sábado, 24 de abril de 2021

Meu Pai – Reflexões sobre cuidados e perdas


Gostei tanto do filme Meu Pai, que lhes trago uma novidade: pela primeira vez em meu blog, publico um texto que não fui em quem escreveu. Ele é de autoria da minha amiga Vanessa, psicóloga, e não é uma análise cinematográfica sobre o filme: trata-se de suas impressões e reflexões após tê-lo assistido.

O texto a seguir apresentará vários spoilers, portanto é bem melhor que você o leia apenas após ter visto o filme. Vá assistir Meu Pai e depois volte aqui para apender um bocado. Espero que vocês gostem tanto do texto da Vanessa quanto eu gostei. Abraços!



O filme é muito comovente. Mostra o demenciamento a partir da vivência de Anthony, o mesmo nome do ator (Anthony Hopkins), e isso no decorrer do filme nos confunde e nos faz questionar se é a perspectiva do ator ou apenas uma coincidência com o nome do personagem. A sensação de confusão é uma característica importante na forma como a história é narrada, o que nos leva a ficar mais próximo da experiência emocional da senilidade.

Nos sentimos perdidos e vulneráveis frente ao processo de desrealização que a demência provoca. Alucinações visuais, auditivas, perda da noção de tempo e espaço são sintomas psicóticos da demência, muito bem representada no filme. A regressão das capacidades mentais de Anthony é uma decorrência da senilidade, ou seja, um processo de desligamento "natural" do cérebro.

Pensando nos vínculos é possível perceber que foi uma família com uma história marcada por conflitos e perdas, ou seja, uma família comum. Não temos a oportunidade de conhecer mais a fundo tais relações familiares, mas vemos um contexto de cuidado e amor. Anne é o vínculo real, aquele que Anthony busca para saber que está seguro no fim da vida, assim como a mãe e o bebê, no início de tudo. Está com medo, não aceita outras cuidadoras, recusa-as assim como à doença.

De maneira geral, a constatação da vulnerabilidade da vida, do não controle e da impotência frente às perdas e ao envelhecimento, gera sentimentos ambivalentes que são demonstrados, por exemplo, através da agressividade e carinho de Anthony à filha. Já Anne se dedica ao pai até o limite de suas possibilidades e os seus sentimentos naturais de ambivalência aparecem também: amor, raiva, medo, coragem, desejo de morte, acolhimento, etc. Ela sofre pelo paradoxo de lidar com sua impotência frente à doença e pelo desejo de viver uma nova vida. Decide por trata-lo numa instituição e isso em nossa sociedade é uma decisão muito difícil e passível de julgamento. 

É inevitável pensar nas diferenças entre a elaboração da morte como um processo natural da vida e na dificuldade de elaboração do luto no caso de morte acidental. Anthony perdeu a outra filha vítima de um acidente que deixou marcas de difícil assimilação para ele. Por fim, o filme nos mostra o processo triste e irreversível da constatação do envelhecimento e da morte como um processo solitário, frente à demência. Sim, as folhas caem, os galhos secam, o tronco enfraquece, perde-se a sensação do vento!!

Em relação aos detalhes cenográficos que me chamam a atenção, o primeiro que me deixa intrigada são as várias portas que aparecem no apartamento, em todas as cenas, e que nos aproxima da vivência de Anthony, nos deixando meio perdidos, com muitas entradas e saídas que levam ao mesmo lugar; os vários objetos no apartamento, que podem indicar uma vida cheia de histórias e vão saindo de cena no decorrer do filme e os dois homens que trazem um clima de rivalidade masculina às cenas. Em relação aos objetos e aos homens a confusão fica por conta de não sabermos ao certo se é pelo impacto da notícia da mudança da filha ou se são parte do delírio. Nem sabemos se a mudança da filha para Paris é real. As roupas de Anne se tornam um marcador temporal e espacial, como se cada roupa indicasse um dia específico. Outro objeto importante e central é o relógio, pela referência ao tempo, controle e claro, realidade. A desorientação temporal é um dos sintomas psicóticos, na demência. 

Ao final, já no quarto da instituição, existe apenas uma porta, ou seja, uma possibilidade de acessar a realidade o que leva Anthony a um momento de lucidez (sustentada por pouco tempo) e então, ele sente!  Essa cena é para mim a mais comovente, marcada pela constatação da perda da onipotência. Ele 'desmonta' nos braços da enfermeira, chora (e nós também) como uma criança pequena pedindo pela mãe. Na última cena com as árvores cheias de folhas do lado de fora mostra que a vida segue acontecendo e que a morte pelo envelhecimento é um processo, não um acidente.

Vanessa T. Calderelli Winkler

Crítica - Meu Pai (2020)

Título: Meu Pai ("The Father", França / Reino Unido, 2020)
Diretor: Florian Zeller
Atores principais: Olivia Colman, Anthony Hopkins, Mark Gatiss, Olivia Williams, Imogen Poots, Rufus Sewell
Nota: 9,0

Com performance genial de Anthony Hopkins, produção faz o espectador experimentar a demência

Meu Pai é a adaptação para os cinemas da aclamada peça teatral de mesmo nome escrita pelo francês Florian Zeller, que também é diretor e co-roteirista deste filme. A produção recebeu 6 indicações ao Oscar, incluindo a de Melhor Filme.

Na história, Anthony (Anthony Hopkins) mora sozinho em seu apartamento, e recebe visitas diárias de sua filha Anne (Olivia Colman). Porém a mente de seu pai está se degradando rapidamente e Anne não quer ficar totalmente presa a ele. É então que ela tenta alternativas, como trazer uma cuidadora, ou talvez colocá-lo em uma casa de repouso: medidas interpretadas por Anthony como uma tentativa da filha de lhe roubar a posse do apartamento.

O trailer do filme vende esta dúvida: estaria Anthony correto de suas desconfianças? Felizmente depois de uma meia hora de projeção já temos esta resposta, e o filme segue com coerência até o final em relação a opção escolhida.

A verdade é que Meu Pai é um filme muito bom, excepcional. E como "prova" disto, afirmo que as seis indicações ao Oscar recebidas são merecidíssimas: Melhor Filme, Melhor Ator Principal, Melhor Atriz Coadjuvante, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Direção de Arte e Melhor Edição/Montagem. Tirando os prêmios de Melhor Atriz e Direção de Arte (e ambos são excelentes!), eu daria facilmente o prêmio máximo ao filme nas 4 outras categorias.

Se Meu Pai é brilhante em muitos quesitos, ainda assim a atuação de Anthony Hopkins esta acima de qualquer coisa. Ele, que é um dos melhores atores vivos, com seus atuais 83 anos entrega uma de suas melhores performances. Independentemente das intenções da filha, o pai sofre mesmo de demência, e Hopkins atua tão bem que seu comportamento errático parece assombrosamente real. Suas expressões faciais, movimentação corporal... tudo dá uma impressionante sensação de realismo em seus atos de confusão e esquecimento. Simplesmente fantástico.

E, claro, esta atuação magnifica só pôde atingir este altíssimo nível com o suporte do igualmente excelente roteiro: detalhes como a fixação de Anthony pelo seu relógio de pulso (que representa algo "estável" que ele pode controlar) são muito precisos em relação aos sintomas da demência real.

E tem algo ainda mais genial no roteiro, juntamente com montagem e direção de arte: mesmo mostrando o ponto de vista de Anthony, conseguimos nos sentir "na pele" de ambos os personagens, pai e filha. As confusões do pai são sentidas igualmente por nós, os confusos espectadores; e ao mesmo tempo, sofremos como Anne sofre ao ver o pai naquele estado.

Meu Pai é um filme que nos faz refletir - e principalmente sentir - sobre a velhice, a passagem do tempo, família, amor, e como a sociedade trata os idosos. E são assuntos que todos nós já enfrentamos, ou iremos inevitavelmente enfrentar. Se você quer entender "de verdade" os efeitos de envelhecer, ou ainda, assistir uma aula de atuação, Meu Pai é obrigatório. Nota: 9,0

sexta-feira, 23 de abril de 2021

Crítica - Bela Vingança (2020)

Título: Bela Vingança ("Promising Young Woman", EUA / Reino Unido, 2020)
Diretor: Emerald Fennell
Atores principais: Carey Mulligan, Bo Burnham, Alison Brie, Clancy Brown, Jennifer Coolidge, Connie Britton, Laverne Cox
Nota: 7,0

Mais do que filme de vingança, é uma triste e pesada história sobre abusos contra a mulher

Indicado a 5 Oscares, dentre eles o de Melhor Filme de 2020, Bela Vingança é outro filme que explora duras realidades da sociedade atual. A história apresentada é fictícia, entretanto trata de situações que acontecem diariamente em todos os lugares do mundo.

Na história, Cassandra (Carey Mulligan) era uma estudante de Medicina, até o episódio em que sua melhor amiga é vitima de um estupro coletivo. O evento a fez abandonar a faculdade e toda sua vida social; e após algum tempo ela resolve ser uma espécie de "justiceira", que caça homens abusadores nas noites da cidade onde mora.
 
Vendido como um filme de "suspense", Bela Vingança tem algumas poucas cenas de humor, outras poucas cenas "fofas" e românticas, mas na maioria do tempo temos cenas de drama bem fortes. Com exceção de uma cena (longa, em que eu me contorci na poltrona de angústia e desespero), o filme não mostra nada de violência física. Mas mostra muitas cena de abusos verbais e psicológicos.

Uma ótima escolha do filme foi focar em um tipo especial de "predadores": homens de boa aparência, educados, bem financeiramente... mas que propositalmente embebedam ou drogam mulheres, para posteriormente abusá-las sem restrições. O filme mostra de maneira bem realista como sociedade e  a Justiça (?) costumam ignorar este tipo de abusadores e sempre culpar o comportamento da vítima. Ver isso acontecendo uma vez já é uma experiência bem incômoda; porém ver isto acontecer muitas vezes ao longo do filme o torna bem tenso de ser assistido. Mas, que ótimo que seja assim! Pois em uma sociedade machista e corrupta como a nossa, é muito importante que todos vejam esta história, se choquem, e quem sabe aprendam uma lição importante.

Tecnicamente o filme é bom, a fotografia é excelente, o filme é visualmente bem bonito e colorido. Aliás, sua trilha sonora é alegre e vibrante... e isto não vem por acaso: som e imagem são propositalmente um oposto para a tristeza da história apresentada. Mas o que mais me encantou em Bela Vingança é a atuação de Carey Mulligan. É impressionante como essa (ainda não tão conhecida do grande público) atriz britânica consegue alternar com tanta facilidade entre uma moça "delicada e inocente" e uma pessoa "séria e vingativa".

Bela Vingança receberia uma nota ainda maior minha se o roteiro não tivesse alguns furos que considero relevantes. Um exemplo: em poucos minutos constatamos que Cassandra "eliminou" literalmente dezenas de homens, isso atuando em uma área restrita e sem cuidados demasiados para esconder sua atividade criminosa. É impossível que ela não seria pega pela polícia desta maneira... acho que na vida real ela já estaria presa com menos de 5% das vitimas que fez.

Mesmo com os problemas do roteiro, não se engane: ainda assim ele é bom e definitivamente bem realista. O texto foi escrito por Emerald Fennell, que também é diretora do filme e é uma atriz de TV consideravelmente conhecida (ela está em The Crown, por exemplo). Bela Vingança traz uma história forte, interessante, mas bem "pesada". Gostei bastante do filme, e foi o que mais me "chocou" até agora nesta safra do Oscar deste ano. Mas independente de você gostar ou não deste tipo de filme, recomendo a qualquer adulto do mundo assisti-lo. Sua mensagem precisa chegar a todos. Nota: 7,0



PS: sei que estou me repetindo, porém MAIS uma vez venho aqui criticar a péssima tradução de um título de filme. "Jovem Promissora" (em tradução livre do nome original) representa muito mais o drama de Cassandra do que Bela Vingança, até pois como já disse, o filme não é bem sobre isso...

quarta-feira, 21 de abril de 2021

Crítica - Nomadland (2020)


Título: Nomadland (idem, Alemanha / EUA, 2020)
Diretora: Chloé Zhao
Atores principais: Frances McDormand, David Strathairn, Bob Wells, Peter Spears, Derek Enders, Linda May, Charlene Swankie
Nota: 8,0

Impressionante relato sobre os "nômades" gerados pela economia estadunidense

Com 6 indicações ao Oscar, e um dos favoritos a receber o prêmio máximo de Melhor Filme, Nomadland é uma adaptação do livro Nomadland: Surviving America in the Twenty-First Century, de 2017. E o subtítulo da obra original descreve muito bem a trama do filme: mostrar a vida de pessoas "nômades", que moram em seus próprios veículos, e passam a vida se deslocando sazonalmente pelos EUA em busca de empregos temporários.

Estamos diante (e muito literalmente) de um road movie, e vemos o mundo através dos olhos de Fern (interpretado pela sempre excelente Frances McDormand), uma viúva de 60 anos que perdeu praticamente tudo após sua cidade Empire ter sido abandonada após o fechamento da indústria de gesso que sustentava toda aquela comunidade. Em busca de sobrevivência, e ao mesmo tempo sem nenhuma vontade de ter novo relacionamento amoroso, Fern mora dentro de sua Van e percorre o país em busca do próximo emprego de alguns meses.

Sendo "novata" na sua aventura, Fern acaba conhecendo toda uma comunidade de "nômades". Alguns poucos jovens levam essa vida por opção... mas em geral a maioria destas pessoas são idosos que não conseguem se fixar em mais nenhum lugar, ou porquê não têm aposentadoria (e aí precisam viajar até encontrar algum emprego qualquer), ou porquê não tem mais família, ou pela mistura dos dois.

Chega a ser um pouco surpreendente e chocante a grande quantidade de pessoas que levam esta vida em um país tão rico como os EUA. O filme não chega a incomodar pelas imagens em si, afinal, não há também uma grande pobreza... eles possuem roupas, conseguem se alimentar... o que realmente entristece é ver idosos tantos idosos solitários, e tendo que trabalhar "para sempre".

Nomadland possui várias semelhanças com filme que descrevi no meu artigo passado, O Som do Silêncio (2020). Ambos mostram personagens protagonistas fictícios, porém a maioria dos coadjuvantes são pessoas que vivem o drama na vida real: Linda May e Charlene Swankie são "nômades" de verdade, assim como Bob Wells é de fato um influente líder para estas pessoas. Ainda que as histórias mostradas em Nomadland misturem ficção e realidade, o filme se mostra bastante realista.

Tecnicamente Nomadland também vai muito bem, com boa fotografia nos mostrando as mais diversas paisagens, boa edição, e um roteiro ainda melhor do que em O Som do Silêncio. Não podemos deixar de destacar que direção e roteiro (ambas indicadas ao Oscar) são da chinesa Chloé Zhao, e são indicações históricas.

E finalmente, terminando minha comparação com O Som do Silêncio, há um ponto em que os filmes são radicalmente diferentes: enquanto o primeiro é bem agitado, "nervoso", Nomadland é contemplativo, mais sábio... reflexo da experiência de sua protagonista.

Nomadland é um grande filme e uma grande história porque vai além da jornada física pelas cidades dos EUA; é também uma jornada sobre o envelhecimento, sobre perdas, e uma leve crítica ao mundo totalmente insano que vivemos hoje. Não deixa de ser marcante constatar que em seus anos finais de vida, estas pessoas só encontram um pouco conforto no contato com a natureza e por viver em partilha em pequenas comunidades. Não foi assim que a humanidade passou a maior parte de sua existência? Para quem está disposto a refletir sobre a vida, Nomadland é uma ótima indicação. Nota: 8,0



PS: a história da cidade de Empire (no estado de Nevada, EUA) é real, mas a partir de 2016 sua situação melhorou "levemente", ao ser comprada por uma mineradora. Hoje a cidade possui cerca de 200 habitantes.

segunda-feira, 19 de abril de 2021

Várias notícias sobre o futuro Indiana Jones 5!!!


Após quase um ano de silêncio, este mês tivemos várias novas notícias sobre o futuro filme de Indiana Jones (que é minha franquia de cinemas favorita), e que será o 5º filme da série.

Antes relembrando o que já sabemos há um bom tempo, este novo filme será o primeiro de Indiana Jones em que Steven Spielberg NÃO será o diretor. Conforme anunciado ainda em 2020, o filme será dirigido por James Mangold (de Logan e Ford vs Ferrari).

As notícias dos últimos dias foram:
  • A data de estréia foi para 29 de julho de 2022, e por enquanto, o lançamento será exclusivo dos cinemas.
  • A atriz Phoebe Waller-Bridge (Fleabag) e o ator Mads Mikkelsen (Hannibal, A Caça) foram anunciados entre os papéis principais.
  • Outro ator anunciado foi Thomas Kretschmann (Vingadores: Era de Ultron), embora dele não se saiba mais detalhes. Mas não deixa de ser curioso que todos as anúncios são de atores europeus: Phoebe é inglesa, Mads é dinamarquês, e Thomas é alemão. Será que o filme se passará na Europa??
  • O genial compositor John Williams foi reconfirmado na produção.
  • Roteiro: primeiro feito por David Koepp (Jurassic Park, Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal), e depois por Jonathan Kasdan (Han Solo: Uma História Star Wars), agora ele está sendo criado por James Mangold e os irmãos roteiristas Jez e John-Henry Butterworth (Ford vs FerrariNo Limite do Amanhã).
  • Os planos são de iniciar as filmagens nos próximos meses, mais provavelmente em Agosto.
E aí? Animados como as notícias? Confesso que eu estou! Escrevam nos comentários!

Juntos: Harrison Ford, Mads Mikkelsen e Phoebe Waller-Bridge


domingo, 18 de abril de 2021

Crítica Amazon Prime - O Som do Silêncio (2020)


Título: O Som do Silêncio ("Sound of Metal", EUA, 2020)
Diretor: Darius Marder
Atores principais: Riz Ahmed, Olivia Cooke, Paul Raci, Lauren Ridloff, Mathieu Amalric, Chelsea Lee
Nota: 8,0

Drama e som (ou sua falta) entregam um filme memorável

Pela segunda vez nos últimos anos, um filme sobre um baterista é indicado pelo Oscar ao prêmio de Melhor Filme. Porém se em Whiplash - Em Busca da Perfeição (2014) o tema era o preço a se pagar pela excelência, em O Som do Silêncio temos a luta para abandonar o passado após uma tragédia.

Na história, Ruben (Riz Ahmed) e Lou (Olivia Cooke) são um casal de jovens músicos de Heavy Metal em início de carreira, e viajam pelos EUA a duras penas, sobrevivendo do pouco dinheiro de suas apresentações. O drama começa quando Ruben, baterista, começa a perder a audição de maneira muito rápida... em questão de meses ele já está surdo. E o que acontece quando um músico fica surdo? Pois é. É toda uma vida, década de estudos e práticas, jogada fora... isto sem falar das complicações sociais em geral.

Bastante temperamental, Ruben não aceita sua nova condição... mas a pedidos de Lou ele aceita ir para uma comunidade de deficientes auditivos para melhorar sua vida de alguma maneira. É aí que ele conhece Joe (Paul Raci, indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por esta sua atuação), o líder do grupo.

O Som do Silêncio não é o primeiro filme que mostra um personagem perdendo a audição, mas certamente é o que faz de maneira mais "inclusiva", e é este o seu diferencial. São várias as cenas em que estamos na pele de Ruben, "ouvindo" o que ele (não) ouve, e também vendo o que ele vê, em uma perspectiva de câmera que é praticamente a de uma primeira pessoa.

Riz Ahmed convence com sua atuação (ele foi indicado ao Oscar de Melhor Ator por ela), não somente por "parecer" surdo (e há motivos para isto, leiam nos PS no final deste texto), mas também pelas suas expressões de raiva, teimosia ou desespero. 

Acompanhar os personagens de Riz Ahmed e Paul Raci nos dá uma verdadeira aula sobre o mundo dos deficientes auditivos, outro fator muito interessante que conta como atrativo no filme. E não apenas pelo som, mas tecnicamente contamos com uma fotografia muito boa, tornando O Som do Silêncio um filme que chamará atenção de dois dos seus sentidos.

O Som do Silêncio oferece um pacote "completo" para agradar o público e os votantes da Academia: bom tecnicamente, ótimas atuações, e uma história educadora e inspiradora. É um filme que passaria batido do grande público se não fosse suas indicações ao Oscar, e recomendo para que vocês aproveitem a oportunidade e o conheçam também. Nota: 8,0.



PS 1: para atuar no filme, Riz Ahmed fez questão de aprender várias habilidades para o seu papel. Aprendeu a tocar bateria e a linguagem de sinais. Durante algumas cenas, usou bloqueadores nos ouvidos para efetivamente não ouvir nada, e sempre que possível se comunicava com atores e equipe da produção através dos sinais.

PS 2: vários dos atores com deficiência auditiva no filme são surdos na vida real: Paul Raci não tem esta deficiência, mas com pais surdos, é ativista e bastante importante para a comunidade de surdos nos EUA; já Lauren Ridloff, que interpreta a professora Diane, por alguns anos foi Miss América Surdos (sim, esta competição existe por lá).

PS 3: mais uma vez a tradução do título do filme para o Brasil é péssima. O nome original, Sound of Metal, se refere ao gênero musical de Ruben, e faz todo sentido. Mas o pior da escolha do nome O Som do Silêncio é que já existe um filme de mesmo nome, e recente: um filme de 2019 cujo nome original é The Sound of Silence e estrelado por Peter Sarsgaard e Rashida Jones.

sábado, 3 de abril de 2021

Conheça "Criminal" - seriado da Netflix que é um dos melhores de investigação policial dos últimos tempos


Pouco badalado em terras brasileiras, a série Criminal é o resultado de um interessantíssimo projeto iniciado em 2019 pela Netflix. O projeto começou com 4 antologias distintas, cada uma com 3 episódios: Criminal: Alemanha, Criminal: Espanha, Criminal: França e Criminal: Reino Unido. No ano seguinte, 2020, Criminal: Reino Unido recebeu uma segunda temporada com mais 4 episódios.

Embora todas estas 4 minisséries tenham os mesmos produtores e tenham sido filmadas no mesmo local (um estúdio em Madri), a direção, roteiro e atores são todos nativos do país cujo nome aparece no título. E isso é algo muito bacana, onde temos a incomum oportunidade ver o mesmo tema abordado por 4 culturas diferentes.

Cada episódio possui uma história completa, onde um time de investigadores passa interrogando um suspeito ou testemunha de um crime grave. Tudo é filmado em apenas 3 salas distintas, com muito diálogo e ótimas atuações.

Não pense que o fato dos atores passarem a maior parte do tempo sentados em uma sala torne os episódios monótonos. É verdade que alguns deles são um pouco clichê, mas na maioria, são histórias surpreendentes, ágeis, e repletas de reviravoltas.

Eu mesmo não assisti tudo ainda... assisti as séries do Reino Unido e Alemanha, mas gostei tanto que não quis esperar assistir as versões de França e Espanha antes de recomendar Criminal a vocês.

Sugiro que vocês comecem a assistir por Criminal: Reino Unido. Principalmente porque ela traz rostos bem familiares a nós, brasileiros: David Tennant (Doctor Who e Jessica Jones), Hayley Atwell (Capitão América e Agente Carter), Sophie Okonedo (Hotel Ruanda), Kit Harington (Game of Thrones) e Kunal Nayyar (The Big Bang Theory). Aliás, é impressionante como David e Kunal estão bem nesta série... fazem personagens totalmente diferentes do que estamos acostumados, eu cheguei a demorar alguns minutos para reconhecê-los em cena, de tão boas suas respectivas transformações.

Os atores dos outros países são menos conhecidos pra nós, mas ainda assim reconheci Sylvester Groth (Bastardos Inglórios e Darkem Criminal: Alemanha, e Emma Suárez (Julieta) em Criminal:Espanha.

Para quem curte suspense/drama policial, a série Criminal é imperdível. Ainda mais porque são temporadas curtas, episódios de apenas 40 min, e independentes... dá pra você assistir em qualquer espacinho de tempo sobrando do dia!

Na ordem: Kit Harington, Hayley Atwell, Sharon Horgan e David Tennant:
alguns dos atores britânicos de Criminal: Reino Unido

quarta-feira, 24 de março de 2021

Crítica - Liga da Justiça de Zack Snyder (2021)

Título: Liga da Justiça de Zack Snyder ("Zack Snyder's Justice League", EUA / Reino Unido, 2021)
Diretor: Zack Snyder
Atores principais: Ben Affleck, Gal Gadot, Ray Fisher, Henry Cavill, Jason Momoa, Ezra Miller, Jeremy Iron, Diane Lane, Zheng Kai, Amber Heard, Silas Stone, Ray Porter, Peter Guinness, Connie Nielsen, J. K. Simmons
Nota: 8,0

Bem melhor que a versão anterior, mas prova que Zack Snyder não pode fazer filmes de super-heróis clássicos

Depois de muita expectativas dos fãs enfim chega a versão estendida de Zack Snyder do filme Liga da Justiça (2017) para o público.

Caso você não saiba o que é este filme, resumidamente, Snyder era o diretor do filme da Liga, supostamente já havia terminado suas filmagens e estava começando a pós-produção quando abandonou o projeto devido o triste e então recente suicídio de sua filha, Autumn. Em seu lugar assumiria Joss Whedon, que para fazer um filme mais curto e "leve", gravou novas cenas e mexeu bastante no roteiro original. Foi a versão de Whedon que chegou aos cinemas e teve uma aceitação apenas mediana da crítica e público.

Alguns meses depois do lançamento de Liga da Justiça, Snyder começou a usar as redes sociais para divulgar partes do seu material inédito do filme. Não demorou muito para que seus fãs começassem a pressionar a Warner para que o Snyder Cut (a versão do Snyder) fosse lançado, movimento imediatamente apoiado pelo diretor, que afirmava que o filme estava pronto. Depois de muito tempo negando, a Warner aceitou liberar o filme e, quatro anos depois eis que a Liga da Justiça de Zack Snyder é lançada mundialmente via HBO Max.

Esta crítica será diferente, pois falarei um pouco sobre o filme novo, mas principalmente irei comparar as duas versões (o que revelará alguns spoilers, principalmente do filme original), e também falarei um bocado sobre o diretor/roteirista Zack Snyder.


Primeiro, e mais importante que tudo, a resposta que todos queriam saber é que sim, a Liga da Justiça de Zack Snyder é bem melhor que a versão dos cinemas de Joss Whedon. Os personagens são bem melhores apresentados, a trama principal é melhor explicada (agora fica claro que a morte do Superman foi o que acordou as Caixas-maternas, e porque os heróis queriam arriscar a ressuscitá-lo), as batalhas são ainda maiores e mais incríveis... até a trilha sonora melhorou um pouco, ainda que seja porque Snyder tenha reciclado várias músicas boas de filmes passados.

Os personagens mais beneficiados pelas mudanças foram o Flash (Ezra Miller), o Ciborgue (Ray Fisher) e seu pai Silas Stone (Joe Morton), e o vilão principal Lobo da Estepe (Ciarán Hinds). O Flash fica menos "palhaço" e passa a ser útil na batalha final; o Ciborgue passa a ser o personagem principal da trama. Do Lobo da Estepe falarei mais adiante. Por outro lado, houve um - e apenas um - personagem que piorou: o Aquaman (Jason Momoa). Embora a batalha solo dele tenha ficado melhor, ele perdeu minutos em cena e passou a ser o personagem "chato e pessimista" do filme.

Após assistir com prazer as longas 4h de filme, fica evidente que não daria nunca para lançá-lo nos cinemas. Oras, o filme só ficou bom ao desenvolver personagens e trama de maneira apropriada, e simplesmente não dá pra colocar algo tão longo na telona, ainda mais porque as suas primeiras 2h 30min  são bem lentas, cansativas. Eu mesmo assisti o filme em duas partes, assisti metade à tarde, e terminei o restante à noite.

Vale a pena comentar que o filme tem duas partes bem distintas e minha escolha de assistí-lo em partes foi acertada. A parte inicial, de apresentação dos heróis, os mostra como verdadeiros deuses, muito acima dos humanos, em cenas repletas de slow-motion. Já na segunda parte isso muda muito, não só com a chegada de mais cenas de ação e de diálogos rápidos, mas principalmente por mostrar todos os heróis com seus defeitos e medos.

Aliás, me corrigindo, esse Liga da Justiça de Zack Snyder não foi 2 filmes em 1. Foram 3 em um só: um para corrigir partes do Batman vs Superman, outro para apresentar todos os personagens da Liga, e outro para enfim contar a história da invasão do Lobo da Estepe. Muita coisa diferente para mostrar de uma tacada só, totalmente inviável para os cinemas!

Mas não é só pela duração do filme que concluí no título deste texto que Zack Snyder PRECISA abandonar os heróis clássicos da DC. Ele simplesmente não consegue entender o que é ser um herói. Já teve 3 filmes como diretor+roteirista para isso, e nunca conseguiu. Por exemplo: se o Snyder Cut melhorou em muitos aspectos a versão anterior, teve um ponto que ele não só não melhorou, como piorou: trata-se da batalha final com o Lobo da Estepe após a chegada do Superman. Em ambos os filmes, a luta perde totalmente a graça porque o Superman é muito mais forte que o vilão... mas agora, na versão de Snyder, o que os heróis fazem com o vilão após este já estar derrotado é simplesmente inaceitável... testemunhamos uma enorme covardia, para não falar outras coisas piores.

O resultado final da Liga da Justiça de Zack Snyder é um filme muito bom, o ápice da carreira deste diretor. E o filme poderia receber até uma nota maior minha... se não fosse o epílogo...


Ah, o epílogo... depois de passar 3 horas consertando suas bobagens passadas, Zack Snyder resolve ser Zack Snyder e estragar tudo novamente. Por que ele faria isto com sua própria obra? Seria o ego? Seria sua megalomania? Seria uma aposta para fazer os fãs fazerem campanha para uma continuação? Ou a soma de tudo isso? O fato é que após encerrar sua visão da Liga muito bem, ele resolve continuar filmando e começar a contar a história do filme seguinte!!

Snyder não sabe quando parar de gravar, quando parar de gastar dinheiro. Para que esta sua versão chegasse nesta forma que vimos, foram gastos mais 70 milhões de dólares (!!) em efeitos especiais, edição e novas cenas... e isso porque o rapaz disse que o filme já estava pronto... tsc, tsc.

Certamente boa parte desta bolada foi gasto no visual do Lobo da Estepe, e neste caso, ficou bom... a armadura do vilão chega quase a ser um personagem próprio dentro do filme. Ainda assim, um dinheiro gasto por puro capricho. Mas o que mais me irrita é que muitas das cenas deste indesculpável epílogo foram gravadas justamente DEPOIS, gastando estes 70 milhões. Dentre elas: temos a cena do Batman falando com o Caçador de Marte, que é uma cena ok, mas depois temos a cena do insuportável Lex Luthor de Snyder com o Exterminador, onde Lex conta para ele que Batman é o Bruce Wayne (o que estraga em muito o status quo do universo DC), e para finalizar, temos a cena em que o Coringa de Jared Leto simplesmente humilha o Batman, em uma cena revoltante para quem é fã do Morcegão.

E sabem qual é a historia que Zack continua neste filme aqui, e que na cabeça dele seria uma trilogia? Uma em que o Superman enlouquece e ajuda Darkseid a dominar a Terra... uma cópia da história do jogo de videogame Injustice: Gods Among Us. Ou seja, não bastando ter feito 3 filmes com o Azulão, e em nenhum deles mostrar uma mísera cena onde o Superman comete um ato de bondade, agora ele será o vilão (e assassino) por um filme inteiro!!! Se uma das maiores críticas aos filmes do Snyder pela DC é que ele exagera no sombrio, no clima depressivo, na violência, imaginem o que seria essa continuação!! 

Com seu Liga da Justiça de Zack Snyder, o diretor prova ser capaz de entregar ótimas produções... mas para isso, que não seja com heróis clássicos... ou no comando de uma franquia inteira. Zack não dá conta, ele não compreende heroísmo, não consegue ser conciso. Para o bem e felicidade de todos, que Zack Snyder continue fazendo seus filmes, mas usando personagens novos que ele mesmo crie, ou ainda, se for usar personagens já existentes, que pelo menos faça filmes de vilões ou anti-heróis. Porque a Luz definitivamente não faz parte de sua mente. Nota: 8,0

domingo, 21 de março de 2021

Crítica Netflix - Mank (2020)

Título: Mank (idem, EUA, 2020)
Diretor: David Fincher
Atores principais: Gary Oldman, Amanda Seyfried, Lily Collins, Arliss Howard, Tom Pelphrey, Sam Troughton, Ferdinand Kingsley, Tuppence Middleton, Tom Burke, Charles Dance
Nota: 7,0

Filme traz Herman J. Mankiewicz como herói e se contém nas críticas

Filme produzido pela Netflix, Mank ganhou reconhecimento público semana passada, quando a Academia de cinema estadunidense concedeu ao filme 10 indicações ao Oscar 2021, número bem superior aos demais concorrentes. Sua história é sobre Herman J. Mankiewicz, roteirista famoso por Cidadão Kane (1941), apontado com certa frequência como o melhor filme de todos os tempos.

Na verdade, Mank é um filme de bastidores "duplo": a história se divide mostrando um Herman que já sofre considerável rejeição dos estúdios de Hollywood, e que se encontra recluso e imobilizado em uma fazenda, se recuperando de um acidente de carro, e em paralelo correndo contra o tempo escrevendo o roteiro de Cidadão Kane. A outra parte percorre pelo cinema dos anos 30, mostrando a vida dentro das grandes companhias e como Mankiewicz chegou até aquela situação em sua carreira.

E a "resposta" é que Mankiewicz teve sua carreira prejudicada pelo alcoolismo, e por ser uma pessoa de opinião forte que não se calava diante de injustiças. Ao final do filme, Mank (Gary Oldman) é retratado como um herói, por ter conseguido superar os vícios, a pressão dos poderosos Louis B. Mayer (Arliss Howard) e William Randolph Hearst (Charles Dance), e por "enfrentar" seu contratante Orson Welles (Tom Burke). Porém este triunfo não é compartilhado com os fatos reais, já que após Cidadão Kane, Herman continuou com os problemas de antes: seus vícios, e sendo um profissional errático longe de seus tempos áureos.

Tecnicamente o filme é muito bom, a fotografia em branco-e-preto é excelente, assim como a trilha sonora, os figurinos, e o design de produção. Porém sua edição, com várias idas e vindas entre "presente" e "passado", somada à uma introdução menor do que o necessário aos diversos personagens da trama, faz com que Mank não seja tão fácil de acompanhar por um espectador que não conhece a história real das personalidades apresentadas.

Ironicamente, em um filme sobre um grande roteirista, o que menos gostei foi seu roteiro. Não que seja ruim, mas a meu ver, Mank traz uma história "leve" demais. Apesar de seus vícios, não chegamos a ver Mankiewicz efetivamente sofrer por eles; ao insinuar uma Hollywood cruel nos anos 30, onde empregados são explorados e os estúdios seguem os interesses de políticos conservadores, são poucas as cenas onde "de fato" vemos estas maldades sendo aplicadas. Minha maior decepção foi o pouco que se comentou da vida de William Randolph Hearst: afinal, Cidadão Kane foi feito especificamente para criticá-lo... queria entender o porquê disso em detalhes, e não consegui respostas.

Mank chega a ser historicamente bastante fiel em vários pontos, mas em outros não. Por exemplo, as cenas de Mankiewicz "brigando" contra a manipulação nas eleições são todas inventadas, e o fato de Orson Welles ter oferecido dinheiro ao roteirista para tirar seus créditos de Cidadão Kane é um boato que nunca foi provado ou mesmo comentado por Welles ou Mankiewicz na vida real.

Se o filme peca ao não ser marcante ou contundente em qualquer coisa que faça, pelo menos é uma obra bem agradável de se assistir. O filme é dinâmico e as vezes até bem humorado. Não é uma surpresa tão grande, portanto, que Mank tenha sido tão bem visto pela Academia dos Oscars... afinal, ela ama histórias que auto homenageiam o cinema... e se for pra fazer isto sem colocar seus grandes nomes do passado em situações complicadas, para eles melhor ainda. Nota: 7,0

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