de se tornar o "João Paulo" polonês mais famoso da história (em uma piada-referência ao futuro Papa João Paulo II).

A série ironiza os costumes medievais (eu sei que em 1670 já não estamos na Idade Média, mas espero que vocês tenham me entendido), religiões, a nobreza e os costumes poloneses, mas também faz piadas trazendo temas cotidianos e atuais em geral. Por exemplo os personagens tem sua versão "medieval" de um "celular", e a personagem Aniela (Martyna Byczkowska), filha de Jan Pawel, é feminista e bastante preocupada com o meio ambiente.

1670 lembra um bocado o seriado Norsemen, produção original Netflix norueguesa. Porém Norsemen, até por ter tema Viking, tem bastante cenas violentas, nudez, piadas com sexo. Já 1670 não. Seu humor é bem mais leve, menos chocante, e melhor. Sei que o humor polonês não é parecido com o humor britânico, porém, de certa forma, esta série também lembra um pouco as comédias "de história" do Monty Python, como Em Busca do Cálice Sagrado (1975) e A Vida de Brian (1979).

Para quem gosta de humor crítico e sarcástico, e também História, 1670 é uma ótima pedida. A segunda temporada está confirmada, porém só sairá em 2025. Por enquanto temos que nos contentar com seus 8 episódios de 30 minutos.



Poker Face (Universal+)

Poker Face poderia ser apenas mais um dentre os dezenas de seriados de detetive que existem por aí. Porém, dentre outras qualidades que citarei a seguir, ele possui uma característica bem diferente, que é a estrutura do seu roteiro. E talvez por isso, já na sua temporada de estréia a série recebeu muitas indicações nas principais premiações estadunidenses, como por exemplo o Emmy e o Globo de Ouro.

Na história de Poker Face, acompanhamos Charlie (Natasha Lyonne), garçonete em um cassino, e em cada episódio ela soluciona um crime diferente, geralmente um assassinato. O diferente aqui é que, com exceção do último dos 10 episódios da primeira temporada, primeiro vemos o crime acontecendo (e a protagonista Charlie sequer aparece em tela), e então, depois que o delito foi cometido, a história volta e iniciamos aquele dia sob a perspectiva de Charlie, acompanhando-a até que ela se depara com o crime e começa a resolve-lo.

Mas isto não quer dizer que não temos surpresas. Pois conforme Charlie vai entendendo o que aconteceu, o espectador pode passar pelas mais diversas reviravoltas... o que "vimos" pode não ter sido exatamente o que aconteceu... ou então o assassino não era tão mal assim... espere pelo inesperado!

Ah sim. Não podemos esquecer de Charlie / Natasha Lyonne. Na série, a personagem tem um "super poder", que é saber detectar sempre, com 100% de certeza, se uma pessoa está mentindo ou não. E isso ajuda Charlie nas mais diversas situações. E Natasha Lyonne, com seu jeito "louco / debochado", mais uma vez rouba a cena, sendo divertida mesmo estando em um programa sério. Assim como em Boneca Russa, ela é um grande atrativo em Poker Face.

Embora Poker Face tenha estreado na gringa no começo de 2023, a série só chegou no Brasil neste ano de 2024, através do streaming Universal+. E gostei muito da primeira temporada. Pela Natasha, e pelos roteiros, que não somente divertem na parte detetivesca, como também comovem na parte dramática.

Só tenho duas reclamações a fazer de Poker Face: não gostei do desfecho do episódio final, a "desculpa" para termos uma segunda temporada foi muito ruim, poderia ter sido bem melhor. E a outra reclamação - que nem é reclamação, é só um lamento - é que Poker Face foi criada (e teve inclusive alguns de seus episíodios dirigidos) por Rian Johnson, um diretor / roteirista que não gosto e que fez Star Wars: Os Últimos Jedi e a franquia Entre Facas e Segredos.

sábado, 16 de março de 2024

Você prefere explorar um calabouço (masmorra) ou um abismo (cratera)? Conheça os animes Made in Abyss e Dungeon Meshi


O ano de 2024 chegou e com ele tivemos a estréia de dois animes na Netflix com muitas semelhanças e paralelos. Tratam-se de Dungeon MeshiMade in Abyss. Ambos são baseados em mangás de mesmo nome lançados no Japão. Estou assistindo e gostando dos dois, e a seguir, baseado nos onze primeiros episódios que vi de cada um, segue um resumo do que eles se tratam, e minha opinião.




Dungeon Meshi

Dungeon Meshi (vendido nos EUA como Delicious in Dungeon) é baseado em um mangá escrito e ilustrado por Ryōko Kui e que terminou recentemente no Japão, em setembro do ano passado. Sua conversão para anime é uma produção original Netflix. Os episódios estão sendo lançados semanalmente toda quinta-feira e a previsão é que toda a saga seja contada em uma única temporada de 24 episódios.

A história se passa em um universo de fantasia, onde em uma ilha temos uma dungeon (masmorra / calabouço) bem peculiar: em seus níveis mais profundos - ainda inexplorados - ela supostamente abriga o mítico Reino Dourado, antiga e gloriosa cidade, repleta de tesouros e poder. Então toda uma comunidade é criada em torno desta masmorra, com aventureiros vivendo apenas de explorá-la.

A trama começa com... uma trágica derrota. Um grupo de seis exploradores tenta derrotar um Dragão Vermelho dentro da masmorra e, antes de ser devorada, em um último ato a feiticeira humana Falin teleporta os demais integrantes para fora. É então que três deles: Laios (um guerreiro humano e irmão de Falin), Chilchuck (um ladrão halfling) e Marcille (uma feiticeira élfica) decidem voltar a masmorra para resgatar o corpo de Falin das entranhas do Dragão, para posteriormente ressuscitá-la.

Dungeon Meshi é muito parecido com um jogo de RPG medieval, e neste sentido, morrer e voltar a vida através de encantamentos ou poções é comum. Por isso não estranhem a trama principal. Em cada episódio o grupo acaba avançando no interior do calabouço e enfrentando um tipo de monstro diferente, o que é bem interessante, pois requer bastante inventividade da equipe para derrotá-los. É bem gratificante ver que na masmorra cada personagem usa principalmente as habilidades de sua classe / profissão, ou seja, os heróis realmente triunfam como grupo, e não como indivíduos.

Agora, o que é realmente curioso e incomum em Dungeon Meshi é que após derrotar seus adversários, o grupo sempre acaba se alimentando (??!!) dos monstros que matou. Já no primeiro episódio o trio conhece Senshi, um guerreiro anão que mora dentro da masmorra e é grande conhecedor dos monstros e de culinária. Ele se une a equipe e durante a jornada e vai cozinhando praticamente tudo o que é derrotado em batalha. Nada se desperdiça, e bons minutos de cada episódio bizarramente são gastos apenas exibindo essa culinária fictícia.

Por enquanto tenho gostado de Dungeon Meshi. É divertido, e a curiosidade perante o inesperado tem me agradado bem. E para quem gosta de RPG, e/ou franquias como Dungeons & DragonsCaverna do Dragão e Senhor dos Anéis, este anime fica ainda mais interessante.




Made in Abyss

Made in Abyss é baseado em um mangá escrito e ilustrado por Akihito Tsukushi. O mangá, que começou a ser escrito em 2012 e continua em andamento, mas é escrito em um ritmo bem lento, com apenas 12 volumes publicados até agora. O anime por enquanto tem duas temporadas, somando 25 episódios (todos disponíveis na Netflix) e mais um filme (Made in Abyss: O Amanhecer de uma Alma Profunda, de 2020, não presente na Netflix, e que deve ser assistido entre a 1ª e 2ª temporadas). Os 25 primeiros episódios do anime equivalem aos 10 primeiros volumes do mangá. Ao vencer o prêmio máximo de "Anime do Ano" do Crunchyroll Anime Awards de 2017 - evento do canal de streaming especializado em animes Crunchyroll - Made in Abyss ganhou projeção internacional.

A história se passa em um universo de fantasia, onde em uma ilha temos uma enorme cratera de nome "Abismo" e bem peculiar: com quilômetros de profundidade - muitos deles ainda inexplorados - ela abriga ruínas e relíquias de antigas civilizações, além de criaturas fantásticas e perigosas variadas. Então toda uma comunidade é criada em torno desta cratera, com aventureiros vivendo apenas de explorá-la.

(Viram como a premissa entre os dois mangás / animes é bem parecida, meio que só trocando a "masmorra" pelo "abismo"? Pois é! Quase repeti o mesmo texto para ambos! Porém vocês verão que as similaridades vão começar a diminuir a partir de agora...)

Começamos Made in Abyss conhecendo Riko, uma menina de doze anos, e exploradora iniciante. Em uma de suas primeiras descidas, ela encontra Reg, um robô com aparência e mente de garoto, sofrendo de amnésia, com quem faz amizade. Após alguns eventos ela e Reg partem sozinhos - e em segredo - ao fundo do Abismo, em busca da desaparecida mãe de Riko.

Como se pode ver nas duas imagens deste anime que coloquei neste artigo, mais acima, Made in Abyss parece ser "fofinho", até para público infantil. E é totalmente o oposto, pois o roteiro parece ter sido escrito por H. P. Lovecraft. A história tem vários elementos de drama, tensão, e principalmente, o tema "morte" está sempre presente. Por exemplo, na mitologia desta série, ao descer na cratera, o corpo humano sempre sofre, passando por tonturas, sangramentos, febres e alucinações até se adaptar. São efeitos da tal "Maldição do Abismo". Mas piora: a partir de uma certa profundidade, os efeitos no corpo para "subir" de volta são tão fortes que são mortais. Ou seja, as pessoas que descem nas camadas mais fundas são obrigadas a ficar lá para sempre. E é comum no anime vermos pessoas sofrendo os efeitos da "Maldição". Nada leve e agradável.

Assim como em Dungeon Meshi, a história me prende e fico bastante interessado no que vai acontecer no episódio seguinte. E também igualmente ao Dungeon Meshi, aqui tudo é muito surpreendente e inovador, e cada episódio apresenta um monstro ou uma dificuldade diferente. Mas Made in Abyss é ainda mais elaborado, com a adição de uma misteriosa e sinistra trama de plano de fundo, além de paisagens e trilha sonora deslumbrantes.

Porém, para Made in Abyss, sou obrigado a fazer um alerta: como disse anteriormente, escrevo este texto após assistir os 11 primeiros episódios, e a cada episódio que estou assistindo, o nível de violência e terror vêm aumentado de maneira considerável, além da presença de algumas desnecessárias piadinhas que insinuam temas sexuais (ainda nada grave ou explícito, apenas insinuações). Sendo os personagens principais todos crianças, e como a violência não para de escalar, estou me perguntando se isto vai chegar a um nível que irei desaprovar. Mas por enquanto não. O que posso dizer por agora é: estamos diante de um anime para público de no mínimo 16 anos (que é a indicação que está na Netflix).

Eu imagino que a série caminhe para trazer cada vez mais cenas goreao estilo de outras obras como por exemplo Berserk. Mas até agora sigo gostando e assistindo Made in Abyss e estou bem curioso para saber os grandes mistérios deste universo, e principalmente do passado de Reg e da mãe de Riko.




Obs.: ainda há uma ligação curiosa entre esses dois animes / mangás: a atriz Emily Rudd, que é quem interpreta Nami na série live-action de One Piece da Netflix. É que ela dubla a personagem Marcille em Dungeon Meshi na versão estadunidense, e já declarou que embora ame One Piece e ser grande fã de animes em geral, seu anime favorito é Made in Abyss.

segunda-feira, 11 de março de 2024

Resumo, curiosidades, e meus pitacos sobre os vencedores do Oscar 2024


E tivemos ontem a noite a 96ª cerimônia de entrega dos Academy Awards, ou como foi mais popularmente divulgado, os Oscars 2024. E confirmando seu favoritismo, o grande vencedor da premiação foi Oppenheimer, não só por ter vencido o Oscar de Melhor Filme, mas também por ter levado o maior número de estatuetas: sete no total.

Já a "prata" da noite ficou com Pobres Criaturas, que levou para casa quatro estatuetas. E fechando a lista dos filmes que venceram mais de um prêmio - e agora sim temos uma surpresa - tivemos dois Oscars para Zona de Interesse, nosso "bronze": o de Melhor Filme Estrangeiro e o de Melhor Som. Porém mesmo esta "novidade" é um bocado decepcionante, afinal, tanto Oppenheimer quanto Zona de Interesse falam da Segunda Guerra Mundial, e juntos, levaram nove Oscars. Será que um dia veremos a Academia parar de "babar" para este tema?

E, a partir de agora, em tópicos, uma série de curiosidades e "pitacos":
  • Em sua terceira indicação, e agora com 58 anos, Robert Downey Jr. finalmente levou seu primeiro Oscar para casa, o de Melhor Ator Coadjuvante, como Lewis Strauss em Oppenheimer.
  • Outro que demorou para ter seu talento reconhecido foi Wes Anderson, que enfim venceu seu primeiro Oscar! Porém quis a Academia que fosse via o prêmio de Melhor Curta-metragem, por seu A Maravilhosa História de Henry Sugar (mas ele não esteve na cerimônia para receber o troféu, infelizmente...).
  • Já a cantora Billie Eilish precisou esperar bem menos, pois quando venceu o Oscar de Melhor Canção Original junto com seu irmão Finneas, por "What Was I Made For?" de Barbie, ela se tornou aos 22 anos pessoa mais jovem a ganhar duas estatuetas, superando o recorde da atriz Luise Rainer, que aos 28 anos ganhou em 1938 seu segundo Oscar como Melhor Atriz.
  • Os cinco indicados ao Oscar de Melhor Fotografia (e quem venceu foi Oppenheimer) misturaram cenas coloridas com preto-e-branco.
  • Fiquei bastante satisfeito com os vencedores de Melhor Roteiro Original (Anatomia de uma Queda) e Melhor Roteiro Adaptado (Ficção Americana). O primeiro por ser bom, inovador e de várias camadas; e o segundo, pois conforme antecipei na minha crítica, exigiu bastante adaptação da obra original.
  • O Oscar de Melhores Efeitos Visuais foi para o japonês Godzilla Minus One, o primeiro Oscar da história da franquia. Independente de ser justo ou não (eu nem vi o filme ainda para ter uma opinião), achei um "tapa na cara" dos funcionários do ramo. Afinal, em uma época em que vemos notícias frequentes onde os funcionários de efeitos especiais dos grandes estúdios são explorados e obrigados a cumprir prazos absurdos e inumanos, ver que os velhinhos da sua categoria ainda por cima resolvem premiar um filme estrangeiro de baixo orçamento...
  • O anfitrião Jimmy Kimmel vinha fazendo uma noite morna e esquecível... até que no final do programa trouxe dois momentos memoráveis... o primeiro foi colocar no palco o ator John Cena praticamente pelado para anunciar o prêmio de Melhor Figurino, e o segundo, foi retrucar ao vivo um tweet do ex-presidente Donald Trump, que o criticava pela sua performance daquela noite com um "I’m surprised you’re still up - isn’t it past your jail time?" (algo como, estou surpreso que você ainda está acordado... já não passou da sua hora de dormir? Porém ele troca a palavra "bed" (cama) por "jail" (cela, de prisão)... ficando como "já não passou da sua hora de ir preso?), para aplausos da maioria do público.
  • Um dos melhores momentos da noite foi Emma Stone recebendo o Oscar de Melhor atriz por Bella Baxter em Pobres Criaturas. Bastante emocionada, é legal ver que apesar de excelente atriz, a fama não subiu em sua cabeça.
  • Por outro lado, um dos piores momentos foi a maneira com que Al Pacino anunciou o Oscar de Melhor Filme. Ok que a Academia queira dar a honra a grandes nomes do passado para ser o anunciante do "premio máximo"... mas custa ensaiar esse momento antes? E ver se o escolhido pode seguir um roteiro a risca? O critério pra apresentar tem que ser um "bom apresentador" e não um "merecedor de homenagem", pois se tem um momento em que não deveria abrir espaços para erros ou improvisos, é esse...
  • E para encerrar, o vencedor do Oscar de Melhor ator foi Cillian Murphy como Oppenheimer. Ele atuou bem sim, mas o melhor do ano pra mim foi Leonardo DiCaprio em Assassinos da Lua das Flores e ele sequer estava entre os indicados! Só que mais justo e importante de que Cillian Murphy ganhar, foi ver o egocêntrico Bradley Cooper perder. E melhor ainda, seu filme Maestro não levou NENHUM Oscar pra casa. Choooooooooooora Bradley Cooper!

sexta-feira, 8 de março de 2024

Especial Dia Internacional da Mulher: Atriz e inventora, conheça a incrível (e conturbada) história de Hedy Lamarr

Hedy Lamarr (Hedwig Eva Maria Kiesler) nasceu em Viena (Áustria) no dia 9 de novembro de 1914. Curiosa por natureza, e também incentivada pelo pai, já criança costumava desmontar as coisas para ver como funcionavam. De família judia, por ser filha de um banqueiro pôde receber educação particular, sendo que com cerca de 10 anos já era uma boa bailarina, pianista e falava quatro idiomas. Aos 16 anos ela começou a atuar em filmes pela Europa, mas seria dois anos depois, aos 18, onde ganharia fama graças ao polêmico filme checo Ecstasy (1933).

Traumático para a atriz, Ecstasy ficou famoso com Hedy interpretando aquela que é considerada a primeira cena de orgasmo da história do Cinema mundial, além de trazer algumas cenas de nudez. Em entrevistas posteriores, Lamarr contou que foi duplamente enganada. Ingênua e ansiosa para fazer o filme, acabou assinando contrato sem o ler direito, e quando ela se recusou a tirar a roupa a pedido do diretor Gustav Machatý, ele disse que então ela teria que pagar por todas as filmagens até então se fosse desistir da produção. E mais ainda, para "tranquilizá-la", prometeu que as filmagens seriam de longe, o que não permitiriam o espectador perceber muitos detalhes. Foi apenas depois que as tomadas foram feitas que Hedy viu que as cenas foram filmadas em close.

No mesmo ano de 1933, Hedy iniciaria o primeiro de seus seis casamentos, com Friedrich Mandl, um rico austríaco fabricante de munições e armas. Seu marido, absurdamente controlador, acabou com sua carreira de atriz e praticamente a mantinha presa em casa, em cativeiro (além de tentar infrutiferamente destruir as cópias do filme Ecstasy). E ainda piora: sendo simpatizante de Mussolini e Hitler, seus clientes, Mandl frequentemente a levava para reuniões nazistas. Lamarr só sairia deste pesadelo em 1937, através de um plano engenhoso e quase "cinematográfico".

Foram meses de planejamento: primeiro ela pediu ao marido para ter uma criada à sua disposição, criada esta que Hedy escolheu especificamente para ter o mesmo porte, altura e cor de cabelo. A fuga aconteceu na noite de um jantar importante, onde Lamarr aproveitou para colocar em seu corpo todas as jóias que possuía. Em dado momento, fingiu passar mal, e junto com a criada se retirou para descansar. Então Hedy colocou a criada para dormir com um sonífero, roubou e vestiu seu uniforme, e assumindo o "papel" de sua empregada, saiu da casa sem despertar suspeitas. Ela então fugiria de lá de bicicleta com suas jóias, deixando a Áustria para a França, e posteriormente, para a Inglaterra.

O tempo sem atuar não fez o mundo esquecê-la. Tanto que a maior inspiração para o visual de Branca de Neve, na inovadora animação de 1937 da Walt Disney, foi justamente ela. Hedy Lamarr inspirou não apenas a aparência, como também os estilos de maquiagem e penteado da personagem. Em 1938 ela se mudaria para os EUA, e já com um contrato assinado com a MGM para ser atriz em Hollywood.

Hedy Lamarr chegou aos Estados Unidos sendo promovida como a "mais bela mulher do mundo", alcunha que a acompanhou por muitos anos da carreira. Apesar dos esforços da MGM em transformá-la em uma grande estrela, o plano não deu tão certo. As bilheterias de seus filmes acabaram alternando entre desempenhos bons e ruins. Hedy não era uma atriz excepcional, mas ela também era prejudicada por ser escalada apenas para o mesmo papel de mulher bela e sedutora, além de ser colocada propositalmente em alguns filmes menores por Louis B. Mayer. Insatisfeita, Lamarr deixou a MGM e em 1946 produziu o primeiro dos seus filmes, Flor do Mal (The Strange Woman no original), em um movimento bem ousado para a época, especialmente em se tratando de mulheres.

Em seus últimos trabalhos ela se alternou entre filmes independentes (alguns produzidos por ela mesma) e filmes de grandes estúdios, sendo um destes o seu maior sucesso de público, o épico Sansão e Dalila de 1949, da Paramount Pictures, onde ela fazia o papel da Dalila, claro (ver foto abaixo). No total foram quase 30 filmes em solo estadunidense, no período entre as décadas de 30 a 50.

Se durante o dia Hedy era a bela atriz, a noite ela era a inventora, e passava parte do seu tempo em sua casa, se distraindo com as invenções mais diversas. A maioria de suas criações eram soluções práticas para problemas cotidianos, como por exemplo uma caixa de lenços de papel para depositar lenços usados, uma coleira de cachorro que brilhava no escuro, ou uma cadeira para ser acoplada no chuveiro, para que as pessoas que não conseguissem ficar em pé pudessem tomar banho e depois girar para se secar.

Hedy conheceu - e até teve um breve relacionamento - com Howard Hughes: aviador, engenheiro e empresário. Ele lhe deu de presente um "mini laboratório", que Lamarr instalou em seu trailer e com isso também podia se entreter durante o intervalo das gravações dos filmes. Quando Hughes reclamou a Hedy que achava que os aviões ainda eram lentos, ela estudou a respeito e baseando-se na aerodinâmica de peixes e aves, devolveu a ele um projeto para novas asas, à qual Howard replicou que ela era um gênio. Durante a guerra, com objetivo de fazer chegar refrigerantes aos combatentes, com a ajuda de dois químicos emprestados por Hughes, Hedy tentou compactar e transformar a Coca-Cola em pastilha, para ser consumida após dissolvida em água. Porém, ela não conseguiu contornar o problema de que a composição da água que as pessoas bebiam variava de região em região, e então sua tentativa fracassou, como ela mesmo admitiria aos risos. 

Porém a grande invenção de Hedy Lamarr, a qual ela desenvolveu junto com seu amigo e compositor musical George Antheil, foi o sistema que seria batizado de “salto em freqüência”. Estávamos em plena Segunda Guerra Mundial, e Hedy pensava em... torpedos. Ela estava bastante chocada com um episódio onde um torpedo alemão afundou um navio britânico com refugiados, matando 77 crianças.

Na época se tentava controlar a direção dos torpedos via rádio, e se a (única) frequência da transmissão fosse detectada, a arma era facilmente interceptada. Conta a história que em uma noite, Hedy e George "brincavam" de dueto em frente a um piano, com ela repetindo em outra escala as notas que ele tocava. Então, Lamarr teve o "estalo" de que poderia fazer o mesmo com transmissões de rádio: se o emissor e o receptor mudassem constantemente de frequência, os dois poderiam se comunicar sem medo de serem interceptados.

Os infelizes anos ao lado Friedrich Mandl permitiram que Hedy Lamarr também aprendesse sobre tecnologias relacionadas a armamentos, e isto ajudou no desenvolvimento de sua nova invenção, algo que iria permitir o disparo de torpedos com mais precisão e sem aparecer nos radares dos inimigos. A criação de Hedy e George Antheil foi patenteada e eles a levaram para a Marinha estadunidense, para que fosse usada na Guerra o quanto antes. Porém, por preconceito e machismo não apenas sua idéia foi recusada, como também lhe disseram que se ela quisesse mesmo contribuir na Guerra, que usasse sua beleza para fazer campanhas e propagandas para vender bônus de guerra. E mesmo recebendo este tratamento, assim ela o fez, sendo que Lamarr ajudou a vender quase 25 milhões de dólares dos tais bônus.

A tal invenção de Hedy Lamarr foi ignorada completamente pela Marinha até 1962, quando foi usada por eles na Crise dos Mísseis em Cuba. E somente nos anos 80 os militares liberaram a tecnologia para ser utilizada comercialmente. Desta forma, o tal sistema de “salto em freqüência” foi a base para tecnologias de hoje como WiFi, Bluetooth, e GPS.

Hedy Lamarr não recebeu nenhum tostão por sua invenção em toda sua vida (estima-se que ela valeria 30 bilhões de dólares em valores atuais). E somente em 1997 ela e George receberam um primeiro grande reconhecimento público pela sua criação, o EFF Pioneer Award, concedido pelo Electronic Frontier Foundation para pessoas que fizeram "contribuições importantes para a eletrônica". Hedy morreria três anos depois (em janeiro de 2000), com George Antheil já tendo falecido em 1959.

Uma outra homenagem interessante é que em 2005 os inventores e empresários alemães Gerhard Muthenthaler e Marijan Jordan proclamaram o dia 9 de novembro (dia do nascimento de Hedy) como sendo o Dia do Inventor. Embora não tenha sido seguida por todo o mundo, principalmente países de língua alemã como a Alemanha, Áustria e Suíça adotaram esta data.


Conforme as décadas iam passando, ela foi ficando cada vez mais melancólica e pessimista, e algumas de suas declarações que ficaram famosas foram “Meu rosto foi minha ruína”, e "Qualquer garota pode ser glamourosa. Tudo que você precisa fazer é ficar parada e parecer estúpida.".

Hedy Lamarr passou as duas últimas décadas de sua vida cada vez mais reclusa, em sua casa na Flórida, vivendo apenas com uma pequena aposentadoria e de uma pensão do Sindicato dos Atores. Com as pessoas comentando sobre o declínio de sua beleza, Lamarr realizou algumas cirurgias plásticas, porém não teve bons resultados e isto aumentou ainda mais sua reclusão. Em seus últimos anos, seu contato com o mundo exterior era basicamente via telefone, onde ela passava horas diárias conversando com familiares e amigos.

Em 2017 tivemos o lançamento do filme-documentário estadunidense Bombástica: A História de Hedy Lamarr (Bombshell: The Hedy Lamarr Story), que passou com sucesso por alguns festivais importantes (sendo o de Tribeca o maior deles). Mas ele teve exibições modestas em cinemas e nem chegou ao Brasil. O documentário também chegou a ser exibido nos EUA via canais PBS e Netflix.

Eu assisti Bombástica, e posso afirmar que é muito bom, recomendo! Ainda assim, como se pode notar, não tivemos um filme realmente "grande" sobre Hedy Lamarr, sendo adequadamente divulgado e lançado nas Telonas do mundo todo. Porém, vídeos e textos como este meu, resgatando sua história e contribuições felizmente estão ficando mais frequentes. Então quem sabe... que um dia ela tenha na própria Hollywood uma produção digna em reconhecimento pela sua inteligência e contribuições. Até lá, divulguem este artigo! ;)



PS: já leu os outros artigos especiais aqui do Cinema Vírgula sobre o Dia Internacional da Mulher? Se ainda não, aproveite e clique nos links abaixo!

2022: conheça Roberta Williams e suas revoluções para o mundo dos Videogames

2020: Lucille Ball e seu enorme legado para a cultura POP

quarta-feira, 6 de março de 2024

Anatomia de uma Queda - Reflexões


Há alguns anos atrás, publiquei no Cinema Vírgula a primeira participação de um convidado, onde minha amiga e psicóloga Vanessa Calderelli escreveu um texto sobre reflexões sobre o ótimo filme Meu Pai. E para minha alegria, ela está de volta, hoje para trazer suas reflexões sobre outro filme excelente: Anatomia de uma Queda.

Reforço que o texto irá contar bastante coisa sobre o enredo de Anatomia de uma Queda, portanto, só fará sentido para quem já viu o filme. E é isto... aproveitem! :)



Anatomia de uma Queda

O que faz uma pessoa cair? Após 2h30 de um filme denso saí do cinema com essa pergunta martelando na minha cabeça. 

O filme começa com o encontro de uma jovem pesquisadora com Sandra, que aparentemente descontraída abre espaço em sua residência para uma entrevista, o tema da entrevista não fica claro ao expectador, à medida que as perguntas se iniciam o volume de uma música reproduzida no andar superior da casa por Samuel, marido de Sandra, impede que o encontro aconteça. A impressão inicial é que cada vez que uma pergunta acontecia o ‘barulho’ aumentava. A sensação é de incômodo, que permanece no decorrer da trama, quase como se fosse possível enxergar com um borrão o que estava se passando ali. 

Um ato agressivo do marido para impedir a esposa a dar entrevista? Um ato defensivo para se proteger do barulho que o conteúdo da entrevista causava nele? A ambivalência sentida nesta primeira cena percorre todo o filme. Uma melodia que parece agradável no primeiro tom, mas vai se tornando incômoda pela repetição das notas graves.  

Como disse anteriormente, o filme é denso e se desenrola a partir da morte do homem / pai / marido / escritor / professor. Não se sabe nada sobre ele até então, apenas que ouve som alto quando precisa pensar. Na primeira cena em que aparece seu corpo está estatelado no chão de sua casa, na neve. Seu filho o encontra morto, uma cena desesperadora. 

A partir desta cena a narrativa se desenvolve. O que aconteceu ali? 

Uma investigação, um indiciamento, um julgamento. Ele se jogou ou ela fez isso. É isso que está em questão. Assassinato ou suicídio. Cenário frio, gelado. A casa por terminar. O menino com seu cão. A mulher com uma tensão disfarçada. A música alta que impede a atenção e o pensamento. Entrevista interrompida. Vida interrompida. A sequência dos acontecimentos não foi essa descrita aqui por mim, mas tudo inicialmente acontece num caos ordenado ou numa ordem caótica. Me parece que o filme todo se dá assim. Conhecemos a história do casal em fragmentos, no julgamento da mulher / esposa / mãe / escritora e escrevo assim pois são estes os papéis que estão sendo julgados, o tempo todo. A violência na entrelinha do dia a dia, a depressão, a dificuldade de lidar com a vida, com as culpas, com a impotência, com a relação. O que não é visto ou o que é negligenciado?

Há uma tragédia que precede a tragédia. O atropelamento do filho Daniel quando tinha 4 anos, sob os cuidados do pai, que imerso em seu próprio mundo se descuidou do horário da escola. Aqui é possível perceber a dinâmica do casal pré-acidente, que como qualquer outro casal, faz combinados para que as funções de cuidado sejam divididas entre pai e mãe, revezando-se nas tarefas parentais. Após o acidente que deixou Daniel com a visão muito comprometida pelo rompimento do nervo ótico, várias questões emergem na relação conjugal. Um jogo de projeções e culpas, cobranças, traição, depressão. A dificuldade de comunicação entre Sandra e Samuel que originalmente não falam a mesma língua, ela alemã e ele francês, e provavelmente diferenças culturais para lidar com afetos e emoções não possibilitou um espaço continente para lidar com o acidente do filho. A família se comunicava em inglês, pois havia morado em Londres desde o nascimento de Daniel. Este é também um aspecto importante no julgamento, em qual idioma a emoção pode ser contada.

O filme é sobre a anatomia de uma queda, mas eu diria que é mais sobre uma dissecação da relação conjugal que precisa ser ouvida, vista e sentida nas minucias, no detalhe. De uma dor que não pode ser contada em vida e precisou da morte para isso. Dentre juízes, promotores, testemunhas, réu e advogados é o jogo de acusações e defesas que faz tanto mal... lembrei da música Grito de Alerta do Gonzaguinha. 

Não é possível deixar de comentar que Daniel se apresenta desde o início com uma surpreendente lucidez, sem negar o sofrimento. Decide acompanhar todo o julgamento. Cego, praticamente inicia sua própria investigação utilizando outros recursos para compreender o que causou a morte seu pai, evitar que sua mãe seja presa e explicar a sua própria tragédia, a cegueira.  Mostra coragem, perspicácia e sensibilidade. Muito provavelmente precisou desenvolver habilidades para lidar com a dinâmica narcísica dos pais e ao mesmo tempo que houve o investimento deles em sua própria independência. Aos olhos da mãe (fala dita ao final do julgamento) “ele está crescendo e bem”, aos olhos do pai culpa, por se sentir impotente. No caso de Daniel, não há como minimizar a dor, fazer isso seria negar todas as suas percepções a cerca do que acontece a sua volta, inclusive sua surpresa sobre o que acontecia na intimidade relacional dos pais (diferenças e divergências comuns a muitos casais).

Assassinato ou suicídio? O que faz uma pessoa cair, senão o que não pode mais ser sustentado?  Sempre há indícios... sempre. No caso do filme, a vida e a intimidade do casal são expostas para o júri como vísceras na aula de anatomia, o cadáver exposto no centro, quem apresenta no centro e quem assiste ao redor. Isso foi algo que me chamou a atenção. A fala estarrecedora do filho no final do julgamento dizendo que não são os fatos que justificam o caso, mas o que leva aos fatos. Deixa todos de boca aberta no final, inclusive a juíza.

Uma cena importante no julgamento é a do psiquiatra que acompanhava Samuel. Ele descreve o ponto de vista do paciente a respeito das queixas sobre a relação conjugal, é testemunha da acusação. Sandra se defende dizendo que se a terapeuta dela estivesse ali certamente falaria também das queixas dela em relação ao marido. As queixas individuais sempre são sobre pontos de vistas parciais. A questão que está sendo investigada no filme diz respeito à dinâmica do casal, portanto só seria possível de serem analisadas de forma preventiva e dinâmica numa sessão onde ambos estivessem, portanto, numa terapia de casal. A partir disso seria possível buscar compreender e cuidar dos motivos que levaram o casal à crise, buscando uma saída mais saudável, que não a morte.

Ninguém sabe o que acontece numa relação até que a dinâmica e a problemática seja exposta. As gravações em áudio, em especial a última, ambivalente e contraditória, não teria sido a forma póstuma de comunicar seu sofrimento? Uma carta suicida ou uma acusação à esposa? A cena da discussão que está no áudio é muito angustiante, principalmente porque revela algo comum aos casais em crise. Que cena! 

Algo da ordem do insuportável é o que fica exposto, é o que leva à morte, é a marca do vazio que fica na queda, no gelado da neve, na casa inacabada, nas vidas dos que ficam. No luto de uma relação impossível de lidar em vida. Naquilo que provoca a queda dos que vivem e dos que morrem. 

Anatomicamente não se vê a emoção, nem o que liga uma pessoa à outra. Tais emoções só podem ser enxergados nos vínculos e nas marcas daqueles que vivem, antes da queda ou na dor daqueles que sobrevivem a ela.


Vanessa T. Calderelli é psicóloga clínica há 20 anos, psicanalista de casal e família. Mestre em Psicologia Clínica Social pela Puccamp. Especialista em Psicoterapia Breve Psicanalítica pelo Instituto Sedes Sapientiae e pela Unicamp. Terapeuta voluntária do Napc (Núcleo de Atendimento e Pesquisa da Conjugalidade e Família) do Instituto Sedes Sapientiae. Membro da ABPCF (Associação Brasileira de Psicanálise de Casal e Família).

terça-feira, 5 de março de 2024

Crítica - Anatomia de uma Queda (2023)

TítuloAnatomia de uma Queda ("Anatomie d'une Chute", França, 2023)
Diretora: Justine Triet
Atores principaisSandra Hüller, Swann Arlaud, Milo Machado-Graner, Antoine Reinartz, Samuel Theis, Jehnny Beth, Saadia Bentaieb, Messi
Nota: 8,0

Filme mistura tribunal, "whodunnit" e reflexão com eficiência

O filme francês Anatomia de uma Queda tem sido um dos mais elogiados e premiados filmes não-estadunidenses em 2023 e 2024. Cinco indicações para o Oscar, vencedor do cobiçado Palma de Ouro em Cannes (ou seja, o prêmio de Melhor Filme), vencedor do Globo de Ouro de Melhor Filme em língua não-inglesa, dentre várias outras premiações. Além disso, com esta obra, a diretora francesa Justine Triet conseguiu ser a terceira mulher a levar a Palma de Ouro. Ela também está indicada ao Oscar de Melhor Direção e ao Oscar de Melhor Roteiro Original - sendo em ambos os casos a primeira vez de uma mulher francesa.

Na história temos a escritora alemâ Sandra (Sandra Hüller) que mora isolada em um chalé numa montanha, com seu marido o Samuel (Samuel Theis) e filho Daniel (Milo Machado Graner), sendo este praticamente cego. Em uma manhã Samuel é encontrado morto, fora de casa, e devido a dúvida se houve um crime ou acidente, Sandra é levada a julgamento.

É então que a trama mistura cenas de tribunal, um bocado de whodunnit (e sim, o filme é muito bem montado de modo que ficamos o tempo todo tentando adivinhar o que aconteceu), problemas de relacionamento familiar, e uma interessante reflexão sobre culpa e justiça.

Um outro forte fator positivo de Anatomia de uma Queda é sua atriz principal, a alemã Sandra Hüller, em excelente atuação, pela qual merecidamente ela recebeu uma indicação ao Oscar (Sandra também é uma das principais atrizes de Zona de Interesse, outro dos indicados ao Oscar de Melhor Filme). Aliás, falando em Oscar e diversidade de países, usando a "desculpa" de que a personagem de Sandra é alemã e o seu marido é da França, eles se falam em inglês como "idioma comum". Então, mesmo sendo um filme francês, pouco mais de metade dos diálogos estão em inglês. Certamente isto ajudou a ampliar o número de indicações de Anatomia de uma Queda em festivais de língua inglesa.

E mesmo já sendo um bom filme de suspense, com boas atuações, o que pra mim diferencia Anatomia de uma Queda é sua exposição sobre a "realidade" versus "o que é dito". Por exemplo, a meu ver o advogado da acusação era bem mais competente e convincente do que o da defesa; os depoimentos de Daniel foram parciais; Sandra manteve o tempo todo a versão de uma família feliz, mas as evidências mostravam um oposto assustador. E vou mais além, será que ela estava "mentindo"? Ou realmente acreditava naquilo, baseada em sua própria percepção da realidade? Cada uma destas "versões" potencialmente prejudica a "verdade" influenciando o Juri... e isto me incomodava profundamente. Mas... já pensaram no que seria exatamente "a Verdade"? E já perceberam que estas distorções e nuances estão presentes na vida real em todo julgamento, todos os dias?!

Continuarei avançando nestas reflexões... mas para isto, terei que comentar sobre o final do filme. Portanto, se você não quiser ler alguns spoilers de impacto consideráveis, pule o próximo paragrafo, e vá direto para o seguinte. 

O desfecho de Anatomia de uma Queda é... inclusivo. Não dá para saber ao certo se Sandra é inocente ou não. Será que foi suicídio? Se sim, há até a possibilidade de que Samuel tenha gravado o áudio de sua briga com a intenção de prejudicá-la. Para mim é bem claro que o filho, Daniel, acaba escolhendo tomar o partido da mãe. E neste caso... seria correto deixar alguém tão jovem e tão envolvido emocionalmente como testemunha? Mas ao mesmo tempo, estando ele na casa, seria correto deixá-lo de fora? O fato é que apesar de toda investigação e julgamento, nunca saberemos o que realmente aconteceu, e elas tanto poderiam levar alguém inocente para a prisão, quanto também ter deixado um assassino livre. E situações "inconclusivas" como esta existem na vida real a todo momento. Isto é perturbador, se pararmos para refletir. E analogamente, deixando as leis de lado, o mesmo se pode dizer a respeito dos dramas pessoais, traumas familiares... nunca saberemos o que ocorreu no interior de cada indivíduo.

Para o público geral, que está acostumado com os filmes estadunidenses, talvez haja um pouco de desconforto, no sentido de achar Anatomia de uma Queda um pouco parado, ou com muitos diálogos. Já para o público padrão que gosta de filmes de suspense (mas sem ação), tribunal, ou "adivinhe o assassino", Anatomia de uma Queda deverá agradar bem. E finalmente, para alguém que está procurando um filme mais denso, que te leve a pensar, este aqui poderá agradar bastante. Nota: 8,0.



PS: repararam que o último nome que coloquei na lista de atores principais é o Messi? Mas não se trata do famoso jogador de futebol argentino, e sim, do cachorro Messi, que atuou como o cachorro-guia "Snoop" no filme. Ele foi uma atração a parte em todos os festivais onde Anatomia de uma Queda participou, e inclusive, foi o vencedor do Palm Dog Award em Cannes: sim, desde 2001 lá existe uma premiação para a melhor atuação canina do ano, seja ela real ou de animação. Abaixo você pode conferir Messi exibindo seu prêmio, que é representado por uma coleira de couro com os escritos "Palm Dog".

domingo, 3 de março de 2024

Crítica - Duna: Parte Dois (2024)

TítuloDuna: Parte Dois ("Dune: Part Two", Canadá / EUA, 2024)
Diretor: Denis Villeneuve
Atores principaisTimothée Chalamet, Zendaya, Rebecca Ferguson, Javier Bardem, Austin Butler, Florence Pugh, Dave Bautista, Léa Seydoux, Christopher Walken, Josh Brolin, Souheila Yacoub, Stellan Skarsgård, Charlotte Rampling
Nota: 8,5

Duna encerra o primeiro livro com grande espetáculo cinematográfico

Dois anos e meio atrás, após assistir o primeiro filme de Duna, eu disse que poderíamos estar diante "da primeira parte de uma saga única e espetacular". E com este Duna: Parte Dois, Denis Villeneuve atinge em cheio as minhas expectativas. Sua continuação supera em tudo o filme anterior: aqui temos mais história, mais cenas espetaculares e ambiciosas, mais reviravoltas e emoção.

Sendo continuação direta do filme anterior, Duna: Parte Dois termina a história contada originalmente pelo primeiro livro da saga Duna, escrito em 1965 por Frank Herbert. E não, não dá para assistir este filme sem ter antes assistido o primeiro, de 2021. Mas ele está disponível em vários lugares, como por exemplo no Prime Video e no Max - antigo HBO.

Aqui vemos Paul "Muad'Dib" Atreides (Timothée Chalamet) continuando a ganhar influência entre os Fremen, com o objetivo de iniciar uma revolta para tomar de volta o poder do planeta Arrakis. Porém seu sucesso não apenas chama a atenção dos atuais inimigos, o clã Harkonnen, como também chama atenção do Imperador (Christopher Walken) e de sua filha, a Princesa Irulan (Florence Pugh). Em paralelo a tudo isso, e alheias ao fato de que Paul ainda está vivo, as Bene Gesserit continuam articulando fortemente nos bastidores...

Sem a necessidade do primeiro filme de introduzir seu universo, e com ainda mais tempo de tela (2h e 46min contra 2h e 35min), Duna: Parte Dois consegue desenvolver melhor seus personagens - inclusive dando espaço para novos deles. Lady Jessica (Rebecca Ferguson), por exemplo, que pareceu um pouco perdida no primeiro filme, agora está muito bem utilizada. De certa forma então, este filme até "corrige" pontos do filme anterior. Se no primeiro filme tínhamos um maior foco no controle das pessoas através da força e poder econômico, aqui vemos um foco maior no controle através da religião. Ambos são igualmente poderosos e assustadores. E a velha e corrupta política está no interior de tudo isso, claro.

Também há mais tempo para apresentar novas localidades, algumas visualmente bem impressionantes, seja de batalhas, ou o mais surpreendente, de templos antigos. Novamente, é como se tivéssemos reunido o melhor de Star Wars com Game of Thrones... com o detalhe que a saga de Duna foi escrita décadas antes, deixando claro quem foi a inspiração, e quem são as "cópias".

Denis Villeneuve conseguiu deixar seu Duna com um visual e uma trilha sonora bem diferente e marcantes, e que se houver justiça, ficarão gravados na história da cultura Pop. Ele conseguiu afinal, de seu modo, adaptar um dos tais livros "inadaptáveis". Duna 1 e 2, em geral, acabam sendo bem fiéis ao primeiro livro da saga. Duna: Parte Dois, entretanto, tem mais "licenças poéticas" que o primeiro filme. Uma delas, por exemplo, é a personagem de Léa Seydoux, Lady Margot, cuja história no livro é completamente diferente da deste filme, e provavelmente isto foi feito para mudanças ainda maiores para o filme três.

Um terceiro filme?? Sim. Pois se for pra falar de algum defeito em Duna: Parte Dois, seria este. Não satisfeito em encerrar a história do livro um, o desfecho deste filme acaba avançando em um evento do livro dois, Messias de Duna. E aí temos um gancho gigantesco para uma continuação... O lado negativo? Esta modificação fez com que a história meio que exija um novo filme. O lado positivo é que se vier mesmo um terceiro filme, e for da qualidade deste... nós cinéfilos e/ou amantes de ficção científica temos muito a agradecer. Nota: 8,5.


P.S.: Duna: Parte Dois não tem cena pós créditos. Outra coisa: faça um favor a você mesmo, assista a este filme NOS CINEMAS!!!!

sexta-feira, 1 de março de 2024

Crítica - Ficção Americana (2023)

TítuloFicção Americana ("American Fiction", EUA, 2023)
Diretor: Cord Jefferson
Atores principaisJeffrey Wright, Tracee Ellis Ross, John Ortiz, Erika Alexander, Leslie Uggams, Adam Brody, Keith David, Issa Rae, Sterling K. Brown, Myra Lucretia Taylor, Raymond Anthony Thomas
Nota: 8,0

Filme bem diferente de temática negra, mas universal e com ótimo final

Assim como Os Rejeitados, este Ficção Americana também é um drama cotidiano que está sendo vendido / apresentado como uma comédia, mas que entretanto pouco nos faz rir. Aliás, em Os Rejeitados até temos uma ou outra gracinha... mas em Ficção Americana não. É que em ambos os filmes, o tal humor não é direto, está presente apenas em seu intenso sarcasmo e ironia.

Ficção Americana é baseado no livro Erasure (2001) do escritor estadunidense Percival Everett. A história nos apresenta Thelonious "Monk" Ellison (Jeffrey Wright), um respeitável e muito inteligente professor e escritor afro-americano. Porém, seus livros não são populares pois não são "negros o suficiente", segundo seus editores. Ao mesmo tempo, um dos maiores sucessos de vendas atuais é We's Lives in Da Ghetto, livro da escritora Sintara Golden (Issa Rae), um enorme amontoado de estereótipos, onde seus afro-americanos vivem todos na violenta, sexual e pobre periferia, falando muitas gírias e palavrões. É então que Monk, em protesto, escreve sob pseudônimo um livro para ironizar obras como as de Sintara... porém seu livro vira sucesso de vendas... e inclusive de críticas(!), deixando tudo cada vez mais confuso e complexo para nosso protagonista.

Ficção Americana é um filme... diferente. Pois apesar do tema principal ser claramente criticar toda a sociedade (e não apenas a sociedade branca, mas a negra também) por consumir e realimentar os estereótipos de raça, este assunto acaba diluído ao longo da trama. Afinal, na maior parte do tempo estamos acompanhando o cotidiano de Monk, com seus problemas de relacionamentos amorosos e familiares, com ele tendo que lidar com a recente doença degenerativa da mãe devido a idade, etc.

O filme acaba passando por vários problemas da vida adulta em geral, e faz isso de modo tão natural que as vezes parece até esquecer seu propósito crítico anti-racismo inicial. Tanto que, no começo de seu desfecho, quando o filme abruptamente retoma a questão do estereótipo racial com toda a força, estranhei e até torci o nariz... mas foi por pouco tempo, já que o final é simplesmente genial, espetacular!

Ficção Americana está indicado a 5 Oscars, dentre eles ao de Melhor Filme, e outra indicação que faço questão de destacar é a de Melhor Roteiro Adaptado, já que a estrutura do livro é bem incomum e exigiu bastante trabalho de adaptação. Quanto a indicação de Melhor Ator para Jeffrey Wright, não acho que neste filme em específico sua atuação seja fora de série (mas ele está muito bem, claro); porém ele é um ator bem competente e versátil, então fico feliz com sua primeira indicação pela Academia.

Dentre todos os filmes deste Oscar com indicação para Melhor Filme, Ficção Americana foi o último a chegar no Brasil. Ele ACABA de estrear no Amazon Prime Vídeo. Quem está procurando por um filme bom e diferente, não perca a oportunidade de conferir. Nota: 8,0

Gosta de suspense e terror? Você deveria conhecer Locke & Key

Locke & Key é uma série de HQs de terror/suspense que já de cara deveria chamar a atenção devido ao nome de seu escritor: Joe Hill...